Opinião

Cultura e Lazer: direitos fundamentais de segunda categoria?

Autor

  • Allan Carlos Moreira Magalhães

    é doutor e pós-doutor em Direito (Unifor) professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e autor do livro Patrimônio Cultural Democracia e Federalismo (Dialética-SP).

22 de junho de 2022, 19h27

A diversidade cultural, característica do povo brasileiro, reconhecida pela Constituição de 1988, é direta e indiretamente responsável por um variado conjunto de manifestações culturais e celebrações como os festejos juninos que ocorrem predominantemente no mês de junho, em especial, na região Nordeste.

Essa tradição cultural trazida pelos portugueses para celebrar santos católicos (santo Antônio, são João, são Pedro e são Paulo) é um exemplo de manifestação cultural, dentre inúmeras outras que ocorrem por todo o país para celebrar valores culturais que envolvem também elementos de lazer e entretenimento, com impactos sociais e econômicos, e que contam com a promoção do poder público.

Contudo, alguns desses festejos têm chamado a atenção de órgãos públicos de fiscalização, da imprensa e da opinião pública pelo valor do cachê pago a artistas de fama nacional e os próprios custos, de modo geral, despendido pelos cofres públicos para promover esses eventos, o que inclusive tem sido objeto de demandas judiciais propostas pelo Ministério Público questionando essas despesas.

O MP aponta a desproporcionalidade entre os gastos com os festejos e a situação econômica e financeira do município que promove a festa. E, dentre os argumentos utilizados para reforçar essa desproporcionalidade, estão os custos relacionados à saúde e à educação, bem como o fato de o município ser pobre e dependente de repasses de recursos de outros entes federativos.

A solução apontada nas demandas judiciais para sanar essa desproporcionalidade é simplista e imediatista: proibir o show e a realização do festejo, e como consequência adicional acaba lançando suspeitas sobre as contratações de artistas tomando como referência o valor cobrado, considerando a existência de denúncias de superfaturamento e corrupção neste setor.

A comparação entre os custos com cultura e lazer de um lado e saúde e educação de outro é inadequada porque todos são direitos fundamentais (direitos culturais e direitos sociais) previstos nos Artigos 6 º e 216 da Constituição Federal, possuindo igual relevância e impondo ao Poder Público o dever de concretizá-los.

Ao ignorar a igual estatura constitucional desses direitos, o argumento comparativo de conferir preponderância ao direito à saúde e à educação coloca a cultura e o lazer na condição permanente de direitos de segunda ordem ou categoria, que só podem ser assegurados e efetivados, se e quando sobrarem recursos, o que nega aos habitantes dos municípios pobres o acesso aos seus direitos culturais.

A defesa do igual valor constitucional para os direitos sociais e culturais não implica a concordância com o uso irresponsável dos recursos públicos. Mas aponta para a complexidade do problema cuja solução não está em um simples cálculo aritmético, pois envolve valores culturais que não são quantificáveis, e que por isso demandam soluções que precisam ser construídas por processos democráticos, como a própria escolha dos artistas que serão contratados.

A participação dos Conselhos de Cultura e a realização de consultas públicas para uma construção participativa da programação dos festejos pode ser um caminho para democratizar essas escolhas, em que estes já devem saber previamente os valores a serem gastos pelo Poder Público na realização do evento, inclusive os cobrados pelos artistas que poderão ser contratados, de forma que seja dado o maior grau de transparência possível para o aprimoramento da participação democrática.

Assim, cultura e lazer não são direitos de segunda categoria, mas são direitos fundamentais que merecem um tratamento igual em relação aos demais pelas suas fundamentalidades, e desafia o Poder Público e as estruturas democráticas atuais a se reinventarem e envolverem a comunidade na construção das políticas culturais, inclusive como mecanismo de controle social e combate a corrupção.

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    é doutor em Direito, professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais, articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e autor do livro "Patrimônio Cultural, Democracia e Federalismo".

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