A informalidade é marca registrada dos brasileiros que demonstram certa aversão aos rituais burocráticos, levando à tendência de que seja postergada, tanto quanto possível, a formalização dos atos da vida civil. Assinar um contrato ou promover o registro de transferência de bens? Só quando estritamente necessário ou imposto por pressão externa, seja da contraparte, seja do Estado.
Com as relações afetivas não é diferente. Tanto que situações "de fato" passaram a ser amplamente reguladas em nosso ordenamento jurídico (como é o caso da união estável que ganhou uma lei específica somente para o fim de regulá-la — a Lei nº 9.278/96 —, sem falar do mais recente instituto do namoro qualificado).Mas e quando chega o fim destas relações?
Bom, também neste cenário a informalidade, por vezes, prevalece. Se é comum ouvir acerca de litígios que se instauram a partir do desfazimento de relações afetivas, há aqueles que optam por separar-se “de fato” e seguir em frente sem maiores discussões.
Ocorre que quando a relação de origem é um casamento, para além dos desdobramentos afetivos, há que cuidar-se da repercussão patrimonial do término do enlace. Embora inusual, acontece de deixar-se este cuidado para depois, o que gera consequências jurídicas relevantes.
É o que demonstra o posicionamento do E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.840.561-SP. Como sintetiza o Informativo nº 739/2022 da Corte, uma vez "dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, possuindo legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários".
Vale lembrar que a usucapião é forma de aquisição da propriedade a partir do exercício continuado da posse de determinado bem como se dono fosse durante determinado lapso temporal fixado em lei.
No caso analisado, em que pese ausente a partilha de bens e demonstração de interesse em relação ao imóvel por um dos ex-cônjuges, houve contestação da aquisição de propriedade, sob a alegação de que a posse consistia em mero exercício de administração de bens, o que foi rechaçado pelo Tribunal diante das circunstâncias do caso concreto.
Em suma: caso ocorra a separação do casal e haja omissão em relação à partilha de bens, abre-se a possibilidade de que um dos ex-cônjuges adquira inteiramente para si o bem que era de propriedade comum do casal. Como diz o ditado: camarão que dorme, a onda leva.
Em outras palavras, a informalidade ou omissão em relação aos direitos patrimoniais inerentes ao regime de bens do casamento pode gerar a perda destes mesmos direitos pelo simples decorrer do tempo, o que exige atenção e cuidado por parte dos nubentes.
Aliás, está pautado esta quarta-feira (15/6), o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal acerca da separação judicial como requisito para o divórcio e a subsistência do instituto da separação como figura autônoma no direito brasileiro após o advento da Emenda Constitucional 66/2010.
Com isto mais um capítulo será traçado acerca da evolução do direito de família e dos requisitos para dissolução do vínculo conjugal. Acompanhemos.
De todo modo, situações como a aqui narrada reforçam a importância de um adequado planejamento em relação à formalização da constituição e término de relações afetivas, de modo a resguardar direitos e interesses dos envolvidos de maneira adequada, para o que a assessoria jurídica especializada pode ser de grande valia.