Opinião

Implicações trabalhistas com o fim da emergência em saúde pública

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3 de maio de 2022, 15h04

No último dia 18 de abril, foi anunciado pelo governo federal o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), com a promessa do governo da edição, até o fim desta semana, de um ato normativo (provavelmente uma Portaria) orientando as repercussões dessa nova condição.

A iniciativa — para muitos especialistas em saúde pública, uma medida açodada, em razão do cenário mundial, ainda de instabilidade  deverá impactar uma infinidade de normas legais relacionadas à pandemia, em todos as esferas (federal, estadual e municipal). Segundo divulgado no site de notícias do Senado, a página da Casa Civil já soma mais de 660 atos normativos relacionados à Covid-19, entre leis, decretos, portarias e resoluções.

Desse total, segundo o Senado, 94 são leis, muitas delas com a vigência vinculada à Espin. Isso significa que, caso o governo formalize o fim da emergência de saúde pública, algumas dessas regras podem deixar de surtir efeitos, nos campos mais diversos, como a autorização para o uso emergencial de vacinas que ainda não contam com registro (coronavac, por exemplo), incentivos fiscais e inexigibilidade de licitações, dentre outros. Ainda que, na prática, muitas das medidas emergenciais já venham perdendo impulso desde dezembro de 2020, com o fim da validade (e prorrogações) do Decreto Legislativo 6/2020, que estabeleceu o Estado de Calamidade Publica no território Nacional, muitas foram renovadas em razão da manutenção da Espin e, agora, com o seu cancelamento, perderão vigência, definitivamente.

Na esfera trabalhista, desde a decretação pela OMS da pandemia, no início de 2020, uma infinidade de normas também foi editada, muitas delas através de Medidas Provisórias, algumas convertidas em Lei e outras não, perdendo vigência ou pela ausência de tempestiva submissão às Casas Legislativas ou por expressa rejeição pelos parlamentares. Na atualidade, temos em vigor duas recentes Medidas Provisórias: 1) a MP 1109/22, que "recria" e estende, para todo e qualquer estado de calamidade pública, em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, reconhecido pelo Poder Executivo Federal,  as medidas trabalhistas emergenciais promulgadas em 2020, no início da pandemia, como a redução proporcional de salário e jornada; a suspensão temporária do contrato de trabalho, diferimento dos recolhimentos do FGTS e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e 2) a MP 1.108/22, que altera certas regras do teletrabalho e do auxilio alimentação, modificando diversos artigos da CLT relacionados aos dois temas. Embora as MPs em referência tenham inspiração e estejam parcialmente relacionadas com o estado de emergência motivado pela pandemia, reeditando medidas emergências anteriormente implantadas no cenário pandêmico, elas não são impactadas pela pretendida suspensão da Espin, já que não vinculam sua validade a esta específica condição de saúde pública. Resta saber, entretanto, se serão ou não convertidas em lei, após o término do período de 120 dias de sua vigência.

Por outro lado, algumas normas fazem referência expressa a Espin e, portanto, com o seu cancelamento, perdem eficácia. Exemplo disso é a lei que regula o trabalho da gestante durante a pandemia (Lei 1451/21, alterada pela Lei 14311/2022). Com o fim da Espin, portanto, caso a gestante ainda permaneça afastada das atividades presenciais, em tese, deverá retornar à essa modalidade de trabalho.

Outro aspecto que nos parece ser impactado é a própria obrigatoriedade da comprovação do esquema vacinal contra a Covid-19 pelos trabalhadores, sob pena, inclusive, de justa causa. Ainda que a jurisprudência tenha se consolidando nesse sentido, por inspiração do próprio STF, que se posicionou no sentido de que o interesse da coletividade prevalece sobre o interesse individual, o pretendido fim da Espin provavelmente irá dificultar ou mesmo inviabilizar essa exigência, já que, não havendo mais reconhecido de estado de emergência epidemiológica, não haverá razão para se penalizar o trabalhador que se recuse a se vacinar. O mesmo racional vale, por exemplo, para a exigência do uso de máscaras no ambiente de trabalho, naqueles Estados ou municípios que ainda não flexibilizaram essas medidas em ambiente fechado.

No que se refere ao típico trabalho remoto  equiparado, na atualidade, ao teletrabalho, pela MP 1.108/22 , não haverá alteração, permanecendo as regras atuais (oriundas da  vigente MP 1108/22) previstas na CLT, mesmo com o fim da Espin. Entretanto, o fim do estado de emergência deverá trazer mais formalidade ao home office (assim entendido como o trabalho remoto emergencial, eventual e excepcional, estabelecido exclusivamente para afastar os empregados do risco de Covid-19) que, se mantido pelo empregador, deverá, por prudência, seguir as regras do teletrabalho, especialmente quanto a expressa previsão dessa condição nos contratos de trabalho. 

Perde vigência, ainda, a Lei 14297/22, que assegura medidas de proteção aos entregadores que prestam serviços por intermédio de empresas de aplicativo. O referido texto legal, com vigência desde janeiro deste ano, estabelece, expressamente que as medidas protetivas serão aplicadas durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela Covid-19. Assim, cessado o referido estado de emergência, esses trabalhadores perdem a proteção estabelecida no citado diploma legal, tais como a contratação de seguro contra acidentes e assistência financeira, durante afastamento por Covid-19, pelo período de 15 dias (prorrogáveis por mais dois períodos de 15 dias).

Ou seja, mesmo ainda sem a edição da provável portaria ministerial que disciplinará a cessação da Espin, já dá para perceber que a medida trará repercussões relevantes no cenário jurídico trabalhista, razão pela qual se impõe acompanhar a sua edição e proceder uma cuidadosa análise de seu conteúdo.

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