Opinião

Fim do estado de emergência, telemedicina e o PL 1.998/20

Autor

  • Leonardo Ramos Nogueira

    é sócio da Mazzoni Advocacia pós-graduado em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito e em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra certificado em HealthCare Compliance pelo Cbex especialista em Compliance e Proteção de Dados pela Pucamp pós-graduando em Direito Sanitário pelo Idisa e advogado atuante na área cível regulatória empresarial e ético-profissional em demandas oriundas das relações de saúde pública e privada.

3 de maio de 2022, 21h19

No dia 22 de abril de 2022 foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria GM/MS nº 913 do Ministério da Saúde, declarando o encerramento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, em decorrência da pandemia do coronavírus. A portaria possui uma redação sucinta, apenas estabelecendo que o Ministério da Saúde irá orientar os estados, municípios e Distrito Federal sobre a continuidade das ações que compõem o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo coronavírus.

Em meio a divergências dentro do próprio Ministério da Saúde, acerca da necessidade de se estabelecer um período de transição para o fim do estado de emergência, o ministro Marcelo Queiroga manteve sua posição, mas ao mesmo tempo veio a público e afirmou que — "Nenhuma política pública de saúde será interrompida".

Entretanto, ao tomar sua recente decisão, o Ministério da Saúde fechou os olhos para a insegurança jurídica que se estabeleceria acerca da prestação de serviços médicos por telemedicina. Afinal, a prática foi autorizada de forma ampla, através da Lei nº 13.989/2020, enquanto durasse a crise ocasionada pelo coronavírus.

Com o fim do estado de emergência, há o entendimento de que o uso da telemedicina passa a ser regido apenas pelas regras da Resolução nº 1.643/2002 CFM, bem do artigo 37 do Código de Ética Médica e demais normas do Conselho de Medicina. Tais regras vedam a realização de primeira consulta virtual, autorizando apenas em casos de urgência e emergência, quando não for possível o atendimento presencial, determinando ainda o código a obrigação de realizar o referido exame presencial do paciente, imediatamente após cessado o impedimento.

A insegurança reside no fato de que as referidas normas éticas não traduzem a realidade social em que vivemos. Afinal, o uso das tecnologias da informação e comunicação já estão internalizadas no nosso cotidiano e na prestação de serviços, inclusive médicos e de outras áreas da saúde. A pandemia foi um verdadeiro catalisador para o uso das tecnologias no nosso cotidiano, quebrando paradigmas e crenças limitantes de pessoas e empresas, que sempre foram resistentes aos colaboradores trabalharem de forma remota, da realização de aulas em plataformas digitais e também das teleconsultas, até mesmo para atendimentos iniciais de pacientes. Destaca-se que as teleconsultas se tornaram até mesmo uma realidade no Sistema Único de Saúde, como por exemplo o programa TeleSus e o Consultório Virtual de Saúde da Família, criados pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps), em parceria com o Hospital Albert Einstein, por meio do Proadi-SUS, sendo disponibilizada ferramenta on-line para atendimento de pacientes com Covid e com outras patologias crônicas.

Tais práticas foram essenciais para atravessarmos esse momento tão difícil, sendo inevitável a manutenção delas na nossa vida. Afinal, deve se ter em mente que os avanços tecnológicos devem ser utilizados para servir o ser humano e a sociedade, trazendo eficiência no atendimento dos pacientes, sejam esses atendimentos em consultórios ou instituições de saúde. Esse deve ser o enfoque do uso da Telesaúde, estando reprovado o pensamento daqueles que visam apenas aumentar o número de atendimentos, para gerar mais lucro.

Desta feita, ao colocar fim ao estado de emergência, o mais prudente seria o Ministério da Saúde fazer uma ressalva expressa de que a Lei nº 13.989/2020 e as práticas de Telemedicina permaneceriam vigentes. Afinal, como o próprio ministro mencionou, nenhuma política de saúde deveria ser interrompida.

Felizmente, para mitigar esse clima de insegurança, nosso legislativo avançou na tramitação do projeto de lei que irá regular as práticas de telemedicina e telessaúde em território nacional. Trata-se do PL 1.998/20 de autoria da deputada Adriana Ventura e de outros diversos deputados, que recentemente foi aprovado na Câmara dos Deputados, sendo remetido para votação no Senado, no dia 28/4/2022.

O texto aprovado até agora resolveu uma série de questões controversas acerca das teleconsultas, contrariando previsões normativas conservadoras e rígidas do Conselho de Medicina. Elencamos algumas delas a seguir:

– A Nova Lei irá alterar a Lei Orgânica de Saúde (Lei 8.080/90) para autorizar e disciplinar a prática da telessaúde em todo território nacional;
– A telessaúde está conceituada como — modalidade de prestação de serviços de saúde à distância, por meio da utilização de tecnologias da informação, com transmissão segura de dados e informações de saúde;
– Compete ao profissional decidir pelo uso da telessaúde, inclusive no primeiro atendimento, bem como deve indicar e optar pelo atendimento presencial quando necessário;
– Os atos do profissional de saúde terão validade em todo território nacional, estando dispensada a inscrição secundária em outro estado da federação, quando houver atuação apenas por telessaúde no referido estado;
– As empresas e plataformas de telemedicina serão obrigadas a realizar registro junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado do endereço de sua sede, bem como o diretor técnico da empresa também deverá possuir inscrição no referido Conselho Regional da sede da empresa;
– O atendimento por telessaúde deverá prezar pela saúde do paciente, respeitar sua autonomia e ser prestada mediante consentimento livre e esclarecido, além de ser garantido ao paciente o direito de ser atendido de forma presencial sempre que solicitado.

Espera-se que a votação no Senado e a sanção seja concluída com celeridade, para que as atividades médicas e de outras profissões de saúde possam continuar sendo realizadas com segurança jurídica, e que a telemedicina e a telessaúde sejam finalmente regulamentadas por um texto legal.

Por fim, válido destacar que a telemedicina deve ser vista como o encurtamento da distância entre o profissional e o paciente, ao contrário de um serviço à distância. No mais, o uso das tecnologias deve ser visto de forma positiva, pois traz eficiência nos atendimentos e na gestão dos serviços de saúde, permitindo inclusive que os profissionais tenham mais tempo para fortalecer a relação médico paciente.

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