Opinião

Avanços para a redução do contencioso tributário trilionário

Autores

29 de junho de 2022, 11h07

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por meio do Ato Conjunto nº 1/2022, instituíram, em fevereiro, uma comissão no Senado para trabalhar na elaboração de projeto de lei objetivando dinamizar, unificar e modernizar o processo tributário.

Já não era sem tempo para que fossem tomadas medidas concretas para a renovação do processo tributário, cuja legislação específica exige adequações para melhor dialogar com os avanços sociais e tecnológicos da sociedade.

A título exemplificativo, frisamos a Lei n° 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) cuja última alteração em 2014, foi apenas para adicionar o seguro garantia e fiança bancária ao microssistema da execução fiscal; verifica-se, ainda, a própria legislação que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, Decreto n° 70.235/75, que já se aproxima de seu aniversário de 50 anos.

No que diz respeito à composição da comissão, destacamos a ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça, que atuará como presidente da comissão; o juiz Marcus Lívio Gomes, relator para o tema Processo Tributário; e o professor Valter Shuenquener de Araújo, que irá figurar como relator para o tema Processo Administrativo.

Sob a liderança destes juristas, os trabalhos da comissão terão como insumo duas pesquisas recentemente disponibilizadas pelo CNJ: "Diagnóstico do Contencioso Tributário Administrativo" e "Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro".

Através destes estudos, é possível dizer que uma realidade já conhecida pelo contribuinte e demais atuantes na área tributária foi traduzida em forma de números e estatísticas, qual seja, o sistema atual está sobrecarregado por legislações esparsas, desatualizadas e comumente desconexas. Como consequência, estas legislações contribuem para uma quantidade excessiva de processos de matéria tributária em tribunais administrativos e judiciais. Além disso, no polo passivo destes processos figuram Fazendas Públicas (em âmbito federal, estadual e municipal) que, por seu turno, se encontram em situações financeiras alarmantes.

Por outro lado, é necessário observar que, por força do princípio da legalidade em matéria tributária, os agentes fazendários são, muitas vezes, obrigados a efetuarem cobranças e autuações administrativas, ainda que já exista jurisprudência favorável aos contribuintes, em âmbito judicial.

A esse respeito, um dos dados que fundamentou o trabalho "Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro" merece ser frisado por se tratar de constatação extraída do relatório publicado pelo Núcleo de Tributação do Insper, em julho de 2020, informando que o contencioso administrativo e judicial brasileiro no ano de 2018, em matéria tributária, somou o equivalente a 73% do PIB do país. E mais, no ano de 2019, tal indicativo subiu para 75%, o que corresponde a R$ 5,44 trilhões.

Neste cenário, nas palavras do relator juiz Marcus Lívio Gomes, o objetivo principal das discussões da comissão é a segurança jurídica, com iniciativas que versem sobre redução da litigiosidade, o respeito aos precedentes e a observância à razoável duração processo.

Desde o início, afastou-se a possibilidade de sugestões que avançassem sobre texto constitucional, tendo em vista a maior solenidade da tramitação. Desta forma, a comissão almeja, outrossim, trazer para o Código Tributário Nacional normas gerais de processo administrativo fiscal.

Sobre o contencioso administrativo, cogita-se que os seguintes temas sejam abarcados pelo projeto de lei:

  • Virtualização e integração dos sistemas eletrônicos (é de notar que muitos municípios sequer possuem ferramentas para que o contribuinte possa acompanhar seus processos remotamente);
  • Contagem de prazo em dias úteis;
  • Suspensão dos prazos durante no recesso forense (entre 20 de dezembro e 20 de janeiro), inclusive das sessões de julgamento, tal qual ocorre nos processos judiciais;
  • Possibilidade de oposição de embargos de declaração;
  • Aplicação automática de decisões vinculantes.

Acerca do processo judicial tributário, os seguintes temas são ventilados:

  • Uniformização de custas judiciais para todo o país;
  • Reforma da Lei de Execuções Fiscais.

Além das discussões entre os juristas integrantes do grupo, com o objetivo de avançar na modernização do processo tributário, a comissão também abriu o debate para a sociedade civil, tendo recebido várias propostas de diferentes setores.

Dentre as propostas mais divulgadas, estão a do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito–São Paulo e do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio–São Paulo. Em ambas as propostas, se verifica a sugestão comum de disponibilizar métodos alternativos para solução de conflitos, com envolvimento da Fazenda Pública, a exemplo da transação, mediação e conciliação nas demandas tributárias.

A unificação, diretriz da comissão, ao que parece, virá em cascata. Como exemplo, pode-se citar que, após ser cogitado no âmbito federal, foi proposto, em âmbito estadual, o Projeto de Lei n° 6.027/2022 objetivando alterar os prazos de processos administrativos no estado do Rio de Janeiro.

Como se verifica dos analíticos diagnósticos divulgados pelo CNJ, o direito processual tributário, há algum tempo, já dá sinais de exaustão. Posto que não é possível acompanhar a velocidade dos avanços da sociedade, a solução não deve se encerrar apenas em uma ação pontual, mas, refletir um trabalho de contínuo aperfeiçoamento do sistema. Eis um dos principais desafios dessa comissão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!