Opinião

Flexibilização dos disparos em massa e a LGPD nas eleições de 2022

Autor

  • Carlos Frota

    é advogado professor de Direito Eleitoral e Partidário na Escola do Legislativo do Estado do Rio de Janeiro professor de Português Literatura presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Ibrapej procurador-geral da OAB-Subseção Méier e mestrando em Sociologia Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

2 de maio de 2022, 13h13

A eleição de 2022 será a primeira a se aplicar as regras da Lei Geral de Proteção de Dados, que visa proteger a autodeterminação informativa do eleitor bem como garantir de que os dados coletados não sejam utilizados sem consentimento dele.

Reprodução

Neste pleito, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também adotou uma novidade que é a permissividade da utilização dos disparos em massa por meio de provedores de aplicação desde que respeitada algumas regras que serão expostas no decorrer do texto.

Antes de adentrarmos no tema do presente artigo, se faz necessário descrever um pequeno histórico de como os elementos de campanha de rua foram abolidos ao longo da edição da Lei 9.504/97 até a redação atual, pois o impacto dessa redução é uma das causas do exponencial crescimento das campanhas e pré-campanhas pelos meio digitais.

Ao argumento de reduzir o lixo de campanha na rua e diminuir os custos das eleições foram sendo proibida a propaganda eleitoral de rua na seguinte ordem histórica:

Em 2006 foi proibida a distribuição de brindes, o exemplo mais típico era a camiseta e chaveiro com número e imagem do candidato, também ocorreu vedação outdoor e showmício.

Em substituição ao outdoor foi autorizada a utilização de placa de quatro metros quadrados que foi proibida em 2009, sendo substituída por adesivo de meio metro quadrado na janela.

No ano de 2013 foi estabelecida limitação do total de gastos de campanha para alimentação de 10% e aluguel de veículo em 20% do total arrecadado.

Quando chegou em 2015 as proibições endureceram e se vedou todo tipo de propaganda em bens públicos e lugares de uso comum: placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados foram banidos das ruas.

Em 2017 foi limitada novamente a utilização de propaganda eleitoral por veículos de som, sendo autorizada somente para comício, carreata, caminha ou passeata.

Em 1997 ano que entrou em vigor a Lei das Eleições, apenas uma pequena parte da população brasileira tinha acesso a internet, ou seja, os marqueteiros políticos não estavam preparados para campanhas virtuais e a legislação, ainda, não disciplinava nada sobre o tema.

Somente em 2008 o TSE por meio da Resolução nº 22.718, de 28 de fevereiro de 2008 tratava da campanha eleitoral na internet, ainda que de forma tímida, pois mesmo a Justiça Eleitoral conhecia pouco as ferramentas disponíveis na rede mundial de computadores.

Com todas essas proibições a campanha eleitoral migrou das ruas para as redes sociais e com a entrada em vigor da Lei nº 12.034/2009 primeira legislação a tratar do assunto o mundo virtual passou a ter relevância jurídica para as eleições, no entanto, como a inovação tecnológica está acima da capacidade de controle de qualquer corte eleitoral no mundo, os debates das nuanças da aplicabilidade legitima dos instrumentos de aplicações de internet se acentuaram de forma intensa.

A resolução TSE nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019 com as alterações introduzidas pela Resolução nº 23.671, de 14 de dezembro de 2021, que incorporou sugestões fruto de audiências públicas realizadas pelo Tribunal bem como textos do Novo Código Eleitoral, que tramita no Senado que tratou da propaganda eleitoral por meio de aplicativos de mensagens instantâneas.

Os problemas abordados no presente artigo são os seguintes:

A legalidade da utilização de aplicativo de disparo em massa por candidato (a) ou pré-candidato (a).

O que vem a ser o permissivo insculpido no artigo 28, inciso III da resolução TSE nº 23.610, de 18 de Dezembro de 2019 que autoriza a propaganda por "meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente".

O que disciplina a legislação sobre disparo em massa.

A aplicabilidade da LGPD nas eleições de 2022.

De inicio precisamos destacar como a Resolução TSE nº 23.610 disciplina os tipos de propagandas vedadas, no que tange a disparo em massa,  bem como utilização de serviços de aplicação de internet, aduz que:

"Artigo 34. É vedada a realização de propaganda:
II – por meio de disparo em massa de mensagens instantâneas sem consentimento da pessoa destinatária ou a partir da contratação expedientes, tecnologias ou serviços não fornecidos pelo provedor de aplicação e em desacordo com seus termos de uso. (Constituição Federal, artigo 5º, X e XI; Código Eleitoral, art. 243, VI; Lei nº 9.504/1997, artigo 57-J)".

O primeiro obstáculo a utilização de aplicativos de mensagens é que a legislação veda a utilização dele para disparo em massa sem o consentimento do eleitor, ou seja, a base de dados utilizada deve ocorrer de forma orgânica, também se faz imprescindível a disponibilização de mecanismo para revogação do consentimento com a eliminação dos dados coletados.

No caso de obtenção de dados de forma orgânica com a anuência expressa e inequívoca  e clara do cidadão, com a finalidade especifica de enviar conteúdo de caráter político é permitido a utilização de disparo em massa de mensagens. 

Uma ressalva da legislação é que a ferramenta de disparo em massa deve ser proporcionada de forma oficial pelo provedor de aplicação, sendo proibida a contratação de expedientes ou tecnologias para burlar as ferramentas do aplicativo.

No que tange aos provedores de aplicação é preciso avaliar se cumpre o que determina a Lei 12.965/14 Marco Civil da Internet que em caso de ordem judicial determina o armazenamento de informações pelo período de seis meses, conforme o artigo 15 e parágrafo único, in verbis:

"Artigo 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de seis meses, nos termos do regulamento.
Parágrafo Único: Ordem judicial poderá obrigar, por tempo certo, os provedores de aplicações de internet que não estão sujeitos ao disposto no caput a guardarem registro de acesso a aplicações de internet, desde que se trate de registros relativos a fatos específicos em período determinado".

Por outro giro, o artigo 28 da Resolução nº 23.671, de 14 de dezembro de 2021, informa como meio legitimo de propaganda o envio de mensagens eletrônicas cadastrados de forma voluntária e gratuita pelo candidato ou candidata, nestes termos:

"Resolução nº 23.671, de 14 de dezembro de 2021
Artigo 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504 /1997, artigo 57-B, I a IV):
III – por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pela candidata ou pelo candidato, pelo partido político, pela federação ou pela coligação desde que presente uma das hipóteses legais que autorizam o tratamento de dados pessoais, nos termos dos artigos 7º e 11 da Lei nº 13.709/2018;
a) candidatas, candidatos, partidos políticos, federações ou coligações, desde que não contratem disparos em massa de conteúdo nos termos do artigo 34 desta Resolução (Lei nº 9.504/1997, artigo 57- J);".

A LGPD nos artigos 7º e 11 aduz que a base legal necessária para o recebimento de mensagens por meio de aplicativo é o consentimento de forma especifica e destacada e qual a finalidade, no presente caso a divulgação de conteúdo político e no período permitido eleitoral, destacando-se que o aplicativo deve possuir mecanismo que possibilite a qualquer momento e de forma unilateral a pessoa revogar o consentimento ofertado com a eliminação das informações coletadas:

"Artigo 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
I – mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;

Artigo 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:
I – quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;
Artigo 8º O consentimento previsto no inciso I do artigo 7º desta Lei deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular.
§5º O consentimento pode ser revogado a qualquer momento mediante manifestação expressa do titular, por procedimento gratuito e facilitado, ratificados os tratamentos realizados sob amparo do consentimento anteriormente manifestado enquanto não houver requerimento de eliminação, nos termos do inciso VI do caput do artigo 18 desta Lei."

É preciso mais cautela ao coletar dados pessoais sensíveis, pois tornam a obtenção de consentimento mais detalhada por conta de envolverem direitos fundamentais da pessoa, o que pode gerar inclusive a obrigação de emissão de relatório de impacto à proteção de dados pessoais, haja vista os prováveis riscos às liberdades civis e aos direitos fundamentais decorrentes do tratamento (artigo 5º, XVII; artigo 38).

"Artigo 5º […] II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;".

Outro aspecto a ser levado em consideração e se outras pessoas podem utilizar o aplicativo para coletar dados de forma gratuita e voluntaria? Sim, é possível, no entanto, é preciso ter cautela, a fim de que não ocorra o aliciamento digital das pessoas, como forma de cumprir metas, pois tal atitude pode viciar o consentimento do cidadão (a)  tornando o consentimento nulo.

A legislação eleitoral veda em regra o disparo em massa, no entanto, caso o pré-candidato ou candidata obtenha os dados de forma orgânica e com o consentimento voluntário com a discriminação da finalidade especifica da utilização deles é legitima a utilização de disparo em massa pelo controlador das informações.               

É permitida a coleta de dados por meio de aplicativo disponibilizado de forma gratuita por terceiro, ressaltando o cuidado para que não se tenha aliciamento digital de pessoas, o que tornará nulo o consentimento dado.

A mensagem enviada ao cidadão (a) tem que constar de forma especifica que se trata de coleta de dados para envio de material com cunho político-eleitoral, com botão de forma destacada com a opção SIM ou NÃO, além de informar que é direito da pessoa revogar o consentimento a qualquer momento.

É recomendável que se firme termo de compromisso assinado pelo controlador com quem coletar os dados, no sentido de que boas práticas sejam utilizadas ao solicitar o cadastramento.

Uma vez que o cidadão não queira mais receber mensagens o descadastro deve ocorrer em no máximo 48 horas.

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    é advogado, professor de Direito Eleitoral e Partidário na Escola do Legislativo do Estado do Rio de Janeiro, professor de Português Literatura, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Ibrapej, procurador-geral da OAB-Subseção Méier e mestrando em Sociologia Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

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