Opinião

Reflexões sobre a transação tributária

Autor

  • José Luis Ribeiro Brazuna

    é advogado em São Paulo e Brasília sócio fundador do Bratax (Brazuna Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados) professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

3 de maio de 2022, 7h04

Nos dias 18 a 20 do último mês de abril, em Lisboa, o Fórum de Integração Brasil-Europa (Fibe) promoveu interessantes debates sobre o futuro da regulação estatal, com a profícua troca de ideias e experiências entre pensadores brasileiros e portugueses.

Quanto à temática tributária, as discussões giraram em torno dos mecanismos alternativos de solução de litígios, abordando-se a transação, a arbitragem e os acordos de não persecução em matéria de crimes contra a ordem tributária.

Em relação ao primeiro tema, pudemos rememorar que, no Brasil, o Código Tributário Nacional (CTN) define a transação como causa de extinção do crédito tributário.  Estabelece, ainda, que a transação depende de lei que faculte aos sujeitos ativo e passivo, "nas condições que estabeleça", firmarem acordo para a "terminação de litígio e consequente extinção do crédito tributário", "mediante concessões mútuas".

Graças à promulgação da Lei nº 13.988/2020, de aplicação restrita às relações entre contribuintes e governo federal, foi possível romper o mito da indisponibilidade do crédito tributário, o qual, por vezes, era indevidamente contraposto como obstáculo à gestão eficiente dos ativos estatais.

Fosse aplicável ao orçamento público a mesma lógica da gestão privada, os ativos contingentes do Estado somente poderiam ser reconhecidos quando praticamente certa a geração dos benefícios econômicos correspondentes e, ao mesmo tempo, a realização desses ativos seria perseguida apenas quando os custos envolvidos justificassem o benefício a ser alcançado pelo erário.

Buscando uma aproximação a esse padrão, aquela lei andou bem ao dar espaço para a Administração Pública Federal, sempre de maneira motivada, avaliar os custos e benefícios envolvidos na cobrança de determinado crédito tributário, e, quando assim fosse o caso, cancelar parcialmente o débito "cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança", conforme autorizado pelo artigo 14, §3º, inciso II, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Dentre os elementos considerados nessa avaliação, destaque-se o grau de recuperabilidade do ativo estatal, fator esse que se tem provado de extrema relevância e de grande impacto, especialmente após a crise econômica instaurada com a pandemia da Covid-19, permitindo que contribuintes altamente afetados possam sanear as suas dívidas com o fisco, com base no Programa de Retomada Fiscal, regulado pela Portaria PGFN nº 21.562/2020.

A análise da situação econômica do devedor é absolutamente necessária nesta matéria, valendo lembrar que, segundo o próprio CTN, artigo 172, inciso I, trata-se de critério capaz de autorizar o próprio perdão do débito principal, mediante a aplicação do instituto da remissão.  Infelizmente, a Lei nº 13.988/2020 não foi tão longe, tendo ainda encarado a negociação do principal como tabu, vedando-a no seu artigo 12, §2º, inciso I.

É notável verificar que, enquanto a norma federal adota um estilo analítico, sendo detalhista quanto às condições que podem guiar a transação dos créditos tributários da União, o Brasil apresenta outros exemplos mais abertos e que utilizam cláusulas gerais, a permitir uma avaliação discricionária bastante ampla, por parte do Administrador Público, quanto à conveniência e à oportunidade de se transacionar.

Como exemplo, o artigo 218, da Lei nº 6.763/75, disciplinado pelo artigo 191, caput, do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos (RPTA), do Estado de Minas Gerais, são sucintos em estabelecer que a transação será realizada "em casos excepcionais, no interesse da Fazenda Pública Estadual, mediante concessões mútuas", quando a situação envolver "matéria de alta indagação jurídica, de fato ou de direito".

Embora não se defina o que é "alta indagação", parece possível concluir que não se trata da mera "dúvida" quanto à capitulação legal do fato considerado como infração à legislação tributária, nem quanto à natureza, às circunstâncias materiais do fato, à natureza ou à extensão dos seus efeitos, à autoria, à imputabilidade, à punibilidade ou à natureza de eventual sanção tributária aplicável.  Afinal, em nenhuma dessas hipóteses caberia falar em transação tributária, mas, sim, na aplicação da lei tributária de modo mais favorável ao acusado, o que é assegurado pelo artigo 112, do CTN.

A maior abertura da norma de Minas Gerais é acompanhada da exigência de justificação da transação, diante de cada caso concreto, pela Advocacia-Geral do Estado e pela Secretaria de Estado da Fazenda.  Compete a esses órgãos elaborarem pareceres  jurídico e técnico, quando a situação envolver matéria de fato , aprovarem tais pareceres por resolução conjunta e, finalmente, publicá-los no órgão oficial estadual.  Tudo em homenagem ao princípio da transparência.

Ao invés de um modelo analítico e engessado, portanto, essa legislação estadual outorga maior liberdade à avaliação discricionária do gestor público, o qual estará sujeito às devidas sanções no caso de transação contrária ao interesse público.  A regulação minuciosa e exaustiva, portanto, é substituída pelo binômio discricionariedade-accountability.

E que não se diga haver aí conflito com o princípio da legalidade tributária.  Afinal, segundo a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a legalidade é atendida quando há "diálogo entre a lei tributária e o regulamento", estabelecido "em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade", o que parece ser o caso.

Portanto, ainda que a Lei nº 13.988/2020 represente um enorme avanço, o sistema federativo brasileiro certamente ainda nos oferecerá outras experiências igualmente positivas para o aprimoramento da transação, valendo acompanhar as inovações e o modo como Estados e municípios vêm utilizando o instituto para também aprimorar a gestão das suas contas.

De igual modo, a troca de conhecimento com Portugal e outros países da Europa, a exemplo do que promoveu o Fibe no último abril, é fator determinante para a evolução tanto da transação tributária, quanto dos demais meios alternativos de solução de litígios fiscais, deste e daquele lado do Atlântico.

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    é professor do IBDT, mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Bratax – Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados.

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