Justiça Tributária

O sofrimento dos aposentados com o Imposto de Renda e os JCP

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

27 de junho de 2022, 8h04

Diferentemente do que ocorre com os tributos sobre o consumo, (ICMS, por exemplo), que são indiretos, o Imposto de Renda (IR) é direto, ou seja, recai diretamente sobre a capacidade contributiva das pessoas. A ideia é apurar exatamente o quanto de "renda" a pessoa auferiu no período, descontando as despesas mais relevantes e tributando o saldo.

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No Brasil isso ocorre com mais precisão no que se refere ao IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas), quando apurado através do sistema de "lucro real", porém, mesmo assim, ainda possui distorções, por exemplo, quando limita a compensação de prejuízos. Quem paga IRPJ através do sistema de "lucro presumido" pode ter que pagar esse tributo mesmo que não tenha lucro… Neste caso, prevalece o princípio da praticidade, pois os mecanismos de pagamento são mais fáceis que a complexa sistemática de apuração do "lucro real". O contribuinte é quem escolhe a melhor forma de apuração do imposto, com exceções.

A coisa se complica de vez quando se analisa o  Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), pois muitos gastos sequer são apurados devidamente. Um exemplo bastante emblemático: é possível ter sido gasto uma fortuna com educação (própria ou de seus dependentes), mas o valor permitido de desconto é de apenas R$ 3.561,50, por ano! Assim, a capacidade contributiva fica comprometida. Os exemplos poderiam se multiplicar.

Vou centrar atenção no IRPF dos aposentados, pois, para estes, a situação é muito mais perversa.

Parto do pressuposto que é usual os aposentados terem mais de uma fonte de renda tributável, pois muitos se aposentam ainda em condições de trabalho, e retornam ao batente, o que é muito bom. Quem recebe uma aposentadoria do INSS e retorna a trabalhar se depara com um problema, que é o da somatória das fontes.

Explico: a primeira alíquota do IRPF é de 7,5%, a segunda é de 15%, a terceira é de 22,5% e a última é de 27,5%, sendo que esta é aplicável para quem ganha acima de R$ 4.664,68 por mês. Assim, quem recebe de uma fonte (que pode ser a da aposentadoria), sob a alíquota de 15%, e tem uma segunda fonte de renda tributada sob a mesma alíquota, ao declarar o IRPF terá as duas fontes de rendimentos somadas, o que seguramente elevará a tributação para uma alíquota superior, fazendo com que inexoravelmente tenha que pagar mais tributo do que os descontos efetuados na fonte.

É preciso acrescer mais uma informação: quem possui acima de 65 anos, usualmente aposentado, têm um limite de isenção de proventos até o valor anual de R$ 24.751,74, que corresponde ao limite máximo de isenção para todos (R$ 22.847,76), somado ao 13º salário igualmente isento (R$ 1.903,98). O que ultrapassar esse montante é tributado normalmente de acordo com a tabela progressiva do IRPF.

Por exemplo: quem recebe R$ 3.300,00 mensais de uma fonte e recebe R$ 3.800,00 de outra fonte, ao invés de permanecer sob a alíquota de 15%, que incidiu na fonte sobre cada qual desses rendimentos, verá que ao fazer a declaração os valores recebidos serão somados, acarretando que a alíquota passe a ser de 27,5%, gerando saldo a pagar de IRPF. Colocando em números, e considerando a isenção para quem tem 65 anos ou mais: uma parcela da receita auferida com a primeira fonte será isenta (até R$ 24.751,74), o saldo de R$ 18.148,26 será somado ao valor da segunda fonte de renda, que é de R$ 48.100,00 (R$ 3.800,00 x 13), gerando uma base tributável de R$ 67.548,26 sob a alíquota de 27,5%.

Claro que simplifiquei o exemplo, abstraindo os abatimentos que possam ser aplicados, em especial os gastos com saúde, dentre outros aspectos.

Onde reside a iniquidade? No fato de que uma fonte de renda decorre do trabalho atual (a segunda) e a outra decorre de uma retribuição pelo trabalho já realizado (a aposentadoria). Eis mais um caso de divergência entre o direito (que busca a Justiça) e a matemática (que busca a exatidão).

Como resolver esse problema matemático à luz da Justiça?

Estabelecer que o valor recebido de aposentadoria seja exclusivamente tributado na fonte, tal como são os rendimentos das aplicações financeiras e os Juros sobre o Capital Próprio (JCP). Aliás, com um pouco de imaginação, seria possível afirmar que as aposentadorias se caracterizam como uma espécie de JCP — Juros sobre o Capital Próprio, não? Os JCP são uma espécie de juros que a empresa deve aos seus sócios pelo empréstimo de capital, pois, ao iniciar uma empresa, os empresários integralizam recursos na sociedade e recebem JCP em razão disso, que são tributados exclusivamente na fonte.

Considerando que o capital humano foi utilizado ao longo do tempo, o que gera o pagamento de aposentadoria, seu valor deve ser tributado tal qual os JCP, exclusivamente na fonte, pela alíquota de 15%, não recompondo o valor a ser tributado com outras eventuais fontes que existam.

Isso resolveria o problema dos aposentados, tenham ou não outras fontes de renda, ou mesmo que recebam acima dos atuais R$ 24.751,74 anuais (para quem tem mais de 65 anos). Claro que a isenção até esse montante teria que ser mantida, a fim de evitar outras iniquidades.

Afinal, porque não dar às aposentadorias (e às pensões) o mesmo tratamento que se dá aos JCP? Não há justificativa plausível, devendo ambos serem tributados pela mesma alíquota de 15%, exclusivamente na fonte, mantida a atual faixa de isenção para as aposentadorias.

Quem sabe algum parlamentar se anime e apresente essa proposta para debate no Congresso.

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    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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