Consultor Jurídico

Brazuna e Toma: ICMS-antecipação no estado de São Paulo

22 de junho de 2022, 20h13

Por José Luis Ribeiro Brazuna, Edward Shindy Toma

imprimir

As mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária, referidas nos artigos 313-A a 313-Z20, do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, também estão sujeitas à sua subespécie denominada "ICMS-antecipação", prevista no artigo 426-A, do RICMS/00[1], segundo a qual, na entrada no território paulista, o contribuinte que constar como destinatário no documento fiscal deverá recolher antecipadamente o imposto correspondente: (i) à sua operação própria de saída (ICMS-próprio); e (ii) às operações subsequentes, na condição de sujeito passivo por substituição (ICMS-ST).

A exigência desse imposto não segue a ordem tradicionalmente vista na substituição tributária para frente, em que se exige a antecipação do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento do substituto, na medida em que o artigo 426-A impõe que o ICMS-próprio e o ICMS-ST sejam recolhidos: (i) pelo destinatário paulista que constar no documento fiscal; e (ii) na entrada da mercadoria no território desse estado.

Ambos os recolhimentos devem ser feitos de forma conjunta, sem distinção entre a parcela relativa ao ICMS-próprio e ao ICMS-ST, e em guia de recolhimentos especiais[2], o que inviabiliza, na prática, o pagamento desse imposto com o saldo credor controlado em Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA), sendo o dinheiro, em espécie, a única forma aceita para recebimento do valor correspondente.

Não é de se admirar, portanto, que esse tipo de recolhimento venha sufocando o fluxo de caixa das empresas paulistas. Afinal, o imposto deverá ser recolhido na entrada da mercadoria no estabelecimento, o que impossibilita a utilização do produto da venda para pagamento do tributo correspondente, além de incidir sobre um fato gerador presumido que pode não se realizar, sujeitando os contribuintes à tortuosa via do ressarcimento do imposto retido por sujeição passiva por substituição, prevista nas Portarias CAT 17/1999 e 42/2018.

Para além dos problemas de ordem prática, parece-nos que artigo 426-A, do RICMS/00, carece também de fundamento jurídico, sendo inconstitucional a sua exigência.

No dia 17/8/2020, foi concluído o julgamento do RE nº 598.677/RS, por meio do qual o STF apreciou o Tema nº 456 de repercussão geral e reconheceu a inconstitucionalidade da antecipação tributária do ICMS, sem substituição, no estado do Rio Grande do Sul.

 Para o Supremo, o que se antecipa, nesse tipo de regime, é o critério temporal da hipótese de incidência, sendo inconstitucionais a regulação da matéria por decreto do Poder Executivo e a correspondente delegação genérica contida em lei, já que o momento da ocorrência do fato gerador é um dos aspectos da regra matriz de incidência, estando assim submetido à reserva legal.

Apesar de o julgamento tratar de norma editada pelo Rio Grande do Sul, parece-nos que a fundamentação se aplicaria de forma idêntica à norma paulista, diante da delegação absolutamente genérica que consta no artigo 2º, § 3º-A, da Lei nº 6.374/89[3], que acaba por macular de inconstitucionalidade o inciso I do artigo 426-A.

E não apenas o ICMS-próprio, exigido por antecipação, careceria de fundamentação legal.  Segundo entendimento firmado pelo Supremo neste mesmo julgado de repercussão geral, a antecipação do fato gerador do ICMS-ST demandaria previsão em lei complementar, o que também não existe, de forma que o inciso II, que prevê a antecipação das operações subsequentes, também seria inconstitucional.

Daí porque a maioria dos casos apreciados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) vem sendo julgada de forma favorável aos contribuintes[4], afastando-se a exigência contida no artigo 426-A, do RICMS/00.  Isto já foi feito, inclusive, em sede de juízo de conformidade (artigo 1.040, inciso II, do CPC), o que abre margem para o pedido provisório fundado em tutela de evidência[5], além de demandar que o mérito seja apreciado na forma dos artigos 927, inciso III[6], e 932, inciso IV, alínea "b", do CPC[7].

Parece-nos, portanto, ser inconstitucional a exigência antecipada do ICMS-próprio e do ICMS-ST, do modo como é feito pelo Estado de São Paulo, no artigo 426-A, do RICMS/00, o que ocorre em razão da delegação genérica contida na Lei nº 6.374/89, para a cobrança do ICMS-próprio, e da ausência de lei complementar, para a exigência do ICMS-ST.

O afastamento dessa obrigação tributária, além de privilegiar o entendimento do STF no julgamento do tema 456 de repercussão geral, representa importante alívio ao caixa das empresas submetidas a essa forma de tributação antecipada, as quais estão impedidas de utilizar o saldo credor e o produto da venda para pagamento do tributo correspondente, o que ofende o princípio da não-cumulatividade.


[1] Artigo 426-A – Na entrada no território deste Estado de mercadoria indicada no § 1°, procedente de outra unidade da Federação, o contribuinte paulista que conste como destinatário no documento fiscal relativo à operação deverá efetuar antecipadamente o recolhimento (Lei 6.374/89, art. 2°, § 3°-A):

I – do imposto devido pela própria operação de saída da mercadoria;

II – em sendo o caso, do imposto devido pelas operações subsequentes, na condição de sujeito passivo por substituição.

§ 1° – O disposto neste artigo aplica-se às mercadorias sujeitas ao regime jurídico da substituição tributária referidas nos artigos 313-A a 313-Z20, exceto se o remetente da mercadoria tiver efetuado a retenção antecipada do imposto, na condição de sujeito passivo por substituição, conforme previsto na legislação.

[2] § 4° – O imposto calculado nos termos do § 2° será recolhido por meio de guia de recolhimentos especiais, conforme disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda:

[3] Artigo 2º – Ocorre o fato gerador do imposto: (…) § 3º-A – Poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, conforme disposto no regulamento, relativamente a operações, prestações, atividades ou categorias de contribuintes, na forma estabelecida pelo Poder Executivo.

[4] Segundo levantamento feito até 20.6.2022, dos 12 (doze) casos que tratam da matéria, 8 (oito) foram integralmente favoráveis, 3 (três) desfavoráveis e 1 (um) parcialmente favorável, com o afastamento do ICMS-próprio, mas não do ICMS-ST.

[5] Art. 311. A tutela de evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (…) II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

[6] Art. 927. Os juízes e tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

[7] Art. 932. Incumbe ao relator: (…) IV – negar provimento a recurso que for contrário a: (…) b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos.