Opinião

Importância do sistema de compliance nos entes públicos

Autores

  • Alessandra Scartezini

    é gestora governamental especialista em Gestão Pública MBA em Compliance Público e com Certificação Internacional ISO 31.000/2018 (C31000) gestora de Finanças e Controle da Controladoria-Geral (CGE-GO) assessora de Controle Interno da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO) instrutora de Governança Compliance e Gestão de Riscos na Escola de Governo na Escola Superior do Ministério Público (ESUMP-GO) e na Escola Superior do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO).

  • Thiago Chianca

    é advogado consultor especialista em Direito Corporativo & Compliance (EPD) com Certificação Profissional em Compliance Empresarial Anticorrupção (CPC-A) pela LEC/FGV e compliance público (CPC-P) pelo Cedin e membro da Comissão de Compliance e Governança da OAB/MS 2022-2024.

21 de junho de 2022, 15h02

Após a aprovação da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, surgiu a necessidade de criação de uma estrutura de conformidade e integridade na esfera pública.

Assim, o Programa de Integridade surgiu no ordenamento público brasileiro pelo Decreto nº 8.420/15, o qual regulamenta a Lei nº 12.846/13 ("Lei Anticorrupção"), devendo, assim, ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica.

A elaboração do Programa de Integridade, consoante estabeleceu o Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a Lei Anticorrupção no âmbito Federal, deve conter o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública.

Além da lei e do decreto supracitados, ainda temos no ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº 12.813/2013 (Lei de Conflito de Interesses), a Lei nº 12.850/2013 (Lei de Combate às Organizações Criminosas), a Portaria nº 909/2015 CGU (Regulamenta o Decreto 8.420/2015), Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais), Decreto nº 9.203/2017 (Decreto da Governança Pública), Instrução Normativa nº 13/2019 CGU (Regulamenta o Decreto 8.420/2015).

Pois bem, levando-se em conta que a Administração Pública possui todo um regramento jurídico-legal específico e, portanto, diferenciado do sistema privado, o Poder Executivo Federal, editou a Instrução Normativa Conjunta nº 01/2016, do Ministério de Planejamento e da Controladoria-Geral da União, que dispunha sobre controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo federal. Em 2017, o Decreto nº 9.203/17 dispôs sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

O artigo 19 do referido decreto prescreve que os órgãos e as entidades da administração direta, autárquica e fundacional instituirão programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção, estruturado nos seguintes eixos: comprometimento e apoio da alta administração; existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade; análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade; e monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade.

Outrossim, visando estabelecer os procedimentos necessários à estruturação, à execução e ao monitoramento dos programas de integridade dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, como determinou o Decreto 9.203/17, a Controladoria-Geral da União (CGU) editou a Portaria nº 057/19, que estabelece orientações para que os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional adotem procedimentos para a estruturação, a execução e o monitoramento de seus programas de integridade.

Essa portaria da CGU orienta que os órgãos e as entidades da administração pública federal deverão instituir Programa de Integridade que demonstre o comprometimento da alta administração e que seja compatível com sua natureza, porte, complexidade, estrutura e área de atuação, refletido em elevados padrões de gestão, ética e conduta, bem como em estratégias e ações para disseminação da cultura de integridade no órgão ou entidade.

No mês de julho de 2021, o Executivo federal editou o Decreto nº 10.756/21, que instituiu o Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal (Sipef), no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.  Ainda no âmbito federal, recentemente, o Decreto nº 10.795/21 instituiu o Programa de Integridade da Presidência da República, que estabelece os princípios, as diretrizes e os mecanismos relativos à integridade pública, no âmbito dos órgãos da Presidência da República e, supletivamente, da vice-presidência da República.

No âmbito estadual, por exemplo, no estado de Mato Grosso do Sul, coube ao Decreto nº 15.222/19 dispor sobre a promoção da governança no setor público e a criação do Programa MS de Integridade (PMSI), no âmbito dos órgãos e das entidades da Administração Pública Estadual, a ser estruturado considerando os principais eixos de suporte às ações e às medidas que irão constituir o seu conteúdo. Há, ainda, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, a Resolução Segov/CGE/MS nº 01/19, que traz uma orientação e instrução dos padrões referenciais dos processos de governança, gerenciamento de riscos, controles internos e ambiente ético dos órgãos e das entidades da Administração Pública Estadual, relativos ao Programa MS de Integridade (PMSI).

Outro exemplo estadual, em Goiás, o Decreto nº 9.406/19, instituiu o Programa de Compliance Público (PCP-GO) no poder executivo estadual, regulamentando o artigo 21-A, inserido pela Lei Estadual nº 20.381/18 à Lei Estadual Anticorrupção de 2014 (Lei 18.672/2014). O PCP-GO conta com quatro eixos: estruturação das regras e dos instrumentos referentes aos padrões de ética e de conduta; fomento à transparência; responsabilização e gestão de riscos, sendo obrigatório para todas as entidades da administração direta e indireta do Estado de Goiás e coordenado pela Controladoria-Geral do Estado (CGE/GO). Já o Decreto nº 9.660/2020 dispôs sobre a Política de Governança Pública da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo do Estado de Goiás.

Ao longo destes anos, a CGE promoveu várias ações para a implementação e consolidação dos eixos do PCP-GO. Numa visão de incentivo às entidades governamentais, a CGE/GO realiza premiações anuais na Semana Internacional de Combate à Corrupção. São três prêmios principais: Ranking Anual do Compliance, Prêmio Goiás Mais Transparente e Prêmio Inovação em Transparência. No ano de 2021, a Portaria n° 44/2021-CGE-GO elencou os requisitos que foram avaliados nos quatro eixos para o ranqueamento das pastas.

No eixo I, de fomento à disseminação de padrões éticos, um Novo Código de Ética, proveniente de Consulta Pública, foi formalizado em 2021  Decreto n° 9.837. Em conjunto com a Secretaria-Geral da Governadoria (SGG), a CGE promove ações para difundir os valores e os princípios entre os servidores e cidadãos do estado de Goiás, seja através de campanhas nas redes sociais, seja por meio de eventos, encontros temáticos, 'lives' ou, mesmo, na aplicação de questionários anuais sobre a internalização do tema.

No eixo II, transparência, houve a consolidação de Metodologia entre CGE e TCE para aferir o grau de transparência das entidades do Estado de Goiás, tendo como base a Lei de Acesso a Informações, Lei nº 18.025/2013, e pelos decretos nº 7.904/2013 e 9.270/2018, entre outros normativos correlatos. Verificou-se aumento expressivo no grau de transparência das entidades, aferido anualmente, compondo um item do Ranking do Compliance e o Prêmio Goiás Mais transparente, o qual classifica as entidades de acordo com o percentual de atingimento das metas na metodologia conjunta, conferindo Selos Ouro, Prata ou Bronze.

Em relação ao eixo III, responsabilização, houve um evolutivo normativo em relação a responsabilização de servidor, bem como em relação à responsabilização dos contratados pelo poder público. A Escola de Governo ofertou diversos cursos neste eixo para capacitar os servidores quanto ao novo regramento. E ações relativas a este eixo são avaliadas no Ranking do Compliance.

Quanto ao eixo IV, Gestão de Riscos busca-se a implementação da cultura de gerenciamento de riscos relacionada aos objetivos organizacionais para fortalecimento da eficiência e integridade da gestão pública, e, consequentemente, melhorar a prestação dos serviços públicos e das entregas à sociedade.

Várias outras ações são desenvolvidas pela CGE para fomento à transparência, ao controle social e a participação cidadã, como o citado Prêmio Goiás Mais Transparente, o Projeto Embaixadores da Cidadania, o Projeto Estudantes de Atitude, a realização de Consultas Públicas para o Código de Ética e para definir ações do Poac (Plano Operacional de Ações de Controle). Além das parcerias para capacitação, treinamento e pesquisa, com a Escola de Governo Henrique Santillo, Escola Superior do Ministério Público de Goiás, Universidade Federal de Goiás e Escola de Contas do Tribunal de Contas dos Municípios-GO.

Em meados de 2021, a CGE-GO lançou o Programa de Compliance Municipal, em parceria com o Tribunal de Contas dos Municípios, a Federação Goiana de Municípios e a Goiás Fomento para auxiliar os municípios goianos a adotarem boas práticas de gestão pública. O Programa tem como objetivo o estabelecimento de um conjunto de procedimentos e estruturas destinados a assegurar a conformidade dos atos de gestão com padrões morais e legais, bem como garantir o alcance dos resultados das políticas públicas e a satisfação dos cidadãos, fomentando a ética, o governo aberto e a gestão de riscos, nos municípios que optarem por participar e forem selecionados.

Em que pese possuirmos em nosso ordenamento jurídico regras anticorrupção e programas de integridade desde o ano de 2.013, esses temas ainda não foram implementados pela maioria dos municípios brasileiros, tendo sido disciplinados por alguns Estados, pela União e suas empresas estatais.

Do ponto de vista jurídico-administrativo, o Programa de Integridade e Compliance  municipal seria a adoção de um conjunto de ações, princípios e regras internas para o fim precípuo de assegurar o fiel cumprimento da legislação e normas atinentes à administração pública, com intuito de agregar valor à gestão pública,  servindo de fomento para uma mudança nos paradigmas dos padrões culturais do ente público e de seus servidores no que diz respeito à ética, conduta e valores; à transparência e ao estímulo à participação social; a mudança para uma gestão proativa e com foco na satisfação dos cidadãos; prevenindo-se, assim, a prática de ações ilícitas, irregulares e fraudulentas que podem acarretar prejuízo aos fins e interesse público do ente público. E, em caso de efetivação dos riscos organizacionais, melhorar a capacidade de resposta do ente público aos impactos.

Nesse rumo, para a implantação do sistema no âmbito dos municípios, é necessário que o ente público discipline, no mínimo, por meio de lei municipal e posterior regulamento, 1) a Política de Governança Municipal; 2) a criação do Programa de Integridade e Compliance  no âmbito dos órgãos e das entidades da Administração Pública Municipal e 3) a regulação da Lei Anticorrupção visando a responsabilização objetiva administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.

Um Programa de Integridade e Compliance  envolve a criação, a implementação e o monitoramento de políticas, procedimentos e práticas administrativas baseadas na legalidade, moralidade, transparência e eficiência com o objetivo de atender a missão institucional e ao interesse público, reunindo, na prática, ações, métodos e técnicas para, a partir do levantamento de riscos, prevenir, apurar, corrigir e também aplicar sanções decorrentes de práticas irregulares e ilegais, como fraudes, subornos e desvios de conduta ética.

Os pilares/eixos de um Programa de Integridade e Compliance  podem ser os seguintes: Suporte da Alta Administração; Avaliação, Tratamento e Monitoramento dos Riscos; Elaboração de  um Plano de Integridade; Elaboração e ampla divulgação do Código de Ética e Conduta; Políticas e Medidas de Integridade e Compliance, tais como,  Diligências com Terceiros; Comunicação, Consulta, Capacitações e Treinamento Interno; Canais de Ouvidoria e Auditorias e Inspeções realizadas pelas esferas de controle interno.

O fato é que a adoção de um Programa de Integridade e Compliance implica na proteção dos agentes públicos e do próprio ente público, já que seu objetivo é controlar os riscos administrativos, jurídicos e financeiros, sem contar que atuará como ferramenta de prevenção aos riscos de integridade, gerando um aumento da confiança da sociedade no Município e em seus integrantes, bem como melhorando o resultado das entregas das políticas públicas aos cidadãos.

A elaboração de um Programa de Integridade e Compliance não é algo que possa ser projetado e implementado através de fórmulas e documentos prontos, não há 'receita de bolo pronta', sendo dependente das peculiaridades que envolvem o ente público municipal.

Ademais, uma boa gestão e execução do Programa de Integridade e Compliance propicia aos agentes públicos pautarem suas decisões em critérios técnicos, buscando o atingimento do bem comum e do interesse público, aumentando, assim, a efetividade da prestação dos serviços públicos.

Enfim, desenvolver a integridade pública constitui política pública fundamental a ser promovida e incentivada pelos gestores públicos de todos as esferas e níveis de poder.

Referências bibliográficas:
Decreto nº 8.420, de 18 de Março de 2015
 Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Aqui.
Decreto nº 9.203, de 22 de Novembro de 2017
 Dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9203.htm
Portaria nº 57, de 4 de Janeiro de 2019 – Altera a Portaria CGU nº 1.089, de 25 de abril de 2018, que estabelece orientações para que os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional adotem procedimentos para a estruturação, a execução e o monitoramento de seus programas de integridade e dá outras providências. Aqui.
Decreto nº 15.222, de 7 de maio de 2019 – Dispõe sobre a promoção da governança no setor público e a criação do Programa MS de Integridade (PMSI), no âmbito dos órgãos e das entidades da Administração Pública Estadual.
Decreto Estadual nº 9.406/19
 Institui Programa de Compliance Público no Estado de Goiás  https://legisla.casacivil.go.gov.br/api/v2/pesquisa/legislacoes/71608/pdf
Decreto Estadual nº 9.660/2020 – Dispõe sobre a Política de Governança Pública da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo do Estado de Goiás
https://legisla.casacivil.go.gov.br/api/v2/pesquisa/legislacoes/103155/pdf
Portaria nº 41/2019
 CGE  GO  Grupo de Implantação e Entidades 1ª fase  20 entidades (alterada pelas portarias 43 e 47)  acréscimo de 1 entidade (DGAP) e de servidores. https://www.controladoria.go.gov.br/files/Compliance/Portaria41-2019Grupode-assessorese-orgaos1fase.pdf
Portaria nº 44/20221 – CGE – GO – Estabelece as regras para o Ranking do Programa de Compliance Público do Estado de Goiás (PCP) para o exercício de 2021. Aqui.

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    é gestora governamental, especialista em Gestão Pública, MBA em Compliance Público e com Certificação Internacional ISO 31.000/2018 (C31000), gestora de Finanças e Controle da Controladoria-Geral (CGE-GO), assessora de Controle Interno da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), instrutora de Governança, Compliance e Gestão de Riscos na Escola de Governo na Escola Superior do Ministério Público (ESUMP-GO) e na Escola Superior do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO).

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    é advogado, consultor, especialista em Direito Corporativo & Compliance (EPD) com Certificação Profissional em Compliance Empresarial Anticorrupção (CPC-A) pela LEC/FGV e compliance público (CPC-P) pelo Cedin e membro da Comissão de Compliance e Governança da OAB/MS 2022-2024.

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