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Câmara arbitral deve definir regras próprias para conflito de competência, diz Nancy

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30 de junho de 2022, 15h32

É de todo conveniente que cada Câmara de Arbitragem inclua em seu regulamento regras aptas a solucionar conflito de competência entre seus próprios tribunais. Na ausência dessa normativa, competiria ao administrador arbitral usar, de forma excepcional, as regras do Código de Processo Civil.

Gustavo Lima/STJ
Para ministra Nancy Andrighi, STJ deve discutir a própria competência para conhecer de conflito entre tribunais arbitrais
Gustavo Lima/STJ

Essa foi a reflexão levantada pela ministra Nancy Andrighi, em voto escrito acrescentado ao acórdão em que a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça deu fim a um conflito de competência entre dois tribunais arbitrais vinculados à Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM).

Ambos foram instalados na tentativa de responsabilizar os controladores da JBS, Wesley e Joesley Batista, pelos danos causados por ilícitos narrados em acordos com o Ministério Público Federal em 2017. Um deles por acionistas minoritários e, o outro, pela própria JBS.

O STJ, que é a corte superior competente para dirimir o conflito entre quaisquer tribunais, precisou se debruçar sobre o caso inédito envolvendo dois procedimentos arbitrais. A conclusão foi de que a ação de reparação de danos deve ser proposta preferencialmente pela empresa lesada e, apenas na inércia dela, pelos acionistas.

Durante o julgamento, a ministra Nancy Andrighi fez considerações sobre a conveniência de chamar o Poder Judiciário a se debruçar sobre um conflito de competência entre dois órgãos arbitrais. E posteriormente, no voto escrito, chamou à reflexão, levando em consideração questões de política judiciária.

Para ela, é de todo conveniente que, no próprio regulamento da Câmara de Arbitragem, sejam incluídas regras aptas a solucionar o conflito de competência interna corporis. Assim, garante-se o prestígio da autonomia da vontade, definida como "a pedra de toque de todo e qualquer procedimento arbitral".

"Nesse contexto, ao eleger determinado tribunal arbitral para solucionar o conflito de interesses estabelecido, as próprias partes, no exercício de sua autonomia, estariam a aderir às regras estabelecidas pela Câmara Arbitral para dirimir eventual e futuro conflito de competência", destacou.

Lucas Pricken/STJ
Ministro Marco Aurélio Bellizze foi o relator do conflito de competência julgado
Lucas Pricken/STJ

Na ausência dessas regras, ela entende que seria possível ao ordenador administrativo responsável pela Câmara de Arbitragem ou a órgão equivalente aplicar, de forma subsidiária e excepcional, as normas do Código de Processo Civil para fixar o juízo arbitral competente.

"A aplicação subsidiária das normas do CPC à arbitragem, aliás, já é prevista, expressamente no artigo 14 da Lei 9307/1996 (Lei da Arbitragem), no que diz respeito às hipóteses de impedimento e suspeição dos árbitros, nada impedindo que, no silêncio do Regulamento das Câmaras Arbitrais, se faça uso do Diploma Processual para dirimir outras questões procedimentais", observou.

Essas considerações foram feitas não em relação ao caso concreto, no qual ela aderiu ao voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, mas já prevendo um aprofundamento das questões relativas à competência do STJ para conhecer de conflito de competência entre tribunais arbitrais vinculados a uma mesma Câmara de Arbitragem.

Como mostrou a ConJur, a aplicabilidade da norma processual brasileira aos procedimentos de arbitragem é contestada por especialistas. A ideia é de que o CPC só seja usado se as partes concordarem previamente que assim o seja.

Durante o julgamento, o tema levou a debates. A ministra Isabel Gallotti afirmou que não se aplica o CPC porque as câmaras arbitrais não são órgãos do Judiciário e porque cabe às partes escolherem os árbitros, que devem ser de sua confiança.

Já para o ministro Luis Felipe Salomão, melhor seria ter uma regra que fixasse a atribuição de resolução dos conflitos para o administrador da câmara arbitral. "Ele nos tiraria esse ônus. Acho que era a solução mais viável. Mas enquanto não vier, temos que ir resolvendo", lamentou.

Ao dar fim ao conflito, o ministro Marco Aurélio Bellizze observou que as próprias câmaras arbitrais poderão criar essas regras. "Esse caso vai estimular as câmaras a, cientes dessa possibilidade, se prepararem para que não aconteça de novo", destacou.

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CC 185.702

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