Opinião

Suspensão de direitos políticos por improbidade administrativa e mandato eletivo

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29 de junho de 2022, 17h04

No último dia 8 de junho, a ConJur noticiou que o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, nos autos do Processo nº 0600171-30.2022.6.00.0000, que:

"A decisão de Tribunal Regional Eleitoral que cassa candidato eleito ao julgar procedente recurso contra expedição de diploma (RCED) não pode ser imediatamente executada. Até que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se debruce sobre o caso, o cassado deve permanecer no cargo.
(…).
A chapa, eleita em 2020, foi cassada porque há contra o vice-prefeito decisão transitada em julgado na Justiça comum que suspendeu seus direitos políticos por oito anos, por improbidade administrativa. Como a chapa é indivisível, os dois perdem o cargo.
O Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, ao julgar o caso, deu provimento a recurso contra expedição de diploma e determinou a imediata realização de novas eleições, com base no artigo 224, parágrafo 3º, do Código Eleitoral.
Para o ministro Mauro Campbell, porém, a execução imediata desse acórdão não é possível porque o artigo 216 do mesmo Código Eleitoral expressamente prevê que 'enquanto o TSE não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda a sua plenitude'.
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Luiz Edson Fachin. Em seu voto, ele destacou que a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação por improbidade administrativa é determinada pela Constituição Federal. A Carta Magna ainda estabelece como condição de elegibilidade o pleno exercício dos direitos políticos.
Ou seja, a previsão genérica de efeito suspensivo ao recurso contra expedição de diploma, dada pelo artigo 216 do Código Eleitoral, não pode ser usada para se sobrepor ao que diz a Constituição Federal."

A Constituição, artigo 14, § 3º, inciso II, estabelece o pleno exercício dos direitos políticos como uma das condições de elegibilidade.

Por outro lado, a Constituição, artigo 15, inciso V, autoriza a suspensão dos direitos políticos na hipótese de condenação por improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º.

A condenação à suspensão dos direitos políticos em razão de ato doloso de improbidade administrativa, transitada em julgado, além de acarretar a ausência da condição de elegibilidade do pleno gozo dos direitos políticos prevista no inciso II do § 3º do artigo 14 da Constituição Federal, é causa de inelegibilidade, para qualquer cargo, nos termos do artigo 1º, inciso I, letra l, da Lei Complementar nº 64/90:

"l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;"

No âmbito federal, "Perderá o mandato o deputado ou senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos" (CF/88, artigo 55, IV).

Conforme a jurisprudência do STF e do TSE, é imediata a perda do mandato eletivo em decorrência de suspensão dos direitos políticos em ação de improbidade administrativa, com decisão transitada em julgado:

"1. Extinção de mandato parlamentar em decorrência de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, que suspendeu, por seis anos, os direitos políticos do titular do mandato. Ato da Mesa da Câmara dos Deputados que sobrestou o procedimento de declaração de perda do mandato, sob alegação de inocorrência do trânsito em julgado da decisão judicial.
2. Em hipótese de extinção de mandado (sic) parlamentar, a sua declaração pela Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo que a determina, cuja realidade ou não o interessado pode induvidosamente submeter ao controle jurisdicional.

3. No caso, comunicada a suspensão dos direitos políticos do litisconsorte passivo por decisão judicial e solicitada a adoção de providências para a execução do julgado, de acordo com determinação do Superior Tribunal de Justiça, não cabia outra conduta à autoridade coatora senão declarar a perda do mandato do parlamentar." (MS 25461, órgão julgador: Tribunal Pleno (STF), relator ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 2/6/2006, DJe de 22/9/2006).
"Ac.-TSE, de 17.12.2015, no RO nº 181952: a suspensão dos direitos políticos em condenação por improbidade administrativa opera a partir do trânsito em julgado da decisão e acarreta a perda da filiação partidária e do cargo eletivo, bem como o impedimento de o candidato ser diplomado."

A Constituição não permite a continuidade do exercício de mandato eletivo por alguém condenado à suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa, com decisão judicial transitada em julgado.

Há que se proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato (CF, artigo 14, § 9º, e artigo 37, § 4º).

A Constituição Federal, artigo 5º, XXXVI, consagra o instituto da coisa julgada como direito fundamental, afirmando que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

À luz do princípio constitucional da proteção da probidade e da moralidade para o exercício do mandato (CF, artigo 14, § 9º) e da supremacia da coisa julgada (CF, artigo 5º, XXXVI), o artigo 216 do Código Eleitoral não pode ser interpretado de forma a garantir o exercício do mandato eletivo ao improbo condenado à suspensão dos direitos políticos por decisão judicial transitada em julgado.

Manter no cargo eletivo alguém diplomado pela Justiça Eleitoral — com fundamento no artigo 216 do Código Eleitoral —, mas condenado pela Justiça Comum por impropriedade administrativa à suspensão dos direitos políticos, com decisão judicial transitada em julgado, também afronta a autoridade e a eficácia da coisa julgada, que tem a sua coercibilidade afirmada e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em face de decisão da própria Corte Suprema com eficácia ex tunc, conforme consta na ementa do acórdão proferido pelo Plenário do STF no ED-EDv-AgR no RE 589513, relator: ministro CELSO DE MELLO, julgado em 7/5/2015 e publicado no DJe em 13/8/2015, nos seguintes termos:

"(…). – A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia 'ex tunc' — como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765) —, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, 'in abstracto', da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes. — O significado do instituto da coisa julgada material como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito."

Assim sendo, a teor do que afirmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 589513 ED-EDv-AgR, sobre "O significado do instituto da coisa julgada material como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito", pode-se dizer que manter no cargo — com fundamento no artigo 216 do Código Eleitoral — alguém diplomado pela Justiça Eleitoral, condenado(a) por impropriedade administrativa à suspensão dos direitos políticos, com decisão judicial transitada em julgado, também afronta a supremacia do ordenamento constitucional e a existência do próprio Estado democrático de Direito.

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