Opinião

Notas sobre os requisitos para a revisão de plano diretor

Autor

  • Bruno de Oliveira Carreirão

    é advogado mestre em Direito pela UFSC pós-graduado em Direito Imobiliário pela EPD membro da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE) do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim) e da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SC e sócio do escritório Carreirão & Dal Grande Advocacia.

30 de junho de 2022, 11h05

No ano passado, completaram-se 20 anos de vigência da Lei Federal nº 10.257/2001 — muito mais conhecida pela alcunha de "Estatuto da Cidade" —, que regulamentou o planejamento urbano em todo o país, em complemento ao que já previa a Constituição de 1988. A referida lei impôs a uma série de municípios a obrigatoriedade de instituir o plano diretor e agora muitos desses municípios estão passando pelo processo de revisão decenal do plano, que é previsto no artigo 40, § 3º, da referida lei.

Contudo, considerando que em muitos casos essa é a primeira experiência na revisão do plano diretor, é natural que surjam dúvidas a respeito requisitos legais para a revisão. Assim, o objetivo aqui é abordar algumas das dúvidas e controvérsias e contribuir com o debate sobre o tema.

O plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. É previsto no artigo 182, § 1º, da Constituição de 1988 [1] e regulamentado pela Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que prevê, em seu artigo 40, § 3º [2], que a lei que instituir o plano diretor deve ser revista, pelo menos, a cada dez anos.

O § 4º [3] do já mencionado artigo 40 do Estatuto da Cidade prevê os requisitos básicos para a garantia da participação popular na elaboração do plano diretor, que contempla a realização de audiências públicas e debates com participação da população e de entidades da sociedade civil organizada e a publicidade e o pleno acesso aos documentos produzidos.

Em que pesem posicionamentos em sentido contrário [4], entendo que os requisitos para a revisão (e para qualquer alteração) do plano diretor são os mesmos de sua elaboração [5]. Caso contrário, seria possível ao poder público aprovar um plano diretor com ampla participação popular e, logo em seguida, alterá-lo completamente por meio do processo legislativo convencional, alijando a participação comunitária.

Costumam ser objeto de controvérsia as Resoluções nº 25 de 2005 e nº 83 de 2009 do Conselho das Cidades, que preveem prazos e procedimentos a respeito da participação popular que extrapolam o regramento do Estatuto da Cidade e, em alguns casos, conflitam com as legislações municipais a respeito do tema, suscitando conflitos e a judicialização do processo.

O Conselho das Cidades (ConCidades) é um órgão do Poder Executivo Federal, ligado originalmente ao extinto Ministério das Cidades, que foi criado em 2004, por meio do Decreto nº 5.031/2004, com a finalidade de propor diretrizes para a formulação e implementação da política nacional de desenvolvimento urbano, bem como acompanhar e avaliar a sua execução [6].

No âmbito de suas atribuições, o Conselho das Cidades emitiu a Resolução nº 25 de 2005, que trata sobre e elaboração do plano diretor, e a Resolução nº 83 de 2009, que trata a respeito da sua alteração ou revisão. Convém notar, contudo, que ambas as resoluções apresentam orientações e recomendações e que, portanto, não possuem caráter vinculante — caso contrário, o Conselho das Cidades estaria excedendo suas funções e invadindo competência do Poder Legislativo ao criar requisitos não previstos em lei para os procedimentos em questão. Logo, é indevida intervenção judicial no processo de revisão do plano diretor sob a justificativa de cumprimento ou descumprimento das mencionadas resoluções.

Por outro lado, tendo em vista que o regramento do Estatuto da Cidade é relativamente enxuto e possui considerável indeterminação semântica, uma vez que não há um conceito legal a respeito de "participação popular" e nem definições de quantas devem ser e nem como devem ser realizadas as audiências públicas previstas, é prudente que o Poder Executivo Municipal siga ao máximo as recomendações exaradas pelo órgão federal, a fim de garantir o cumprimento do objetivo primordial da lei, que é a participação democrática da população no planejamento urbano.

É evidente que os habituais conflitos no processo de revisão de um plano diretor têm como pano de fundo algo muito mais profundo do que normas procedimentais; as divergências a respeito dos rumos para o planejamento urbano geralmente têm suas raízes em diferenças políticas e ideológicas.

Contudo, para evitar que o procedimento seja contaminado pela discórdia e para que os debates das diferentes visões de mundo possam se concentrar no mérito do plano diretor, é recomendável a todos os órgãos públicos envolvidos no processo (o que inclui não apenas o Poder Executivo e o Poder Legislativo, mas também o Ministério Público e o Poder Judiciário) que respeitem a legalidade em todas as etapas do complexo processo de elaboração do projeto de lei de revisão do plano diretor, com cumprimento das normas vinculantes e, na medida do possível, atenção às orientações e recomendações não vinculantes.


[1] § 1º. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

[2] § 3º. A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.

[3] § 4º. No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

[4] Sobre o tema: SOUZA, Elaine Gonçalvez Weiss de; SOUZA, Mariana Barbosa de. A (des)necessidade de audiências públicas como critério formal para alterações legislativas referente ao plano diretor municipal. Anais do XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. Santa Cruz do Sul, 2014.

[5] "Um plano já em vigor pode ser alterado parcialmente, respeitado o mesmo processo de planejamento previsto para a elaboração do plano" (PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade. 4ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 216).

[6] Art. 1º. O Conselho das Cidades, órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministério das Cidades, tem por finalidade propor diretrizes para a formulação e implementação da política nacional de desenvolvimento urbano, bem como acompanhar e avaliar a sua execução, conforme dispõe a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 — Estatuto da Cidade.

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