Opinião

Preços de transferência: convergência para orientações da OCDE

Autores

  • Leandra Guimarães

    é sócia líder da prática Tributária e de Planejamento do escritório de Belo Horizonte do Azevedo Sette Advogados MBA em Finanças pelo IBMEC e ex-professora de Planejamento Tributário e M&A para o MBA de Finanças do IBMEC e de Gestão de Tributos no MBA in company da Fundação Dom Cabral.

  • Hanna Oliveira Lauar

    é advogada gerente da prática Tributária e de Planejamento do escritório de Belo Horizonte do Azevedo Sette Advogados especialista Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e mestre em Justiça Tributária e Segurança Jurídica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

3 de maio de 2022, 18h02

No último dia 12 de abril, a Receita Federal e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anunciaram as bases da nova legislação brasileira em preços de transferência  ou transfer pricing (TP).

Em dezembro de 2019, as instituições haviam divulgado relatório sobre a convergência das regras brasileiras para o padrão OCDE. Como apontado no próprio relatório, o ordenamento brasileiro em TP foi estabelecido em 1996 e permaneceu inalterado, enquanto as orientações da OCDE foram revisadas desde então.

A OCDE possui guidelines que determinam que uma análise econômica da empresa e do grupo devem ser realizadas, com base na qual serão observados comparáveis para as transações intercompany. As orientações se baseiam no princípio arm's length, conforme o qual operações entre partes relacionadas devem ser valoradas como se entre terceiros fosse.

A legislação atual de preços de transferência no Brasil, por sua vez, teoricamente orientada pelo princípio arm's length, traz métodos de apuração de receita mínima (PVEx, PVV, PVA e CAP [1]) e despesa máxima (PIC, CPL e PRL [2]) nas transações internacionais com empresas do mesmo grupo ou de paraísos fiscais, se aproximando, sem contudo ser totalmente alinhado, aos métodos de transações tradicionais da OCDE (CUP [3], RPM [4] e Cost Plus). Para isso, o contribuinte poderá escolher [5] um dos métodos previstos em lei para cada item transacionado, para todo o ano-calendário, com base em margens fixas estabelecidas. A diferença entre o preço denominado parâmetro e o que foi efetivamente praticado será uma adição nas bases de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com demonstração na Escrituração Contábil Fiscal (ECF).

A demanda por mudança ocorre após o Brasil ter se tornado membro do Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários, em 2010. Posteriormente, em 2013, o Brasil se tornou membro do Projeto do G20/OCDE para conter a Erosão da Base e Transferência de Lucros (Beps). Por fim, em janeiro de 2022 a OCDE decidiu pela abertura de discussões para entrada do Brasil na organização.

No relatório de 2019, foram avaliados pontos fortes e fracos da estrutura de preços de transferência no Brasil, sendo realizada uma análise da legislação brasileira frente às orientações da OCDE. Concluiu-se que há diversas lacunas entre os regimes, o que leva a casos de dupla tributação e de riscos de erosão da base tributária e transferência de lucros. Ressalta-se, em adição:

Algumas das características das atuais regras de preços de transferência podem ser percebidas como qualidades atraentes no que diz respeito à simplicidade, como a ausência de necessidade de uma análise abrangente de comparabilidade (incluindo análise funcional e de risco), a liberdade de seleção do método, o uso das margens fixas, entre outros. Entretanto, insurgiu da avaliação que essas percepções de simplicidade são relativas e que a complexidade surge de outros aspectos, principalmente a abordagem item por item, o padrão estrito de comparabilidade e os requisitos de documentação em determinadas situações [6].

Essa simplicidade do regime brasileiro também leva a resultados que, na prática, não são alinhados com o princípio arm's length, seja favorecendo a utilização de margens baixas, seja impondo a utilização de margens excessivamente altas. Ou seja, para uma legislação mais efetiva, necessário seria uma reafirmação do princípio arm's length, bem como um ajuste ao que se entende como comparáveis, suportados a partir de uma documentação mais completa de transfer pricing.

Nesse contexto, no dia 12 de abril de 2022, a RFB e a OCDE anunciaram que a legislação brasileira de TP irá convergir aos guidelines da OCDE, com o intuito de integrar o Brasil nas cadeias globais de valor e facilitar a adesão do Brasil à OCDE. Em termos gerais, a estrutura da nova lei contemplaria uma parte geral conforme o princípio arm's length, enquanto a parte especial trataria de transações específicas como intangíveis, serviços, acordos de compartilhamento de custos, reorganizações societárias e de negócios e transações financeiras.

Apresentou-se como grande novidade os métodos transacionais de lucro adotados pela Organização, incluindo  o Transactional Net Margin Method (TNMM) e Profit Split Method (PSM), bem como que a comparabilidade será pilar do novo sistema. Outra mudança estrutural será que o método não mais poderá ser escolhido pelo contribuinte, devendo ser adotado o mais adequado a cada caso e contexto (the best method rule), além de mudança na documentação  necessária a qual contará com Master File e Local File, ademais da já existente Declaração País a País (ou Country by Country Report  CbCR).

A proposta é que todas as transações serão contempladas. Haverá previsões específicas para intangíveis com observância das funções Dempe (Development, enhancement, maintenance, protection and exploitation). As transações financeiras serão tratadas em dispositivos sobre instrumentos de dívida, cash pooling e garantias. Adicionalmente, os acordos de compartilhamento de custos estarão sujeitos a um regime detalhado, para os compartilhamentos de custos de desenvolvimento e serviços, bem como as reestruturações societárias contariam com um guia arm’s length. Serviços intragrupo de baixo valor agregado entrarão nos denominados safe harbors e será possível o estabelecimento de Advance Pricing Agreements (APA).

Como próximos passos, foi definido que haverá engajamento com partes interessadas, finalização do pacote legislativo e apresentação do Congresso. Sugeriu-se a implementação até o ano-calendário 2023.

Nesse cenário, Receita e contribuintes devem se preparar para análises de TP com perfis mais econômicos, bem como para documentações mais complexas. A alteração representa uma maior inserção do Brasil nas cadeias de valor e as empresas residentes no país devem avaliar os impactos que as mudanças causarão no contexto das transações intragrupos e a necessidade de revisões e ajustes das políticas de preços, enquanto acompanham os desdobramentos e o ritmo do andamento das novas regras no Legislativo.


[1] Respectivamente, Preço de Venda nas Exportações; Preço de Venda a Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro; Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído do Lucro; Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro.

[2] Respectivamente, Preços Independentes Comparados; Custo de Produção mais Lucro; Preço de Revenda menos Lucro.

[3] Comparable Uncontrolled Price.

[4] Resale Price Method.

[5] São exceções as transações referentes a juros e a commodities, que possuem métodos específicos mandatórios.

[6] Preços de Transferência no Brasil Convergência para o Padrão OCDE. Disponível aqui.

Autores

  • é sócia da área Tributária do Azevedo Sette Advogados e MBA em Finanças pelo IBMEC.

  • é advogada gerente da prática Tributária e de Planejamento do escritório de Belo Horizonte do Azevedo Sette Advogados, especialista Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e mestre em Justiça Tributária e Segurança Jurídica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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