Opinião

Carta ao jovem advogado previdenciarista

Autor

  • Fábio Souza

    é juiz federal professor da UFRJ e do ICDS doutor em Direito Público (Uerj) e em Sociologia e Direito (UFF) e associado benemérito do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

17 de junho de 2022, 17h17

Moderação ao beber café! As pesquisas mais recentes indicam que o café tem muitos efeitos benéficos à saúde, mas o consumo exagerado pode gerar problemas digestivos, causar irritabilidade, provocar insônia e arritmia.

Então, entre uma xícara e outra, se permita olhar para os dramas dos clientes — e não clientes — sem se dominar pela indiferença. Afinal, ela — a indiferença —  é um dos maiores males sociais e, talvez, um dos piores atributos para um ser humano. Isso porque, o mal não é antítese do bem, mas a sua mera ausência; logo, permanecer indiferente ao próximo, sem fazer o bem que está ao seu alcance, corresponde a promover o mal. Movimente a sua advocacia na direção do bem, sensibilize-se, humanize-se, emocione-se, faça sempre o seu melhor, jamais permaneça indiferente.

Não deixe de tomar seu café, mas o delicie devagar e, nesse tempo, se permita refletir sobre o que o motiva. A recompensa financeira é algo bom e importante; o Direito Previdenciário oferece muitas oportunidades: Regime Geral, Regimes Próprios, Previdência Complementar, Custeio, planejamento previdenciário. Mas acredite, apesar de muito relevante, o ganho financeiro não é suficiente. Encontre na luta contra injustiças e na batalha pela defesa de direitos a energia para enfrentar os desafios da advocacia que, aliás, não são poucos.

Dizem que o café desperta… então acorde para a realidade, sem perder a utopia. Cabeça nas estrelas, com pés no chão. Se deparará com vozes dispostas a lhe desanimar. Mantenha-se atento à realidade, mas não desista do ideal da justiça social.

Ao sentir o aroma do café, deixe que essa sensação conduza seu pensamento aos inúmeros trabalhadores — segurados da previdência social — que participaram de todas as etapas produtivas. O segurado especial, produtor rural… lembre das dificuldades para o reconhecimento de seu trabalho como labor digno de proteção previdenciária efetiva. Não se olvide dos trabalhadores que transportaram os grãos e os problemas da informalidade, que afastam tantos da tutela dos direitos sociais. Recorde-se daqueles que participam do processo de beneficiamento, submetidos a agentes prejudiciais à saúde. Há, ainda, os que trabalham no comércio. Conscientize-se de que o seu trabalho fará diferença na vida dessas pessoas… então abrace-o com toda a sua garra.

Beba café e, ao ver as últimas gotas no fundo da xícara, pense naqueles para quem a vida já fluiu, deixando para trás dependentes, que precisam de apoio técnico para garantir uma pensão capaz de amenizar a dor pela perda dos responsáveis por garantir-lhes o sustento… inclusive por comprar seu… café.

Algumas vezes, celebrará com café as vitórias no tribunal… outras tentará superar as angústias em derrotas judiciais. Esteja pronto para vitórias e derrotas… faz parte do jogo.

Em reuniões importantes, servirão café… o beberá ao lado de colegas de profissão, a quem deve respeitar sempre. Não se iluda com a sensação de que tudo sabe. Lembre-se de que há diferentes formas de conhecimento e todas igualmente relevantes. Jamais deixe lado o compromisso do aperfeiçoamento: estude sempre, ainda que seja tomando café.

Não é muito comum, mas é possível que tome café ao despachar com um juiz… recorde-se de que respeito não é subserviência. Nas relações profissionais, cada um deve buscar cumprir bem seu papel e o do advogado consiste na defesa do cliente… mas as relações devem ser marcadas pelo respeito mútuo. Assim, se a paciência estiver próxima a se acabar, experimente o "café da paz"… soa paradoxal, mas seu funcionamento é simples… antes de explodir em palavras, encha a boca de café e conte até 10, 15… 100, se for preciso, para se controlar e se posicionar sempre institucionalmente, a fim de que jamais perca a razão pela intempestividade.

Por fim e muito importante… tome café, mas sem açúcar… deixe que a prática da advocacia combativa e responsável adoce as vidas de seus clientes, com o melhor dos sabores: a Justiça.

Autores

  • é juiz federal, professor da UFRJ e do ICDS, doutor em Direito Público (Uerj) e em Sociologia e Direito (UFF) e associado benemérito do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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