Opinião

A favor da inclusão, mas sem esquecer a LGPD nos programas de diversidade

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28 de junho de 2022, 18h16

Por que empresas têm implementado programas de diversidade? Com o objetivo de garantir um ambiente de trabalho sem preconceito e discriminação, muitas empresas buscam a implementação de programas de diversidade, que corresponde, entre outros aspectos, à concretização do compromisso das companhias com pautas e princípios ESG ("Environment, Social & Governance"). Os programas de diversidade, portanto, correspondem a um importante diferencial em relação à imagem da empresa em si, ao mesmo tempo em que podem representar benefícios concretos para os negócios.

E no Brasil, a implementação de programas de diversidade é uma realidade? De acordo com a 13ª Pesquisa Aon de Benefícios 2020/2021, de 808 empresas, de trinta segmentos, localizadas em todas as regiões do Brasil, 39,7% já possuem estratégias corporativas e cultura interna sobre diversidade e inclusão, sendo que 44,2% delas consideram estar avançadas em suas políticas sobre o tema. Isso demonstra uma clara e crescente preocupação das organizações brasileiras com o assunto.

De que forma as empresas têm implementado programas de diversidade? Com o objetivo de constituir ambiente onde há respeito e oportunidades iguais de crescimento, as empresas buscam realizar um diagnóstico do próprio cenário de diversidade para, em seguida, criar um plano de ação e, então, implementar seu programa de inclusão com base na realidade apresentada.

Há inúmeras frentes que podem ser abordadas e exploradas por empresas para a implementação de programas de diversidade, como criação de políticas que estabeleçam ações voltadas à inclusão de certos grupos de pessoas, a partir de suas especificidades e necessidades; foco na educação corporativa para mudança da cultura organizacional; desenvolvimento de lideranças diversas; e implementação de processos seletivos com foco na diversidade. Nesse contexto, verificamos que, em grande parte, os programas são voltados à inclusão de pessoas com deficiência física, mulheres, pessoas negras e pertencentes à comunidade LGBTQIA+, maiores de 60 anos, além de refugiados e indígenas.

Programas de diversidade e dados pessoais
Quem tem dados pessoais tratados no âmbito de programas de diversidade? Ao implementar programas de diversidade, criando, assim, campanhas e políticas sobre o tema, empresas podem necessitar tratar dados pessoais de:

Candidatos: desde a fase da etapa de recrutamento e seleção, com o objetivo de garantir a contratação de novos colaboradores de acordo com a política de diversidade implementada; e

Colaboradores: com o objetivo, por exemplo, de mensurar a diversidade existente em seu quadro de colaboradores e, assim, evoluir com indicadores, aprimorando processos internos.

Quais são os tipos de dados tratados pelas empresas nesses programas?  Ao considerar o objetivo dos programas de diversidade em garantir a inclusão de determinados grupos de pessoas, na maioria dos casos, empresas necessitam tratar dados classificados como sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados, como dados relativos à origem racial ou étnica, à saúde e à vida sexual dos titulares (artigo 5º, II, LGPD). Esses dados são classificados como sensíveis na medida em que podem trazer algum tipo de discriminação no momento de seu tratamento, podendo implicar riscos e vulnerabilidades potencialmente mais gravosas aos direitos e às liberdades fundamentais de seus titulares.

E, afinal, o que isso significa na prática? Empresas, enquanto agentes de tratamento de dados sensíveis, devem reconhecer que esses dados exigem maior proteção técnica e organizacional e, assim, implementar proteções adicionais quando da coleta/acesso/uso/armazenamento deles.

Portanto, uma empresa que deseja implementar um programa de diversidade deve se atentar que essa implementação corresponde, na maioria das vezes, ao tratamento de dados sensíveis de colaboradores e/ou candidatos, de forma que esses dados exigem proteção adicional, a fim de que seu tratamento não cause situações de discriminação dos titulares. Sob esse aspecto, inclusive, vale ressaltar que a implementação desses programas pelas empresas objetiva a inclusão de determinados grupos específicos por meio do combate a situações de discriminação já sofridas por eles na prática.

Processos seletivos
Como as empresas costumam fazer quando desejam implementar processo seletivo baseado em seu programa de diversidade? As empresas costumam anunciar que determinada vaga de emprego é destinada a pessoas pertencentes a um dos grupos específicos: PCD, mulheres, pessoas negras, comunidade LGBTQIA+, entre outros. Nesses casos, as empresas têm por objetivo, exclusivamente, a contratação de pessoas que pertencem a um ou mais grupos. Dessa forma, ainda na primeira etapa do processo seletivo, é questionado aos candidatos se eles pertencem aos grupos mencionados e, já com essa informação específica, a empresa decide se o ele cumpre outros requisitos pessoais e/ou profissionais definidos para a vaga.

E agora, como realizar um processo seletivo com base em um programa de diversidade?

Passo a passo para estar em conformidade com a LGPD
Ao contrário do que muitos pensam, é possível a realização de atividades de tratamento de dados sensíveis de candidatos em processos seletivos, não havendo vedação expressa na LGPD. Contudo, é imprescindível a fundamentação da coleta e o uso dessas informações dos candidatos em uma das bases legais previstas no artigo 11, bem como a observância de todos os princípios elencados no art. 6º da Lei.

Abaixo, passo a passo de medidas mínimas que devem ser observadas no momento da construção do processo seletivo:

Qual base legal devo utilizar para esse tratamento de dados? Obtenha o consentimento dos candidatos! De todas as hipóteses legais previstas no artigo 11 da LGPD, considerando a finalidade das atividades de tratamento dos dados sensíveis dos colaboradores durante o processo seletivo, o consentimento, previsto no artigo 11, I, da LGPD, é a base legal mais adequada.

Como obter consentimento dos candidatos de acordo com a LGPD? O consentimento deve ser fornecido de maneira livre (ou seja, requisito não condicionante para a candidatura à vaga), informada (o candidato deve ter ciência, de maneira prévia, sobre as principais informações envolvendo o tratamento de seus dados sensíveis), inequívoca (o candidato deve manifestar o seu desejo em ter seus dados sensíveis tratados por meio de uma ação positiva e afirmativa) e específica e em destaque (deve ser fornecido, de forma específica, para cada uma das finalidades pretendidas, sendo nulo o consentimento genérico).

Assim, o candidato precisa ter previamente todas as informações sobre como seus dados serão tratados, para expressar se concorda ou não com o tratamento. Se concordar, ele deve expressar essa permissão de modo que fique registrado, seja por meio de clique na caixinha de "Aceito" ou até mesmo com assinatura de um documento. Ainda, é importante permitir que o candidato realize sua inscrição no processo seletivo sem necessariamente fornecer seus dados sensíveis (o que pode ocorrer por meio da disponibilização de uma caixinha com "prefiro não dizer", por exemplo), cabendo à empresa decidir ou não pelo prosseguimento do candidato que preferiu não fornecer determinado dado sensível.

E depois da coleta, como gerenciar o consentimento dos candidatos? As organizações deverão manter o registro de que o consentimento foi coletado em conformidade com a LGPD e de que foi garantida a sua posterior revogação ao candidato, permitindo prestação de contas, caso solicitado pelo próprio candidato ou por quaisquer autoridades competentes. Ainda, devem ser garantidos aos candidatos todos os direitos previstos na LGPD, em especial os de negativa e/ou revogação do consentimento a qualquer momento, bem como de informação sobre consequências da negativa do consentimento, sendo necessária a adoção de procedimento que garanta um canal de atendimento às suas requisições dos titulares.

E se o consentimento for revogado pelo candidato, o que acontece? O candidato pode revogar o consentimento dado para finalidade especificada pela empresa (como viabilizar a candidatura a uma vaga destinada a determinado grupo de pessoas) a qualquer momento. A LGPD impõe que essa revogação deve ocorrer por meio de procedimento gratuito e facilitado, sendo fundamental, assim, que as companhias implementem medidas que garantam a revogação. Nos casos em que o candidato decida pela revogação, a lei determina que tanto a coleta quanto o uso dos dados sensíveis  que ocorreu sob o amparo do consentimento anteriormente fornecido — deve ser ratificado. Além disso, a empresa deve garantir que haverá o término do tratamento dos dados sensíveis dos candidatos em virtude da revogação do consentimento. Por fim, se o candidato também solicitar a eliminação dos dados sensíveis, as companhias devem fazê-lo, já que esse é um direito garantido aos titulares de dados nesses casos pela LGPD.

Resta evidente, portanto, que com a entrada em vigor da LGPD, as empresas precisam estar atentas e implementar uma série de medidas que garantam o respeito ao consentimento dos candidatos em processos seletivos para programas de diversidade, devendo ser o procedimento realizando em conformidade com a Lei (correspondendo a uma manifestação livre, informada, inequívoca e específica desse titular). As organizações devem, ainda, implementar medidas a fim de o consentimento ser devidamente gerido por elas, garantindo que todos os direitos dos candidatos sejam devidamente respeitados. É imprescindível que as empresas observem todos os princípios elencados no artigo 6º da LGPD.

E em relação aos princípios, como as empresas devem fazer para observá-los? De forma prática, abaixo estão algumas recomendações que podem ser adotadas por empresas que queiram garantir a observância dos princípios elencados no artigo 6º da LGPD:

Não utilize dados para outras finalidades que não aquelas informadas aos candidatos (princípio da finalidade, artigo 6º, I, LGPD);
Informe aos candidatos sobre como os dados sensíveis serão tratados pela no âmbito do processo seletivo (princípio da transparência, artigo 6º, VI, LGPD);
Garanta que os dados sensíveis tratados sejam estritamente necessários à implementação de um processo seletivo baseado no programa de diversidade da empresa (princípios da adequação e da necessidade, artigo 6º, II e III, LGPD);
Garanta que os dados sensíveis não serão tratados por período excessivo ao necessário (princípio da necessidade, artigo 6º, III, LGPD);
Garanta que os dados não serão utilizados para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos (princípio da não-discriminação, artigo 6º, IX, LGPD);
Garanta que os titulares terão acesso aos dados tratados no âmbito do processo seletivo (princípio do livre acesso, artigo 6º, IV, LGPD);
Garanta que os dados sejam acessados apenas por pessoas autorizadas (princípio da segurança, artigo 6º, VII, LGPD);
Implemente medidas para prevenir a ocorrência de danos aos titulares em virtude do tratamento de seus dados sensíveis (princípio da prevenção, artigo 6º, VIII, LGPD); e
Seja capaz de demonstrar adoção e eficácia de medidas que para cumprimento da legislação de proteção de dados (princípio da responsabilização e prestação de contas, artigo 6º, X, LGPD).

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