Opinião

Ativos ambientais e incentivos à preservação

Autor

  • Gabriel Burjaili de Oliveira

    é sócio da área de direito ambiental da Scharlack Advogados membro da comissão permanente de meio ambiente da OAB-SP e primeiro secretário e membro da Comissão de Direito Ambiental da ABDVIN.

29 de junho de 2022, 13h03

O mês de junho congrega várias iniciativas ligadas à proteção e valorização do meio ambiente. O período é marcado pelo Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado deste 1973 pelas Nações Unidas para chamar a atenção para problemas ambientais.

A proteção do meio ambiente tem por objetivo não só preservar as mínimas condições de vivência na Terra, como morada da espécie humana, mas também permitir que os recursos naturais necessários para a atividade econômica não se esgotem. Trata-se de um compromisso com gerações futuras, que devem ter a chance de usufruir as mesmas condições de vida das gerações atuais. Essa é uma tecla sobre a qual muito se bate.

Para além de temas já debatidos, como extinção de determinadas espécies de fauna e flora, redução de certos habitats ou biomas, autoridades e estudiosos da área ambiental sinalizam que vivemos, hoje, um momento crítico, próximo a um ponto de não-retorno, em relação à questão climática: deve-se empreender esforços para minimizar os danos que a elevação da temperatura média trará ao meio ambiente e, consequentemente, à sobrevivência da própria espécie humana.

No Brasil, a data ganhou um aliado de peso nas comemorações neste ano de 2022: no dia 25 de maio, a legislação conhecida como Código Florestal completou dez anos, e há uma enorme ligação entre essa lei e a temática ambiental. Além de criar áreas protegidas como as Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, que limitam as áreas cultiváveis dos imóveis, o Código Florestal traz mecanismos para estimular a compatibilização do uso dos recursos naturais com a proteção do meio ambiente, em especial o pagamento por serviços ambientais. Aliás, a criação de incentivos econômicos para estimular ações de preservação ambiental é um princípio do Código Florestal, merecedor de (literalmente) um capítulo próprio na lei.

A lei autoriza o governo federal a instituir programas prevendo compensação (monetária ou não-monetária) como retribuição a ações de conservação de elementos caros ao meio ambiente, como os recursos hídricos e as próprias áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito. É dizer, o sistema legal permite que ações de cuidado com áreas protegidas sejam incentivadas, inclusive financeiramente, pelo Estado, mediante uso de recursos públicos, reembolsáveis ou não.

O Fundo Amazônia é um exemplo de iniciativa importante focada em mecanismo de incentivos. Estruturado em âmbito federal, tem por finalidade disponibilizar recursos via doações tanto para ações de comando e controle (exercício do poder de polícia, de fiscalização, pelo Estado) quanto para premiar ações de preservação e uso sustentável de áreas localizadas na Amazônia Legal.

Há iniciativas semelhantes em diferentes níveis federativos. No estado de São Paulo, o Programa Nascentes se consolidou com uma importante ferramenta de estímulo à reconstrução de áreas de mata nativa, com a finalidade de auxiliar a conservação, proteção e recuperação de recursos hídricos e a biodiversidade ínsita à sanidade de tal recurso. O Projeto já viabilizou a plantação de quase 43 milhões de mudas, funcionando como uma plataforma em que agentes públicos e privados podem desempenhar diferentes papéis, tanto como executores de ações de plantio e restauro, quanto cedendo áreas para implementação de programas de recuperação de vegetação.

Os particulares também podem desenvolver mecanismos de monetização de ativos ambientais, independentemente da participação direta do Estado. O próprio Código Florestal prevê a possibilidade de se emitir a chamada Cota de Reserva Ambiental, título que representa a conservação de uma determinada área com vegetação nativa. Em linhas gerais, a CRA pode ser emitida quando a área de vegetação nativa protegida supera os níveis que o proprietário está obrigado, por lei, a conservar. Esse proprietário pode, então, vender a cota para terceiros, seja porque tais terceiros precisem de tal área para cumprir com suas próprias obrigações legais, seja pelo interesse em alinhar os negócios com práticas ambientalmente sustentáveis.

Quando se analisa o Código Florestal em conjunto com legislações irmãs, mais velhas (como a lei que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009, e a lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010) ou mais novas (como a lei que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, de 2021), as ferramentas se multiplicam. Uma, em especial, diretamente ligada à questão climática: a redução de emissões de gases de efeito estufa, que podem envolver inclusive a emissão de créditos de carbono, instrumento legal que também permite a monetização de ações de proteção ao meio ambiente.

O Brasil tem sido palco de iniciativas bem-sucedidas de se recompensar ações de preservação ligadas à redução da emissão de gases, seja no modelo de pagamentos por resultados, seja na geração e comercialização dos títulos conhecidos como créditos de carbono.  Embora os dois formatos tenham como denominador comum o estímulo a práticas ambientalmente desejáveis, há uma diferença importante sob a perspectiva jurídica:

No pagamento por resultados, celebra-se uma doação com encargo, pela qual uma parte recompensa a outra pelo fato dessa última ter praticado a conduta desejada. No segundo cenário, a performance da conduta desejada, somada a outras ações de caráter técnico-operacional (como a certificação por autoridades acreditadas globalmente), dá origem a um bem jurídico chamado crédito de carbono. Esse bem jurídico é então vendido ao agente financiador. Juridicamente, portanto, no primeiro caso o agente financiador realizou uma doação; e, no segundo caso, adquiriu um bem, que pode ser utilizado ou revendido.

O caráter autônomo e transacionável do crédito de carbono permitiu que não apenas se projetasse a existência de um mercado para esse ativo, como se vislumbrasse tal mercado como um instrumento para viabilizar a satisfação dos compromissos assumidos internacionalmente entre os países signatários do Acordo de Paris para redução de seus níveis de emissões de gases nocivos ao planeta. Enquanto essa regulamentação não se efetiva (naquilo que originará o chamado mercado "regulado"), as transações no mercado voluntário (assim consideradas aquelas realizadas fora de um ambiente regulado) têm se desenvolvido e expandido no Brasil e no mundo. No mais das vezes, os compradores de créditos de carbono no mercado voluntário buscam cumprir compromissos de mercado (voluntariamente assumidos, no mais das vezes), e alinhar sua imagem à pauta ESG.

Os exemplos mostram que o Poder Público acerta em diversificar suas ações para além dos atos de fiscalização e controle. Reprimir ofensas ao meio ambiente é necessário e sempre o será. Mas não é o único caminho possível, e, claramente, não é suficiente. O Poder Público não conseguirá, sem a participação dos agentes econômicos, adotar todas as ações necessárias de preservação do meio ambiente. E a maior adesão dos particulares virá com a implementação de mecanismos de estímulo. 

Criar um ciclo virtuoso entre as atividades humanas ligadas ao uso de recursos naturais e as ações de preservação desses mesmos recursos é indispensável e urgente. Se só temos um planeta (#umasóTerra) e não temos mais tempo a perder, é tempo de reeducar, de dialogar, e de colocar em prática mecanismos legais de incentivo. O meio ambiente precisa contar com condutas ativas de proteção por parte dos particulares, e a temática ambiental deve ser vista como oportunidade, não como barreira ao desenvolvimento dos negócios.

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