Público X Privado

As mudanças no sistema de cobrança e execução fiscal

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2 de maio de 2022, 10h39

Na última semana, em Lisboa, ocorreu um evento do Fórum de Integração Brasil Europa, no qual foram discutidos os desafios do desenvolvimento. Três dos painéis realizados focaram no tema da tributação, especificamente nas formas alternativas ao sistema judicial tradicional para a solução do conflitos, como transação e arbitragem. No painel sobre transação tributária, chamou a atenção de todos os resultados alcançados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que já transacionou um total de R$ 266 milhões.

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Em excelente artigo, o professor doutor Heleno Taveira Torres (Reforma do contencioso tributário é urgente) aponta para a necessidade da reforma do contencioso tributário brasileiro, indicando ser essa, provavelmente, uma das mais importantes reformas a serem feitas na esfera tributária.

De fato, o contencioso tributário, conforme constata o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é um dos que apresenta uns dos maiores índices de congestionamento, superior a 87% (de dez iniciados apenas um é encerrado). Alguns pontos são destacados no último relatório:

– Atualmente, os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 36% do total de casos pendentes e 68% das execuções pendentes no Poder Judiciário.
– 76% dos processos pendentes de execução fiscal estão em varas exclusivas. No TJ-RJ, TJ-DF, TJ-RN, TJ-AM e TJ-RR, os percentuais superam 90%.
– Desconsiderando esses processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia para 66,9%, ou seja, a cada 100 processos que tramitaram em 2020, 66 teriam continuado pendentes. A taxa de congestionamento total do Judiciário em 2020 foi de 73%.
– O tempo médio de tramitação do processo baixado na fase de execução passaria de seis anos e um mês para três anos.

Portanto, o papel das execuções fiscais no emperramento da máquina judicial é extremamente relevante. Considere-se, ainda, que as mesmas correspondem a 36% dos processos que tramitam no Poder Judiciário, sendo que a maior parte das atividades são consumidas em procedimentos burocráticos de localização de devedor e bens. Além disso, a excessiva burocratização do sistema, o elevado número de processos e a dinâmica da especialização das varas de execução fiscal não geram uma qualidade superior nas garantias do sistema judicial e dos direitos das partes, particularmente dos direitos dos contribuintes. Aliás, a mecânica das varas especializadas foi justificada como instrumento de agilizar a cobrança e a correspondente arrecadação (e não para melhorar a efetividade da justiça fiscal).

Acredito que é chegado o momento de fazer uma reflexão sobre os sistemas de cobrança, inclusive com a transferência para a administração tributária de práticas que hoje pesam no Judiciário. Para isso, duas medidas fazem-se necessárias: 1) reforçar o judiciário como agente de controle do abuso da atuação estatal, favorecendo a efetiva justiça fiscal e não apenas dando expressão às exigências de arrecadação; e 2) estabelecer um sistema de conduta para a administração tributária que promova o respeito aos direitos dos contribuintes e afaste o exercício descoordenado e fragmentado de atuações fiscais. Em outras palavras, é necessário existir um arcabouço legal que, em diversos países, denominou-se como Código de Diretos dos Contribuintes (TaxPayer Bill of Rights).

Um sistema de proteção do contribuinte é indispensável como mecanismo de contenção do exercício subjetivo e invariavelmente arbitrário no processo de fiscalização e autuação, no qual o agente do Estado promove sanções que tornam impossível o pagamento do próprio tributo.

Pretendo desenvolver mais sobre um Código de Direito dos Contribuintes em artigos futuros, mas, no momento, apenas busco constar a patologia do nosso sistema tributário em que a racionalidade é desconexa dos fatos e a fragmentação da atuação estatal é fonte constante de litígios judiciais, os quais, por sua vez, não conseguem cumprir sua função primordial: promover justiça e estabilidade jurídica. Vivemos um constate estado de sustos em que, nas palavras de Roberto Campos, até o passado é incerto.

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