Opinião

Análise da constitucionalidade do parágrafo 7º, artigo 17 da Constituição

Autor

  • Marcia Yamamoto

    é advogada graduada em direito pela PUC-PR. Formada pela Escola da Magistratura do Paraná (Emap) e Fundação Escola do Ministério Público do Paraná (Fempar).

1 de maio de 2022, 12h04

No último dia 5 de abril, foi publicada a Emenda Constitucional n.º 117 [1] que acrescentou ao artigo 17 da Constituição Federal os §§ 7º e 8º, com intuito de incentivar a participação feminina com a "aplicação de recursos do fundo partidário a promoção e difusão da participação política das mulheres, bem como a aplicação de recursos desse fundo e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e a divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão no percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas". Assim, o texto constitucional passa a vigorar acrescido dos seguinte texto:

"Art. 17
(…)
§7º Os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% (cinco por cento) dos recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários.
§8º O montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do fundo partidário destinada a campanhas eleitorais, bem como o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão a ser distribuído pelos partidos às respectivas candidatas, deverão ser no mínimo 30% , proporcional ao número de candidatas, e a distribuição deverá ser realizada conforme critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias, considerados a autonomia e o interesse partidário."

Nota-se que a referida emenda destina as fontes de distribuição para dois cenários distintos: No §7º o percentual mínimo de 5% é sobre o montante do Fundo Partidário destinado à manutenção dos partidos políticos distribuído mensalmente.

Já o §8º, refere-se ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou Fundo Eleitoral e sobre a parcela do Fundo Partidário destinado a campanhas eleitorais distribuído no ano das eleições, ou seja, é diferente daquele destinado á criação e manutenção de programas de promoção com investimentos mensais.

Para melhor entendimento, segue a explicação extraída do Tribunal Superior Eleitoral [2]:

"Os partidos políticos no Brasil contam com duas fontes de recursos públicos para financiar as campanhas dos candidatos nas eleições: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), também conhecido como Fundo Eleitoral, e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o Fundo Partidário.
É importante não confundir os dois tipos de recursos. O Fundo Partidário é destinado à manutenção dos partidos políticos e é distribuído mensalmente; já o FEFC é voltado exclusivamente ao financiamento de campanhas eleitorais e é distribuído somente no ano da eleição.
Fontes
O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o Fundo Partidário, foi criado em 1965 pela Lei nº 4.740. Hoje, ele é previsto na Lei nº 9.096/1995, sendo constituído para custear despesas cotidianas das legendas, como contas de luz, água, aluguel, passagens aéreas e salários de funcionários, entre outras. Em 2019, com a aprovação da minirreforma eleitoral, passou a ser permitido o uso do Fundo Partidário para impulsionamento de conteúdo na internet, compra de passagens aéreas para não filiados e contratação de advogados e contadores.
A fonte do Fundo Eleitoral é formada por dotações orçamentárias da União, multas e penalidades pecuniárias de natureza eleitoral, doações de pessoas físicas depositadas diretamente nas constas dos partidos (abertas especificamente para o fundo) e outros recursos que eventualmente forem atribuídos por lei.
O Fundo Partidário é regulamentado pela Lei nº 9.096/95, a Lei dos Partidos Políticos.
(…)
Fundo Eleitoral é recente
Por mais de cinco décadas, o Fundo Partidário foi a única fonte de recurso público destinado aos partidos políticos. Até que, em 2017, o Congresso Nacional aprovou a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para compensar o fim do financiamento privado estabelecido em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que proibiu doações de pessoas jurídicas para campanhas políticas."

Feita a distinção dos conceitos sobre Fundo Eleitoral e Fundo Partidário, é possível verificar que o comando do §8º do artigo 17 da Constituição Federal está em sintonia com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5.617/DF que declarou inconstitucional o artigo 9º, da Lei 13.165/15 que previa a aplicação mínima de 5% e máximo 15% do Fundo Partidário para financiamento das campanhas de candidatas mulheres.

Nessa perspectiva, o §7º do referido artigo não seguiu o mesmo critério de igualdade e proporcionalidade definido pela Supremo Tribunal Federal, pois deixou de fora a aplicação de um mínimo razoável, mantendo o patamar de 5% para recursos destinados na criação e manutenção de programas.

Além disso, a redação faz referência somente a difusão de programas destinado as mulheres, excluindo outras minorias como negros e povos originários.

Portanto, a aplicação mínima de 5%, além de ser irrisório, contraria o teor da decisão do Supremo na ADI 5617/DF, quando diz "Os partidos políticos, mesmo gozando de autonomia partidária, devem respeitar os direitos fundamentas a partir da concepção da eficácia horizontal dos direitos fundamentais".

Nesse ponto, a aplicação mínima de 5% para ações afirmativas que ocorrem fora do período eleitoral parece ser inconstitucional, pois não atende garantias fundamentais com previsão no artigo 1º, V,  artigo 3º I, III, IV e artigo 5º, caput, I, todos da Constituição Federal.

Ademais, coloca de forma indireta a distribuição dos recursos partidários mensais a disposição primeiramente de demandas ordinários sem especificar um patamar adequado as demandas específicas como criação e manutenção de programas, deixando a critério das legendas partidárias a definição desses interesses.

Por fim, no campo da política, não basta a mulher participar pontualmente das eleições, é preciso incentivo e capacitação ao longo de toda carreira com inclusão e medidas legítimas a fim de promover verdadeiramente a participação política das minorias que englobam as mais variadas formas, como aqueles ligados à orientação sexual, etnia, religião, deficiência mental ou física, etc.

NOTAS:
[1]<aqui>, acesso em 16 de abril de 2022.

[2] <https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Novembro/fundo-eleitoral-x-fundo-partidario-entenda-a-diferenca>, acesso em 16 de abril de 2022.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!