País dividido

Revogado Roe v. Wade, caberá a cada estado dos EUA legislar sobre o aborto

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24 de junho de 2022, 16h43

A decisão desta sexta-feira (24/6) da Suprema Corte dos EUA apenas revogou o precedente Roe v. Wade que, em 1973, legalizou o aborto em todo o país. Não acaba com o aborto. Agora caberá a cada estado legislar sobre o aborto.

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O novo panorama é o de que alguns estados irão banir o aborto (alguns deles irão até mesmo criminalizar o procedimento, com penas de prisão), outros estados irão legalizar o aborto (ou manter suas leis que já o fazem) e outros irão apenas criar, através de legislação, restrições ao aborto (como proibi-lo após tantas semanas de gestação).

A transferência da responsabilidade de legislar sobre o aborto está expressa na decisão da maioria, escrita pelo ministro Samuel Alito, cuja versão oficial foi divulgada nesta sexta-feira (depois da minuta do voto ter vazado em maio):

"[A decisão] Roe v. Wade foi clamorosamente errada desde o início. Seu fundamento foi excepcionalmente fraco e a decisão teve consequências danosas. E, longe de trazer um consenso nacional sobre a questão do aborto, [os precedentes] Roe e Casey (Planned Parenthood v. Casey) inflamaram o debate e aprofundaram a divisão. Está na hora de dar importância à Constituição e retornar a questão do aborto aos representantes eleitos pelo povo", escreveu Alito.

A decisão foi tomada por 6 votos a 3 (os votos dos seis ministros conservadores da corte contra os dos três ministros liberais), em Dobbs v. Jackson Women’s Health, uma ação movida pelo estado de Mississipi, que proibia o aborto após a 15ª semana de gravidez.

O presidente da corte, ministro John Roberts, votou com a maioria, mas criticou seus colegas conservadores por irem além do que Mississippi pediu e reverter Roe e Casey — este último um precedente que reafirmou o direito ao aborto em todo o país.

O voto da minoria, escrito pelo ministro Stephen Breyer, com adesão das ministras Sonia Sotomayor e Elena Kagan, foi, basicamente, um voto de protesto:

"A maioria revogou [os precedentes] Roe e Casey por uma e apenas uma razão: ela sempre os desprezou e, agora, tem os votos para se desfazer deles. Assim, a maioria está substituindo a regra jurídica pela regra dos juízes", escreveu Breyer.

"A maioria deixa para os estados [a responsabilidade de] banir o aborto, a partir da concepção, porque não pensa que o parto forçado implica, de maneira alguma, [a violação] dos direitos da mulher à igualdade e liberdade (…). Um estado pode forçar uma mulher a levar a gravidez até o fim, mesmo a custos pessoais e familiares excessivos."

"Leis engatilhadas"
Entre os que vão banir o aborto em seu território, 13 estados aprovaram com antecedência "trigger laws" — leis engatilhadas para disparar quando a Suprema Corte revogasse oficialmente Roe v. Wade. Algumas leis entram em vigor no minuto que uma autoridade estadual certificar a decisão da Suprema Corte, outras dentro de 30 dias.

Todos são estados sob controle republicano do governo e da assembleia legislativa: Texas, Utah, Idaho, Wyoming, Dakota do Sul, Dakota do Norte, Oklahoma, Missouri, Arkansas, Louisiana, Mississippi, Tennessee e Kentucky.

Estados que, provavelmente, irão banir o aborto
Alguns estados têm leis antiaborto que foram bloqueadas pela justiça ou legislação à espera da decisão da Suprema Corte. Todos são, também, estados republicanos: Alabama, Geórgia, Carolina do Sul, Iowa, Indiana, Ohio e West Virginia.

Estados em cima do muro
Em alguns estados, o futuro do aborto está indefinido, essencialmente porque não há maioria republicana ou democrata. É preciso esperar o resultado das eleições de novembro para governador e assembleia legislativa, para se saber o que vai acontecer. Ou porque o estado ainda não assumiu uma posição definitiva.

São eles: Flórida, Arizona, Pensilvânia, Virgínia, Carolina do Norte, Michigan, Wisconsin, Montana, Nebraska e Kansas. Alguns desses estados poderão apenas criar restrições ao aborto. A Flórida, por exemplo, já tem uma lei que proíbe o aborto após a 15ª semana de gestação.

Estados com leis pró-aborto
Muitos estados já têm lei pró-aborto ou já prepararam leis que, provavelmente, irão ser aprovadas nas próximas semanas ou meses. Na maioria, são estados solidamente democratas — mas nem todos: há estados em que o controle partidário muda de uma eleição para outra.

São eles: Califórnia, Nova York, Oregon, Washington, Nevada, New Mexico, Colorado, Minnesota, Illinois, Havaí, Alaska (tradicionalmente, republicano), New Jersey, Maryland, Connecticut, Massachusetts, Rhode Island, Vermont, New Hampshire e Maine.

Exceções
Todas as leis estaduais antiaborto abrem exceção para a necessidade de salvar a vida da mulher. Mas a maioria delas não inclui exceções para casos de estupro e incesto. Da ótica do pais, a legislação sobre o aborto será uma colcha de retalhos.

Próxima luta republicana
A presidente da Câmara dos Deputados, a democrata Nancy Pelosi, advertiu que a próxima luta dos republicanos será levar um caso à Suprema Corte, sob o domínio conservador-republicano, para banir o aborto em todo o país. Ou fazer isso no próprio Congresso, se ganhar maioria suficiente na Câmara e no Senado nas eleições vindouras.

Turismo do aborto
Os estados desunidos da "América" na questão do aborto terão um novo fenômeno: o turismo do aborto. Mulheres residentes em estados antiaborto irão viajar para estados pró-aborto para realizar o procedimento. Uma das principais razões, entre outras, é a de que, nos EUA, ficar grávida e ter um filho pode ser um problema para a mulher no emprego. Várias instituições estão se preparando para financiar essas viagens.

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