Opinião

Fase preparatória e planejamento na nova Lei de Licitações

Autor

  • Débora Costa

    é advogada do escritório Coelho & Dalle Advogados pós-graduada em Direito Ambiental pela UFPR e em Direito Administrativo pelo IDP e integrante das Comissões de Direito Urbanístico e de Direito da Infraestrutura da OAB-PE.

30 de junho de 2022, 17h08

A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) consolidou a fase preparatória e deu ênfase à sua importância, considerando a primazia do novo princípio disposto na lei, o Princípio do Planejamento. Dessa forma, a fase preparatória passa a ser caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como deve abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação.

Nesse ínterim, imperioso trazer ao cerne da discussão a questão do plano de contratações anual, tratado no inciso VII do caput do artigo 12 da nova lei, o qual assertivamente diz que "a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias".

O planejamento anual consubstancia-se, então, essencialmente, em quantificar as licitações que serão realizadas e centralizar as compras para realizar menos processos licitatórios, contratando em maiores quantidades sempre que possível, a partir de uma melhor compreensão da real necessidade da unidade compradora (considerando necessidade e especificidade caso a caso). A partir desses passos centrais, estaremos diante de compras e contratações mais eficientes, organizadas, econômicas e proveitosas para a administração pública.

Entretanto, é preciso observar que o inciso VII do caput do artigo 12 da nova lei diz que os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão realizar o planejamento anual, isto é, não há uma imposição da lei.

Além do mais, vê-se que o planejamento anual depende de um decreto regulamentador que traga as regras deste planejamento, o que até aqui só existe para a União Federal (Decreto nº 10.947/2021). Tal decreto federal pode servir de inspiração para que outros entes se movimentem no caminho da regulamentação, mas é preciso aceitar que a transição para a nova lei levará seu tempo, sendo a implementação desse plano anual e de seu regulamento um dos aspectos a evoluir ao longo dos meses e anos.

Não obstante o "poderão" disposto na lei, é preciso compreender que o planejamento orçamentário não é dispensável para as contratações e compras públicas. Ainda que o plano anual da nova Lei de Licitações nunca seja realizado.

A Lei Orçamentária Anual existe e segue sendo exigível para o que pretende realizar a administração pública, conforme artigo 165 da Constituição Federal. Nesse sentido, ainda que o planejamento anual do inciso VII do caput do artigo 12 leve anos para ser regulamentado e efetivamente realizado, sabe-se que a necessidade de planejar e justificar as contratações persistirá da mesma forma, desde o primeiro segundo de utilização da nova Lei de Licitações, sobretudo quando levando-se em consideração a Lei Orçamentária Anual como uma das justificativas da necessidade da contratação.

É preciso compreender que é a razoabilidade que vai ditar como a administração pública deverá priorizar seus gastos públicos.

É justamente para garantir o planejamento que as justificativas técnicas das compras e contratações são absolutamente indispensáveis, sendo a falta de justificativa uma falha gravíssima do servidor. O servidor público, com base na segregação de funções que a Constituição estabelece (em respeito à hierarquia e competências), deverá pensar e registrar, documentalmente, as justificativas técnicas das licitações pautados na razoabilidade, sempre especificando as exigências e necessidades sem limitar, pois a licitação não é um fim em si mesmo e a contratação é o verdadeiro objetivo do procedimento licitatório, arrisco dizer que mais importante até do que o encontro da proposta mais vantajosa. Afinal, de nada vale uma proposta vantajosa que não seja levada adiante por restrições desarrazoadas do edital, por exemplo, ou por inadequação do objeto à verdadeira necessidade da unidade compradora.

Para garantir que a justificativa das exigências, execução e objeto da licitação sempre estará adequada nas licitações, o artigo 18 da nova Lei trouxe os dispositivos indispensáveis, que consignarão as justificativas necessárias: I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido; II – a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso; III – a definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento; IV – o orçamento estimado, com as composições dos preços utilizados para sua formação; V – a elaboração do edital de licitação; VI – a elaboração de minuta de contrato, quando necessária, que constará obrigatoriamente como anexo do edital de licitação; VII – o regime de fornecimento de bens, de prestação de serviços ou de execução de obras e serviços de engenharia, observados os potenciais de economia de escala; VIII – a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e a adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros, para os fins de seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, considerado todo o ciclo de vida do objeto; IX – a motivação circunstanciada das condições do edital, tais como justificativa de exigências de qualificação técnica, mediante indicação das parcelas de maior relevância técnica ou valor significativo do objeto, e de qualificação econômico-financeira, justificativa dos critérios de pontuação e julgamento das propostas técnicas, nas licitações com julgamento por melhor técnica ou técnica e preço, e justificativa das regras pertinentes à participação de empresas em consórcio; X – a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual; XI – a motivação sobre o momento da divulgação do orçamento da licitação, observado o artigo 24 da Lei.

Perceba, então, que a fase interna da licitação ganhou importância ao se tornar "fase preparatória", sobretudo porque o planejamento se tornou uma das maiores diretrizes do processo licitatório, sendo agora um dos princípios mais marcantes da nova lei. Há, agora, uma valorização do processo administrativo e dos trâmites internos e anteriores à efetiva disputa, o que entendo ser imprescindível para que licitações menos restritivas e mais bem planejadas e eficazes sejam promovidas pela administração pública, apesar de que, como qualquer mudança que advenha sobre o sistema, precisaremos acompanhar a adaptação dos órgãos, especialmente aqueles municípios menores que ainda estão caminhando para uma estruturação, e a efetiva aplicação da lei, com destaque para os entendimentos e orientações dos órgãos de controle, que certamente renovarão suas recomendações e trarão novas vertentes para a aplicação da lei.

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    é advogada do escritório Coelho & Dalle Advogados, pós-graduada em Direito Ambiental pela UFPR e em Direito Administrativo pelo IDP e integrante das Comissões de Direito Urbanístico e de Direito da Infraestrutura da OAB-PE.

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