Calendário disponibilizado pelo Judiciário não pode ser considerado inidôneo
15 de junho de 2022, 20h24
Ao julgar o AREsp 1.779.552/GO, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o calendário disponibilizado pelo site do Tribunal de Justiça de Goiás não constituiria um documento idôneo para fins de comprovação de feriado local, concluindo pela intempestividade do recurso especial.
O formalismo extremo demonstrado pelo posicionamento adotado pelo STJ desconsidera o atributo da presunção de legitimidade do ato administrativo veiculado por uma Corte Estadual, isso é, um órgão do próprio Poder Judiciário.
Além disso, a primazia do julgamento do mérito é um dos mais relevantes princípios do CPC (artigos 4º e 6º), que tem por escopo a solução de mérito (objeto da lide), para que se atenda à real efetividade do processo judicial pelo qual os jurisdicionados submetem as soluções das suas questões. Em outras palavras, preconiza-se uma decisão de mérito em detrimento de uma meramente formal (terminativa processual). O CPC também flexibiliza determinadas formalidades quando o ato, ainda que realizado doutro modo, atenda à finalidade essencial para o qual foi praticado (artigo 188), indicando que aquilo que se praticou deve ser aproveitado (salvo se realmente impossível adequá-lo ou corrigi-lo).
Como se sabe, cabe ao recorrente comprovar a existência de feriado local no ato da interposição do recurso (artigo 1.003, §6º do CPC); todavia, esse dispositivo não indica a forma de demonstração desse fato para fins da aferição da tempestividade do recurso. Logo, na ausência de determinação específica do preceito legal, o recorrente deve juntar ao recurso documento ou informação, com a respectiva fonte para verificação, que aponte para a existência do feriado local.
Para potencializar e facilitar o acesso, com clareza e transparência, de informação a todos (operadores do Direito e jurisdicionados), inúmeros sites dos Tribunais disponibilizam os seus respectivos calendários forenses, com a indicação dos dias sem expediente para fins da realização de atos (audiências e sessões de julgamento) e da contagem de prazos.
Seria dispensável lembrar que toda e qualquer informação veiculada pelos sites públicos oficiais, notadamente dos órgãos do Poder Judiciário, carrega a presunção de legitimidade e de idoneidade, pois se trata de ato administrativo, sendo existente, válido e eficaz até prova em contrário. Por isso, o calendário obtido perante o site de um Tribunal jamais poderia ser tachado de inidôneo.
Portanto, ao fazer uso de um desses calendários, o recorrente busca, perante o próprio Poder Judiciário, a informação de que necessita para a demonstração da tempestividade do seu recurso e, com isso, o atendimento da exigência do CPC.
Ademais, vale ressaltar que, além da documentação juntada pelo recorrente (com o referido calendário, por exemplo) e antes de ser encaminhado ao STJ, o recurso especial (ou o subsequente agravo) tem a sua tempestividade aferida e certificada pela Secretaria da Presidência (ou da Vice-Presidência) do respectivo Tribunal, que constitui um ato administrativo formal do Poder Judiciário, ainda que não vinculante ao STJ.
E veja que o CPC dá a solução caso haja eventual dúvida justificada sobre a informação veiculada no calendário do site de um Tribunal, pois o parágrafo único do artigo 932 estabelece que "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível". Assim, acaso o calendário obtido perante um órgão do Poder Judiciário não fosse claro, caberia ao relator determinar a intimação do recorrente para complementar a documentação apresentada com outra que reputasse indispensável para a verificação da tempestividade recursal.
Dessa sorte, em atendimento aos princípios processuais e em reconhecimento da presunção da legitimidade e da idoneidade ínsitas dos atos administrativos, caberia, no caso de dúvida justificada (devidamente fundamentada, como se exige de qualquer decisão judicial), a intimação do recorrente para sanar a questão, em vez de sepultar de imediato, com base numa injustificada interpretação absolutamente distante do ordenamento jurídico e da razoabilidade, a pretensão de prosseguimento da análise da admissão do recurso especial.
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