Deus é fiel

Igreja não tem exclusividade sobre expressão quadrangular, decide TJ-SP

Autor

24 de junho de 2022, 8h23

A fé não é um produto e sua propagação, divulgação e culto não são serviços para serem disponibilizados em mercado; por isso, não existe uma concorrência propriamente dita entre igrejas.

Igreja do Evangelho Quadrangular
Igreja do Evangelho QuadrangularExpressão "quadrangular" foi alvo de disputa judicial entre duas igrejas evangélicas

Com esse entendimento, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de primeiro grau que impedia uma igreja evangélica de usar a expressão "quadrangular" em seu nome, além de ter que indenizar por danos materiais e morais.

A ação foi movida pela Igreja Evangelho Quadrangular contra a Igreja Quadrangular Família Global com o argumento de que teria o registro da marca "quadrangular" junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Mas a relatora do acórdão, desembargadora Jane Franco Martins, disse que, embora a Lei de Propriedade Intelectual (Lei 9.279/96) preveja a proteção marcária, tal direito não é absoluto e deve ser analisado quando confrontado com outros direitos constitucionais.

"O próprio legislador infraconstitucional cuidou de prever hipóteses excepcionais, a exemplo da vedação ao registro de marca que atente contra a liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração, nos termos do artigo 124, III, do referido diploma. Outra não poderia ser a conclusão, haja vista que a Constituição Federal resguarda expressamente dentre o rol direitos fundamentais, em seu artigo 5º, VI, a liberdade religiosa", disse.

Neste cenário, a relatora afirmou que a expressão "quadrangular", muito além de deter conotação religiosa, é responsável por designar uma vertente religiosa oriunda do cristianismo protestante pentecostal. Assim, para ela, não é possível que uma única instituição ostente, com exclusividade, a designação de "quadrangular", em detrimento de todos os demais fiéis que porventura pretendam professar tal fé.

"No caso concreto, restou demonstrado que a igreja ré (ora apelante) não se utiliza da marca identificativa da igreja autora, de modo a buscar confundir os fiéis de que se trataria uma única associação religiosa. Nesse sentido, a partir de comparação entre as marcas institucionais das igrejas litigantes, permite-se verificar, de forma icto oculi, a inexistência de violação marcaria entre os conjuntos de imagem", acrescentou.

Segundo a magistrada, conferir exclusividade na utilização da marca "quadrangular" à igreja autora equivaleria a legitimar apenas a "Igreja Católica Apostólica Romana" a se identificar perante seus fiéis enquanto igreja de vertente católica ou, ainda, a atribuir apenas à "Igreja Pentecostal Deus é Amor" o direito de se identificar aos seus devotos como única igreja de vertente pentecostal.

"Ademais, destaca-se que a despeito da proteção da marca conferida pelo Instituto Nacional de Propriedade à igreja autora, esta não desenvolve nenhuma atividade econômica no mercado, não havendo de se falar em concorrência propriamente dita, na medida em que a fé não pode ser tratada, permissa venia, como um produto e os fiéis, prima facie, não se equiparam a consumidores", afirmou Martins.

A magistrada concluiu, dessa forma, que não é possível uma norma infraconstitucional, no caso, a Lei de Propriedade Intelectual, prevalecer em face da liberdade religiosa, direito fundamental assegurado no artigo 5º, VI, da Constituição Federal. 

Divergência
A decisão foi tomada por maioria de votos, em julgamento estendido. O relator sorteado, desembargador Azuma Nishi, ficou vencido, junto com o quinto juiz. Para Nishi, a proteção marcária incide em todos os ramos de atuação existentes, de forma indistinta, o que também inclui atividades religiosas e assistenciais.

"A recorrida não pode utilizar de marca registrada de terceiro, sob a justificativa de que o elemento grafado tem jaez religioso. Ainda que a expressão 'quadrangular' tenha conotação espiritual, há que se considerar que o Inpi a reconheceu enquanto marca nominativa, registrando-a, sob a titularidade da autora, na classe de serviços comunitários, filantrópicos e beneficentes", disse.

O magistrado também ressaltou que o próprio Inpi recusou o registro da marca pretendida pela ré ("Quadrangular Família Global"), sob a justificativa de que a palavra “quadrangular” já consta da marca da autora, sob proteção nominativa, sendo vedada a replicação. Assim, para Nishi, a igreja ré se apropriou indevidamente da marca da autora. 

Clique aqui para ler o acórdão
1022995-83.2020.8.26.0100

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!