alteração na LGPD

Nova medida provisória garante autonomia funcional para a ANPD

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14 de junho de 2022, 20h51

O presidente Jair Bolsonaro assinou, nesta segunda-feira (13/6), uma medida provisória que transforma a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), atualmente vinculada ao governo federal, em uma autarquia com funções de agência.

Reprodução/Governo do Brasil
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Autoridade vinculada ao governo tem autonomia garantida por MP

Com isso, a ANPD passa a ter os mesmos níveis de autonomia que o Banco Central, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo.

Ou seja, fica mais independente da Presidência da República e poderá atuar autonomamente perante o Judiciário.

Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados, explica que a ANPD terá dotação orçamentária própria e uma procuradoria interna. "Com esta mudança, observamos um novo ciclo, onde as ações judiciais e administrativas ganharão espaço, e as empresas que ainda não se adequaram terão seus riscos exponencializados", indica.

A previsão de que a ANPD atuasse de forma autônoma estava no texto inicial da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), mas foi vetada por vícios jurídicos relacionados à origem do projeto. Então, ela foi convertida em autoridade vinculada à Casa Civil.

O advogado Adriano Mendes, sócio responsável pelas áreas de Digital e Proteção de Dados do escritório Assis e Mendes Advogados, explica que a medida faz parte do conjunto de ações tomadas pelo governo brasileiro para que o país possa integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A medida aumenta as chances de o Brasil vir a ser reconhecido como país com nível adequado de proteção aos dados pessoais pela União Europeia. Isso porque o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) — lei europeia análoga à LGPD — somente autoriza as empresas da Europa a transferir dados pessoais para outros países caso exista, no local de destino, uma ou mais autoridades de controle independentes responsáveis pela proteção de dados.

"Trata-se de um grande passo para a autoridade brasileira ter mais semelhança com as autoridades europeias, o que trará benefícios para a cooperação internacional", diz Antonielle Freitasdata protection officer (DPO) do escritório Viseu Advogados.

"É um passo importante para que o Brasil seja considerado um país adequado em termos de proteção de dados pela Comissão Europeia. Argentina e Uruguai, por exemplo, em linha com as melhores práticas internacionais, já possuem autoridades autônomas para proteção de dados e já são considerados adequados pela Comissão Europeia", afirma o advogado Laércio Sousa, especialista em direito digital e proteção de dados do Velloza Advogados Associados.

Ele destaca que, atualmente, empresas que estão no Brasil com matriz no exterior precisam de uma série de medidas para dar segurança ao trânsito internacional de dados pessoais. Segundo ele, a MP simplifica, agiliza e dá mais credibilidade a essa troca de informações.

Para Nádia Cunha, coordenadora da área de Contratos e Compliance em Proteção de Dados do escritório Jorge Advogados Associados, a MP "traz mais segurança aos titulares de dados" e uma atuação mais efetiva, "om muitos avanços, mormente em relação à fiscalização e aplicação de sanções àqueles que não estiverem adequados à LGPD".

Na visão do advogado Willian de Souza Campos da Silva, da área de Proteção de Dados do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, "aliada à maior autonomia e independência técnica e decisória, agora com o status de autarquia, a ANPD trará maior confiabilidade e robustez ao sistema regulatório brasileiro em matéria de privacidade e proteção de dados pessoais, além de elevar o patamar do Brasil no cenário internacional neste quesito".

"Essa transformação era necessária e um desejo dos profissionais de proteção de dados do país", ressalta Marcelo Crespo, especialista em Direito Digital e coordenador do curso de Direito da ESPM. Ele aponta que a medida provisória passa a valer imediatamente, mas depende de ratificação no Congresso para ser convertida em lei.

De acordo com Mendes, "é altamente provável que não haja vetos ou óbice à conversão da ANPD em agência reguladora", pois o tema é técnico e o texto não apresenta "jabutis" (emendas sem ligação com o cerne da proposta).

A MP também determina a criação de um novo regulamento, via decreto, para regular seu funcionamento. "Considerando a possibilidade de enxertos e propostas de alteração no texto da MP enquanto tramita no Congresso, o texto final e conceitos da autonomia, bem como a regulamentação da ANPD, só existirão de fato depois da aprovação do texto final no Congresso e análise para sanção ou veto pelo presidente, o que deve ocorrer nos próximos 120 dias", indica o advogado.

Mesmo assim, não se sabe ainda como isso será aplicado na prática. Esta já é a sexta alteração na LGPD desde 2018, e, segundo Mendes, "ainda são necessários ajustes e regulamentos em muitos pontos para que tenhamos uma norma totalmente eficaz".

Marcelo Cárgano, advogado da área de Direito Digital do escritório Abe Advogados, destaca que "as mudanças trazidas pela MP não encerram a questão da independência da ANPD, mas são um passo na direção certa".

Ele ressalta que a autoridade vinha fazendo "um bom trabalho na edição de regulamentos e procedimentos, análises de impacto regulatório, elaboração de guias orientativos e na comunicação com a população em geral". Mas, sem a autonomia administrativa, financeira ou hierárquica, não poderia, por exemplo, "regulamentar de forma plenamente independente a aplicação da LGPD no contexto de eleições".

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