Território Aduaneiro

Regimes especiais: Repetro-industrialização — única via?

Autores

  • Fernando Pieri Leonardo

    é sócio fundador da HLL & Pieri Advogados mestre em Direito pela UFMG pós-graduado em Direito Aduaneiro Europeu pela Universidade Católica de Lisboa professor de Direito Aduaneiro e Tributário Membro da Comissão Especial de Direito Aduaneiro do Conselho Federal da OAB presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-MG multiplicador do Programa OEA da Receita Federal membro de nº 51 da Academia Internacional de Direito Aduaneiro.

  • Flávia Holanda Gaeta

    é doutora e mestre em direito tributário pela PUC-SP professora em cursos de pós-graduação (Ibet PUC-SP e Mackenzie) e sócia fundadora do FH Advogados.

28 de junho de 2022, 8h03

Somos pródigos em regimes aduaneiros especiais (Drawback, Recof, Admissão Temporária, Entreposto Aduaneiro, Reporto, Trânsito Aduaneiro, Recom, Exportação Temporária… — listados no RA/09 são dezessete) [1]. Como tais, oferecem oportunidades específicas para o tratamento diferenciado nas operações aduaneiras [2]. Possuem um forte viés de extrafiscalidade, em especial, porque buscam realizar valores que excedem os interesses de arrecadação. Diante da especificidade, complexidade e do excesso de obrigações acessórias, a interpretação dos regime aduaneiros especiais merecem cautela, para que atendam os propósitos jurídicos preconizados pelo ordenamento e os interesses econômicos da indústria nacional.

Spacca
Hoje, discorreremos, dentro do espaço da coluna, sobre um dos mais peculariares [3] dentre eles: o Repetro.

O Repetro foi instituído para fomentar a produção de ativos destinados à indústria do petróleo no Brasil, atribuindo maior competitividade aos fabricantes nacionais em detrimento dos players internacionais, de forma a reduzir a carga tributária e impedir a exportação de tributos, pelo aumento significativo do valor de venda que tais tributos implicariam aos bens nacionais.

Trata-se de um regime aduaneiro misto, na exportação e importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural, instituído pelo Decreto nº 3.161, de 2 de setembro de 1999.

Na prática, o Repetro regulamentou a exportação, sem saída do território nacional, de bens fabricados no país (artigo 6º da Lei 9.826/1999) e a (subsequente) importação para utilização econômica através do regime de admissão temporária, com "dispensa" do pagamento proporcional dos tributos incidentes pelo tempo de permanência em território nacional (Medida Provisória nº 1.855-22/1999).

A par disso, à exportação (sem saída física do território nacional) foram atribuídos todos os efeitos fiscais e cambiais, desde que o bem de fabricação nacional fosse adquirido por: (a) empresa sediada no exterior para ser utilizado na exploração de petróleo ou gás no Brasil, em nome próprio ou por terceiros, com admissão no regime de admissão temporária quando do ingresso no país; (b) empresa sediada no exterior que incorpore o bem ao produto final que deverá ser exportado para o Brasil para utilização econômica.

Da forma como fora instituído, o Repetro também permitiu que as máquinas, equipamentos, sobressalentes, peças, partes, ferramentas e aparelhos destinados à incorporação nos produtos finais (navios-sonda, plataformas, etc.) fossem passíveis de admissão no regime, com o objetivo de formalizar a participação dos fabricantes intermediários e finais na cadeia econômica de construção dos ativos destinados à indústria do petróleo, mesmo que sem qualquer tipo de habilitação.

Nos termos da legislação vigente [4], o Repetro está disposto entre os artigos 458 e 462 do Regulamento Aduaneiro (RA/09), além dos artigos atinentes à admissão temporária — 373 a 376 do RA, de modo que, com o passar do tempo, o que se viu foi uma ampliação dos tratamentos aduaneiros admitidos.

O RA teve a sua nova redação atribuída pelo Decreto nº 9.128, de 17 de agosto de 2017 [5], cuja regulamentação contribuiu para ampliar os tratamentos aduaneiros hoje vigentes em matéria de Repetro, aplicando-os também aos aparelhos e outras partes e peças a serem incorporadas ao produtos finais a fim de garantir-lhes operacionalidade e as ferramentas empregadas na manutenção, sem prejuízo das vedações dispostas no § 1º  do art. 3º da IN RFB nº 1.781/2017.

Ou seja, de acordo com a nova regulamentação, todos os bens admitidos no Repetro até 31 de dezembro de 2017 permaneceram sujeitos às regras anteriores ao Decreto nº 9.128/2017, sem a obrigação de o beneficiário migrar para as novas regras, exceto pelo exercício de sua opção (faculdade) até 31 de dezembro de 2020 [6].

Tem-se, com isso, que no âmbito da legislação federal, o Repetro não assumiu quaisquer classificações (originário, Sped e/ou industrialização [7]). Na nossa visão, o que a legislação fez foi se adequar aos novos modelos de negócios da indústria e exploração de óleo e gás, conciliando as necessidades do setor às normas que definiam o regime aduaneiro, sem criar, necessariamente, tipos de Repetro.

A rigor, a classificação em Repetro, Repetro-Sped e Repetro-industrialização foi atribuída pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), no exercício de suas competências, ao regulamentar a matéria, conforme se observa das Instruções Normativas RFB 1.415/2013, 1.781/2017 e 1.901/2019.

Convém salientar que, no tocante ao termo Repetro, que aqui tomamos a liberdade de intitular originário, este passou a ser utilizado pela RFB apenas para denominar o regime cujas regras eram vigentes e anteriores ao Decreto nº 9.128/2017.

O Repetro-Sped, posterior ao Decreto nº 9.128/2017, refletiu outros interesses, notadamente a intenção de tornar mais claras as regras de tributação quanto ao direito de dedutibilidade dos gastos com atividades de pesquisa e desenvolvimento de projetos relativos à produção de petróleo na apuração de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Adicionalmente, para reduzir a litigiosidade, o legislador resolveu demarcar o conceito de "gastos dedutíveis", atualizando a terminologia das atividades de prospecção, desenvolvimento e extração em suas respectivas fases.

O que antes era um regime aplicado aos bens destinados às atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural (Repetro originário), passou a ser regime aplicado aos bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, que absorveu a pesquisa e a lavra nas fases de cada atividade (Repetro-Sped). As mudanças atinentes às terminologias se deram em parte para atender às normas de apuração dos tributos com previsão de dedutibilidade de gastos.

Ao acrescer o "sufixo" Sped, fê-lo como forma de se apropriar da nomenclatura já utilizada para os sistemas informatizados de transmissão de informações fiscais no cumprimento das obrigações acessórias. Desta forma, em nosso entender, não trouxe efetivamente qualquer mudança capaz de exigir a criação de uma nova modalidade de Repetro ou permitir a extinção do modelo existente, tão somente estabeleceu um marco temporal para aplicação das regras inseridas pelo Decreto nº 9.128/2017, com expressa disposição do efeito prospectivo das novas normas.

Ainda que se trate de uma denominação criada pela Receita Federal, por meio de instrumento secundário introdutor de normas (instrução normativa), adotam-se as classificações para auxiliar na correta distinção das modalidades [8].

Vale lembrar que o ciclo do Repetro — originário ou Sped — envolve duas fases absolutamente distintas, quais sejam: (1) a de fabricação/construção do ativo no país, na qual o fabricante [9] fica dispensado de qualquer forma de habilitação ao Repetro — originário ou Sped, e (2) a fase de utilização econômica do ativo no país pela operadora, contratada ou subcontratada, na qual estão os entes autorizados a exercer as atividades de exploração, desenvolvimento e produção do petróleo no país, exigida a habilitação ao Repetro — originário ou Sped.

Sobre os beneficiários do Repetro-Sped, é importante advertir que os fabricantes e as empresas comerciais exportadoras, apesar de realizarem os atos de exportação previstos nas normas, estão dispensados de habilitação ao regime. O Repetro-Sped, assim como já funciona no Repetro originário, será concedido exclusivamente para quem realiza a importação do bem manufaturado, seja a operadora (detentora de concessão, autorização, cessão ou contrato de partilha de produção para exercício no País das atividades de pesquisa, lavra, produção de petróleo e gás natural), a contratada indicada pela operadora ou a sua respectiva subcontratada para prestar os serviços nos campos de petróleo, todas sediadas e estabelecidas no Brasil.

Logo, em se tratando de Repetro — originário e Sped — nunca haverá habilitação do fabricante (final ou intermediário) dos bens destinados às atividades do setor ou da empresa comercial exportadora, por expressa disposição legal.

Note-se que as novas normas atinentes ao Repetro-Sped não trouxeram qualquer limitação à fruição do regime na cadeia produtiva, muito pelo contrário, houve a inclusão de mais um modelo perpetrado pela possibilidade de venda de produtos finais fabricados no País diretamente para os beneficiários do Repetro-Sped (leia-se: empresas operadoras, suas contratadas ou subcontratadas), desde que os fabricantes estejam devidamente habilitados ao Repetro-industrialização, sem prejuízo dos demais regimes aduaneiros já utilizados na cadeia.

Noutros termos, o Repetro-Sped adicionou um mecanismo capaz de viabilizar a venda interna dos produtos finais fabricados no país diretamente para empresa habilitada ao regime, preservada a "suspensão" dos tributos incidentes (artigo 10 e 27 da IN RFB nº 1.901/2019 — Repetro-industrialização).

O que se observa, portanto, é que a inclusão deste tratamento não revogou a possibilidade de utilização de outros regimes aduaneiros especiais como o drawback ou o entreposto aduaneiro pelos fabricantes intermediários ou finais que não têm vínculo direto ou indireto com as empresas beneficiárias do Repetro — originário ou Sped —, mas que estão na cadeia produtiva. O Repetro-industrialização trouxe mais uma operação especial que se adequa ao específico e novo modelo de negócio de alguns fabricantes.

Quer-se com isso dizer que a instituição do Repetro-industrialização não concentrou em si o único meio de garantir um regime fiscal suspensivo às importações e aquisições no mercado interno de produtos destinados ao ciclo fornecedor do setor óleo e gás pelos fabricantes nacionais. Por isso, torna-se equivocada qualquer pretensão de limitar os benefícios aplicáveis à cadeia apenas aos fabricantes que tem vínculo direto ou indireto com as empresas operadora, contratada ou subcontratada para explorar os bens no Brasil, como tentou fazer o Convênio ICMS nº 220/2019 [10].

Por uma razão muito simples, os modelos de negócio que não envolvem a contratação direta ou indireta dos fabricantes finais ou intermediários dos ativos por empresa habilitada ao Repetro-Sped, não há possibilidade de habilitação do Repetro-industrialização, circunstância que não os descarta da operação.

Para melhor compreensão, faz sentido trazer dois casos exemplificativos.

No primeiro, consideremos uma empresa estrangeira como a contratante/adquirente dos ativos fabricados no Brasil. Enquanto empresa estrangeira, elas jamais poderia estar habilitada a quaisquer das modalidades de Repetro — originário ou Sped. Logo, por decorrência lógica, nenhuma modalidade de Repetro — originário, Sped ou industrialização — se adequaria ao contratado/fabricante, exceto seu expresso direito de realizar a exportação, se for o caso, nos termos do inciso I do artigo 2º da IN RFB nº 1781/2019.

No segundo caso, imaginemos uma venda dos ativos para uma ECE (empresa comercial exportadora), destinos à exportação para serem totalmente incorporados ao produto final pela contratante/adquirente do bem no exterior. Mais uma vez, não há qualquer vínculo contratual, ainda que indireto, do fabricante final ou intermediário com a empresa beneficiária do Repetro — originário ou Sped — situada no país; inexistente, portanto, qualquer possibilidade de habilitação do fabricante nacional ao referido regime, em quaisquer das modalidades.

Decerto, as operações dos fabricantes finais e intermediários localizados no País, compras no exterior e no mercado interno de bens e mercadorias aplicados ao processo produtivo de bens destinados à exportação, mesmo que sem vínculo contratual com empresa habilitada ao Repetro, são, sem sombra de dúvidas, circunstâncias que se subsomem aos tratamentos tributário e aduaneiro diferenciados e disponíveis no ordenamento jurídico nacional.

Não por outro motivo, o fabricante final ou intermediário ao amparar as suas aquisições em regimes como o drawback integrado suspensão ou no entreposto aduaneiro, cumpre rigorosamente as normas que permitem a concessão dos referidos regimes, assim como mantêm-se alinhado às regras que autorizam a exportação sem saída do território nacional, desde que exista uma importação subsequente sob guarida do Repetro — originário ou Sped, sem que isso represente a cumulação indevida de benefícios fiscais.

Desse modo, o fabricante intermediário ou final, quando não se enquadrar nas hipóteses de habilitação ao Repetro-industrialização, poderá fruir dos regimes aduaneiros suspensivos, conforme cada caso, sem risco de inconformidade. Por essa razão, repetimos que o Repetro-industrialização é não é a única via, mas uma das vias possíveis de acordo com cada modelo de negócio praticado pelo setor.

 


[1] No CAU (Código Aduaneiro Europeu), artigos 210 a 262, são indicados quatro regimes aduaneiros especiais, desdobrados em dois cada um, sendo eles: (1) Trânsito: interno e externo, (2) Armazenamento: entreposto aduaneiro e zonas francas; (3) Utilização específica: importação temporária e destino especial; (4) Aperfeiçoamento: ativo e passivo. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32013R0952&from=PT. Acesso em 23/6/22.

[2] Duas obras referência sobre os regimes aduaneiros especiais: FILHO, Osiris de Azevedo Lopes. Regimes Aduaneiros Especiais. São Paulo: RT, 1983. MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes Aduaneiros Especiais. São Paulo: IOB, 2002.

[3] Nos referimos ao fato de que o Repetro, como veremos no texto, engloba três tratamentos aduaneiros e tributários especiais específicos, quais sejam a exportação sem saída do território nacional, a admissão temporária e o drawback suspensão, conforme previsto no artig 458, I a III, do RA/09.

[4] Neste passo, o Decreto nº 3.161, de 02 de setembro de 1999, que instituiu o Repetro, fora então revogado pelo Decreto nº 4.543, de 27 de dezembro de 2002, que, por sua vez, fora revogado pelo Decreto nº 6.759/2009, o atual Regulamento Aduaneiro (RA).

[5] Produção de efeitos a partir de 1 de janeiro de 2018. Tem como fundamento de validade a Medida Provisória 795, de 17 de agosto de 2017, convertida na Lei nº 13.586/2017.

[6] Decreto nº 9.128/2017, Art. 2º (…), Parágrafo único. Opcionalmente, na forma disciplinada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, os bens de que trata o caput poderão, até 31 de dezembro de 2020, migrar para as novas regras do Repetro dispostas neste Decreto.

[7] Sem prejuízo de classificar como Repetro Sped-industrialização.

[8] Essa realidade também se concretizou em relação a outro regime aduaneiro especial, o Recof (RA, arts. 420 a 426) que, na essência é o mesmo regime, mas tem duas modalidades reguladas pela RFB; a originária — IN nº 1.291/2012 — e a Sped — IN nº 1.612/2016.

[9] Exceto nas hipóteses em que cabe a habilitação ao Repetro-industrialização.

[10] Os Estados, reunidos no âmbito do Confaz, publicaram o Convênio ICMS nº 220/2019 com graves erros de idenficação e classificação do Repetro. Além de vícios na adoção das terminologias, o respectivo Convênio limitou os benefícios no âmbito do ICMS apenas aos fabricantes que teriam condições de se habilitar ao Repetro-industrilização. Pelo texto do convênio ficou evidente que os estados desconheciam os modelos de negócio existentes e, equivocadamente, interpretaram esse regime como o único aplicável a todo e qualquer fabricante a partir de 2019, ano em que foi instituído o Repetro-industrialização, excluindo boa parte da indústria nacional da política desonerativa do ICMS.

Autores

  • é sócio-fundador da HLL Advogados, mestre em Direito pela UFMG, pós-graduado em Direito Aduaneiro Europeu pela Universidade Católica de Lisboa, multiplicador do Programa OEA da RFB, fundador e presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-MG, acadêmico da International Customs Law Academy (Icla) e professor de pós-graduação na PUC-MG, Enap, IBDT, Ibmec e Cedin.

  • é doutora e mestre em direito tributário pela PUC/SP, professora em cursos de pós-graduação (Ibet, PUC/SP e Mackenzie). Sócia fundadora do FH Advogados.

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