Opinião

Natureza jurídica dos planos de compra de ações oferecidos a executivos

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28 de junho de 2022, 16h16

Os planos de compra de ações são uma ferramenta muito utilizada por empresas para atrair e reter talentos, como forma de estimular a efetiva participação do executivo na valorização futura da empresa. Isso porque eventuais ganhos somente serão auferidos no caso de sucesso do negócio, fomentando o aumento da performance de empregados e alinhamento com os interesses patronais.

Além dos tradicionais planos de stock options, há outras variações dessa estrutura, com procedimentos específicos — é o caso das phantom sharesrestricted stock units (RSU) e share appreciation rights (SAR), que podem, inclusive, impactar na natureza jurídica da concessão e suas respectivas restrições.

Como regra geral, esses planos envolvem a possibilidade de o empregado adquirir ações da empresa com preço fixado na data de sua outorga e após determinado período mínimo de carência, chamado vesting. Em outras palavras, o executivo tem a possibilidade de adquirir ações (ou outros títulos) do negócio, por um preço abaixo do valor de mercado, permitindo obter lucro no momento da venda da participação.

Não há prazo mínimo ou máximo quando se estabelece o período de vesting. Na prática, porém, períodos que variam de três a cinco anos são muito utilizados, até mesmo para a retenção de executivos-chave. Também não é incomum que se estabeleça um cronograma envolvendo diversos períodos aquisitivos, até que o empregado alcance a quantidade máxima de ações oferecidas. Ou seja, a cada ano, por exemplo, ele conquista o direito de adquirir uma parcela das ações.

Decorrido o prazo estabelecido pelas partes, é estabelecido um período de exercício durante o qual o executivo poderá, se desejar, exercer seu direito de compra das ações. Essa decisão depende de diversos fatores, em especial da valorização dos títulos durante o período aquisitivo.

Apesar de sua crescente importância e utilização no mercado de trabalho brasileiro, os planos de compra de ações não possuem regulamentação legal específica, representando uma das criticadas lacunas da Lei 13.467/2017 (conhecida como reforma trabalhista). Justamente por essa ausência de regulamentação, dependendo das circunstâncias de concessão, ainda é possível sustentar que os planos de ações não têm natureza trabalhista e, por isso, não geram os encargos típicos de uma relação de emprego.

Nesse sentido, a jurisprudência trabalhista já estabeleceu certas bases a serem observadas para que se reconheça a natureza mercantil da outorga de ações. De acordo com os precedentes sobre o tema, a natureza jurídica do instituto dependerá da existência de risco para o empregadocomo a  ausência de garantia de que irá aferir ganhos quando do exercício do direito de compra, bem como de onerosidade, exigindo-se que o empregado adquira as ações com seus próprios recursos. Nesses casos, é reconhecida a natureza comercial da operação.

Contudo, há certas modalidades de planos de ações, como os de RSUs, que frequentemente envolvem pagamento em dinheiro ao empregado quando decorrido o período prefixado, sem qualquer contraprestação. Quando o plano não envolve onerosidade ou risco para o empregado, a jurisprudência tende a reconhecer a natureza salarial do valor recebido, por se assemelhar a uma gratificação, ao invés de uma operação mercantil.

Além da discussão acerca da natureza jurídica dos planos de compra de ações, existem também controvérsias quanto aos termos que podem ser negociados com os executivos, incluindo a possibilidade de cancelamento de participação no plano no caso de rescisão contratual, bem como a eventual obrigação de devolução de valores recebidos.

Apesar da previsão contida no artigo 444 da CLT, que versa sobre a autonomia das partes para negociar o conteúdo do contrato de trabalho, alguns precedentes vêm reconhecendo como nulas determinadas cláusulas encontradas nos planos de ações.  Em recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu como ilícita a previsão contratual no sentido de que, havendo a dispensa imotivada do empregado no curso do período de carência, ele perderia o direito de adquirir as ações, já que não teria sido observado o período de vesting.

Nessa decisão, o TST reconheceu que a estipulação do período de carência em si é lícita (negócio jurídico subordinado a evento futuro e incerto — artigo 121, CC), mas a perda do direito de exercer a compra, por ato unilateral do empregador, seria ilícita, pois estaria se conferindo a somente uma das partes o poder de obstar a efetivação do negócio jurídico (condição meramente potestativa), o que encontraria óbice no artigo 122 do CC.

O ministro relator, Augusto César Leite de Carvalho, ressalvou que a situação seria diferente se o caso concreto tratasse de hipótese em que o empregado tivesse pedido demissão ou sido dispensado por justa causa. Nesses casos, haveria, respectivamente, a renúncia do direito ou a quebra da fidúcia inerente ao contrato de trabalho, justificando a perda do direito de exercício, não se tratando de decisão meramente unilateral do empregador.

Tal entendimento se harmoniza com outros precedentes da corte superior trabalhista, por meio do quais se entendeu que "é lícita a cláusula que prevê a perda de 'ações fantasmas' (unidades monetárias de incentivo) pelo empregado que pedir demissão antes de decorrido o prazo de carência (vesting) fixado pelo regulamento".

Outro tema controverso nos planos de ações diz respeito às previsões sobre clawback, nas quais se pactua a restituição de ações (ou outras formas de remuneração financeira) recebidas por executivos, principalmente quando caracterizada fraude ou imprudência na condução dos negócios. Tais previsões também são estipuladas nos casos em que o executivo se demite antes de cumprir o prazo de carência, havendo eventual adiantamento.

Esse tipo de pactuação tornou-se comum nos EUA principalmente após a crise financeira de 2008, que eclodiu justamente como consequência de decisões equivocadas de altos executivos em mercados de alto risco. Por conta disso, foram editadas normas específicas sobre o tema, para reduzir os riscos inerentes à atuação desses executivos.

No Brasil, o Banco Central editou a Resolução nº 3.921/2010, que visa prevenir condutas que importem em riscos excessivos às empresas e ao próprio sistema financeiro, a depender do porte da empresa. Apesar de tal resolução não tratar especificamente das cláusulas de clawback, ela fornece elementos para sustentar sua validade no direito brasileiro. No mesmo sentido é a Instrução Normativa nº 480/2009, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A controvérsia central reside justamente na incompatibilidade do princípio da intangibilidade salarial com as cláusulas de clawback que, em sua essência, autorizam o estorno de valores recebidos pelo empregado. Contudo, tendo em vista o fato de que tais planos não teriam natureza salarial, mas, sim, mercantil, não haveria que se falar em incidência de tal princípio e das disposições contidas no artigo 462 da CLT, que visam garantir a proteção do salário.

Ademais, e como via de regra, os empregados que recebem a oportunidade de participar de planos de compra de ações estão enquadrados no conceito de "hiperssuficientes", podendo negociar livremente os termos e condições de seu contrato de trabalho. Assim, em que pese a ausência de precedentes consolidados até o presente, existem elementos que possibilitam defender a plena validade de tal cláusula especialmente em relação a este grupo de empregados.

Também merecem ser mencionadas as disposições constantes do artigo 7º da Lei 3.207/57 e 33, §1º, da Lei 4.886/65, que permitem o estorno de comissões pagas ao empregado quando verificada a insolvência do comprador. Referidos dispositivos buscam manter a saúde financeira do empregador, garantindo a continuidade da atividade econômica e, consequentemente, dos empregos.

Por fim, há de se mencionar a importante ponderação de BRAGA e TEIXEIRA [1], defendendo que o estabelecimento de previsões de clawback encontraria respaldo no próprio artigo 462 da CLT:

"(…) a diferença entre o desconto previsto no artigo 462, §1º da CLT e os efeitos previstos na clawback é meramente prática, já que ambos os mecanismos possuem a mesma natureza material.
Em vez de se obter o ressarcimento de incentivos anteriormente adiantados aos administradores (clawback), o artigo  462, §1º da CLT prevê a realização de descontos nas futuras remunerações (incluindo bonificações, se elegível) em razão de prejuízos causados. A essência, todavia, é a mesma: reaver pecuniariamente os prejuízos causados pelos empregados em razão de condutas dolosas ou culposas".

As controvérsias abordadas acima devem ser cuidadosamente consideradas quando a empresa oferta a possibilidade de um executivo participar em planos de compras de ações. Apesar da inexistência de regulamentação específica sobre o tema até o momento, já há critérios jurisprudenciais razoavelmente sólidos que podem nortear uma contratação segura. Desde que desenhados e utilizados de forma correta, os planos de compra de ações devem continuar sendo uma ferramenta muito útil para contratar e reter talentos, especialmente num mercado de trabalho cada vez mais moderno e competitivo.

[1] BRAGA, Julia de Castro Tavares. Teixeira, Pedro Freitas. A cláusula clawback e os contratos de trabalho de executivos de companhias abertas no brasil. Revista LTr. Vol. 81.

Autores

  • é sócia da prática trabalhista de Trench Rossi Watanabe.

  • é associado do Trench Rossi Watanabe e atua na área trabalhista, representando clientes de diferentes setores econômicos em ações judiciais estratégicas, individuais ou coletivas, bem como em demandas que envolvem o Ministério Público do Trabalho, além de atuação no setor consultivo.

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