Processo Tributário

A penhora de ativos financeiros, em execução fiscal, antes da citação

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19 de junho de 2022, 8h02

O Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), em seu artigo 655-A (redação dada pela Lei nº 11.382/2006), permitia que o juiz requisitasse à autoridade supervisora do sistema bancário informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

Ao analisar tal dispositivo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento de que "o fato de o legislador haver previsto que a penhora de dinheiro pode se dar por meio eletrônico (art. 655-A do CPC/1973) não conduz, por si só, ao raciocínio de que tal meio de constrição deva sempre ser feito antes da citação da parte contrária", passagem essa retirada do voto do ministro Herman Benjamin proferido no recurso especial 1.673.043/PE, que bem a reflete.

O advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) fez recrudescer, no entanto, uma sombra no tema — descabida, em nosso sentir, mas presente de todo modo.

Isso porque o artigo 854 do novo diploma passou a permitir expressamente a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira por via eletrônica "sem dar ciência prévia do ato ao executado".

Desde então, passaram a ser frequentes os casos de efetivação da chamada "penhora on line" antes da citação em execução fiscal, o que naturalmente suscitou (e ainda suscita) inúmeros questionamentos, sobretudo em razão da duvidosa viabilidade da integral e literal aplicação do referido artigo 854, sem se considerar regras constantes da Lei de Execuções Fiscais ("LEF").

É sobre esse ponto que devemos nos reter: enquanto no regime do CPC/2015 o executado é intimado para "pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação" (artigo 829), a LEF prevê que o executado será citado para, no prazo de cinco dias, pagar a dívida "ou garantir a execução" (artigo 8°).

Note-se a diferença: tal como posta, com efeito, a LEF confere explícita prerrogativa ao executado no sentido de garantir a satisfação da dívida consubstanciada na Certidão de Dívida Ativa ("CDA"), com a possibilidade de posterior oposição de embargos à execução — caso em que, a propósito, a conversão em renda (liquidação) da garantia apresentada somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado de decisão eventualmente favorável à Fazenda Pública (artigo 32, § 2º).

Pois é dessa distinção de regimes (entre CPC/2015 e LEF, reitere-se) que resulta a impossibilidade de a penhora ser ordinariamente praticada antes da citação no âmbito das execuções fiscais — do contrário, a efetivação de penhora de ativos financeiros antes de o executado ser citado seria o mesmo que dizer que a citação prevista pela LEF abre a alternativa única ao devedor de pagar o crédito exequendo, em violação frontal de seu artigo 8º.

Ainda que se possa cogitar que a penhora do artigo 854 do CPC/2015 equivaleria a uma medida acauteladora do crédito em execução, evitando a frustração de sua satisfação, fato é que, na prática, efetivada a penhora em dinheiro, sua substituição por outra garantia é quase que impossível, mormente se perseguida a ideia de menor liquidez frente ao depósito.

Não fosse isso, lembre-se que, realizada essa penhora, na remota hipótese de sua substituição, ainda seria possível opor a exigência do acréscimo de 30% de que trata o artigo 835, § 2º, do CPC/2015 — mais um ponto que enaltece a importância da distinção dos regimes.

Além de retirar a opção de oferecer garantia (opção essa, repise-se, preconizada pelo artigo 8º da LEF), a aplicação generalizada do artigo 854 do CPC/2015 a executivos fiscais compromete o exercício do direito à menor onerosidade, direito esse objetivamente realizável pelo devedor mediante a seleção da garantia que pretende disponibilizar, nos termos do artigo 9º da LEF.

Julgado produzido em 2019, também no âmbito do STJ, caminha nessa linha, à medida que permite o bloqueio de dinheiro via "BacenJud" antes da citação somente quando o exequente for capaz de demonstrar o cumprimento dos requisitos que autorizam a emissão de tutela provisória. Reconhece-se, portanto, o caráter excepcional da medida.

É o que consta no voto do ministro Og Fernandes no recurso especial 1.832.857, quando afirma que "a jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que o arresto executivo deve ser precedido de prévia tentativa de citação do executado ou, no mínimo, que a citação seja com ele concomitante", pois "mesmo após a entrada em vigor do art. 854 do CPC/2015, a medida de bloqueio de dinheiro, via BacenJud, não perdeu a natureza acautelatória e, assim, para ser efetivada, antes da citação do executado, exige a demonstração dos requisitos que autorizam a sua concessão" (2ª Turma, julgado em 17/9/2019, DJe 20/9/2019).

Decisão monocrática proferida em 24/3/2022 pelo ministro Mauro Campbell Marques no recurso especial 1.986.019 mantém esse entendimento, reconhecendo que "a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ pacificou-se no sentido de que, 'mesmo após a entrada em vigor do art. 854 do CPC/2015, a medida de bloqueio de dinheiro, via BacenJud, não perdeu a natureza acautelatória e, assim, para ser efetivada, antes da citação do executado, exige a demonstração dos requisitos que autorizam a sua concessão'" e, completa, "em se tratando de medida de natureza acautelatória, o seu deferimento pressupõe o preenchimento dos pressupostos cautelares específicos" (publicada no DJe de 28/3/2022).

Em reforço dessa ideia, por fim, é preciso esclarecer que o artigo 854 do CPC/2015 não representa (nem em relação às execuções comuns, muito menos em relação às fiscais) uma "especial" autorização para a postergação do contraditório — garantia assegurada pela citação prévia —, papel excepcionalmente cumprido pelas tutelas provisórias, mas desde que preenchidos os respectivos requisitos. O que o dispositivo faz, com efeito, é atuar sobre a noção de publicidade, adiando-a, sob a premissa de que o conhecimento prévio do deferimento do pedido de bloqueio poderia inviabilizá-lo na prática — sem que isso signifique rompimento, por óbvio, com a linearidade procedimental fixada pela LEF, em especial em seus artigos 8° e 9°.

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