Opinião

Preservação da empresa contra vontade do sócio majoritário

Autor

  • Gabriel Abreu da Silveira

    é advogado especializado em Direito Societário sócio do escritório Martelli & Abreu Advocacia Empresarial mestre em Economia pela UFPR e especialista em Direito Empresarial pela ABDConst.

29 de junho de 2022, 20h45

Dentre outras hipóteses, o artigo 1.033 do Código Civil prevê que a sociedade de prazo indeterminado é dissolvida quando ocorrer deliberação dos sócios por maioria absoluta. A regra permanece na sociedade anônima, visto que o artigo 206, I, 'c', e o artigo 136, X, da Lei n° 6.404/1976 dispõem que a deliberação da assembleia-geral com aprovação dos acionistas que representem pelo menos metade do total de votos constitui hipótese de dissolução.

Na sociedade limitada, a possibilidade de dissolução se mantém com um quorum de aprovação mais elevado. A leitura conjunta do artigo 1.071, VI, e o artigo 1.076, I, do Código Civil indica que a dissolução da sociedade limitada depende da aprovação de, no mínimo, 3/4 do capital social.

Vale dizer, o direito societário estabelece que as sociedades podem ser dissolvidas em detrimento da discordância de uma minoria. A lógica decorre do próprio princípio majoritário e da vedação de se obrigar os sócios a permanecerem associados indefinidamente.

Entretanto, ainda do ponto de vista principiológico, muito se questiona sobre a possibilidade da manutenção da atividade produtiva pelo sócio minoritário vencido na deliberação que aprovou a dissolução. Se de um lado existe uma norma possibilitando a dissolução pela maioria dos sócios, de outro, porém, pelo menos nas sociedades contratuais, permite-se que o sócio que não possui mais interesse na atividade exerça o direito de retirada de forma imotivada [1].

O artigo 47 da Lei n° 11.101/2005, quando estabelece o objetivo da recuperação judicial, traduz o princípio da preservação da empresa ao mencionar os benefícios da superação da crise: "a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores". Inexistindo crise, a dissolução no lugar da retirada ou da alienação, por exemplo, vai de encontro com a ideia de que a sociedade deve ser preservada por seus benefícios.

Nesse sentido, o STJ já se posicionou concluindo que "a dissolução parcial deve prevalecer, sempre que possível, frente à pretensão de dissolução total, em homenagem à adoção do princípio da preservação da empresa, corolário do postulado de sua função social". Antes da dissolução total, fundamentou a ministra Nancy Andrighi, deve ser perquirida a viabilidade da manutenção da sociedade por meio de mera dissolução parcial: "muito embora a dissolução parcial possa ser fundada unicamente na ruptura do liame subjetivo da associação de pessoas, para a dissolução total deve-se ir além e demonstrar a absoluta impossibilidade ou inviabilidade de manutenção da sociedade" [2].

Sob a premissa de que a participação de todos os sócios é essencial para a certeza sobre a inviabilidade da manutenção, o tribunal reconheceu a nulidade da dissolução judicial devido à ausência de citação dos sócios minoritários para análise das condições de prosseguimento.

Em outras palavras, ainda que não exista na lei, a jurisprudência prevê a impossibilidade/inviabilidade da manutenção da sociedade como requisito que precede à dissolução total. De forma compositiva, devem-se apurar os haveres do sócio retirante para dar preferência à continuidade quando um dos sócios interpreta que há viabilidade da preservação dos negócios.

Por óbvio, o efeito prático disso é que a descapitalização decorrente da apuração de haveres do sócio majoritário pode ser justamente o fator a inviabilizar a manutenção das atividades produtivas. Ainda que o problema seja inevitável, entende-se que, na condução dos negócios, cabe ao sócio minoritário analisar se a dissolução parcial poderia ser compensada mediante aporte de investidor externo ou até mesmo de tomada de dívida.

Interpretando a lógica societária, não se pode, por si só, reputar como abusiva a conduta do sócio majoritário. Não possuindo proposta de compra por valor compatível com os cálculos de liquidação da sociedade, a dissolução total, caso não encontre vedação, é uma opção. Cabe ao sócio minoritário reconhecer a viabilidade da manutenção apesar da descapitalização.

Para configuração do abuso de direito, deve-se provar que o voto foi exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas ou, então, de obter vantagem indevida que resulte ou possa resultar em prejuízo para a própria companhia ou seus acionistas. Não se pode, portanto, simplesmente presumir o abuso do acionista que exerce seu direito de voto, em que pese tenha responsabilidades em relação aos demais.

Com efeito, sabe-se que o acionista controlador deve usar seu poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, tendo deveres e responsabilidades para com os demais acionistas, empregados e comunidade em que a sociedade atua. Por outro lado, o artigo 117, §1º, 'b', da Lei n° 6.404/1976 prevê que promover a liquidação de companhia próspera com o fim de obter vantagem indevida em prejuízo dos demais participantes constitui uma modalidade de exercício abusivo de poder.

Seguindo a linha, o STJ, no Informativo nº 595/2017, destacou que a sociedade anônima de capital fechado pode ser dissolvida parcialmente pelo motivo de não atingir seu fim social, mas, ainda assim, restar configurada a viabilidade da continuação dos negócios da companhia. No caso, acionistas com mais de 5% do capital social requereram a dissolução parcial defendendo que a sociedade não poderia preencher o seu fim pelo fato de apresentar prejuízos constantes e não distribuir dividendos.

No REsp 1.321.263/PR, o ministro Moura Ribeiro fundamentou que os sócios não podem ser penalizados com a imobilização de seu capital por longo período sem obterem nenhum retorno. Por essa razão, fazendo referência ao princípio da preservação da empresa, harmonizou-se a viabilidade de continuação dos negócios da companhia e os direitos dos sócios mediante conclusão pela possibilidade da dissolução parcial.

Desta forma, firma-se o entendimento de que a dissolução total passa pela impossibilidade/inviabilidade da manutenção da sociedade, que, por sua vez, depende de decisão de todos os sócios. O sócio controlador somente responde pela liquidação de companhia próspera, não constituindo, a priori, exercício abusivo do direito de voto a dissolução total de sociedade deficitária.

Sobretudo em sociedades prósperas, há expectativa no sentido de que o sócio majoritário somente aprove a dissolução total quando não houver outros meios de se promover a preservação da empresa. Ou seja, o controlador precisa honrar seus deveres e responsabilidades para com os demais acionistas, empregados e comunidade em que a sociedade atua diligenciando para conseguir compradores da sua participação social.

Finalmente, não sendo possível, realiza-se a dissolução parcial para que o sócio minoritário vencido na deliberação assuma o controle e preserve a sociedade por seus benefícios intrínsecos. O ideal é que se exerça a retirada ou ajuíze ação de dissolução parcial da sociedade para a saída do sócio majoritário, porém, caso seja feita a dissolução total extrajudicial, o sócio minoritário ainda poderá buscar a anulação da deliberação social ou promover ação com objetivo de converter a dissolução total em dissolução parcial.


[1]  Enquanto o artigo 1.029 do Código Civil permite a retirada imotivada de sociedade de prazo indeterminado mediante notificação aos demais, o artigo 599, §2º, do CPC autoriza a dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado quando há demonstração de que não pode preencher seu fim.

[2] REsp nº 1.303.284/PR, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/4/2013, DJe de 13/5/2013.

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    é advogado especializado em Direito Societário, sócio do escritório Martelli & Abreu Advocacia Empresarial, mestre em Economia pela UFPR e especialista em Direito Empresarial pela ABDConst.

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