Zonas cinzentas

Arbitragem não se sujeita ao CPC nem admite recurso, dizem especialistas

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14 de junho de 2022, 16h39

O Código de Processo Civil não pode ser aplicado à arbitragem, exceto se houver concordância prévia e explícita entre as partes. O instituto, cuja lei (9.307, de 1996) completou 25 anos em 2022, também não se submete ao duplo grau de jurisdição garantido aos processos que tramitam no Judiciário.

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Especialistas divergem sobre a possibilidade de aplicação do CPC em arbitragem
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Essa foi a conclusão majoritária dos especialistas ouvidos pela ConJur sobre as limitações e possibilidades para as empresas que preferem buscar a solução mediada em vez de judicializar seus conflitos.

Se por um lado a arbitragem tem ganho cada vez mais espaço, já que permite uma resolução mais rápida do que a via judicial (normalmente, uma arbitragem leva de seis meses a dois anos para ser concluída), por outro lado a judicialização tem aumentado, o que levanta dúvidas sobre sua abrangência e efetividade.

O advogado Riccardo Giuliano Figueira Torre, sócio do escritório Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, explica que o CPC não é automaticamente aplicável à arbitragem, salvo disposição expressa das partes na convenção arbitral ou no termo de arbitragem.

"A corrente doutrinária e jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça entende que o CPC não é aplicável subsidiariamente à arbitragem no caso de silêncio das partes, uma vez que a arbitragem constitui um sistema completamente autônomo em relação ao processo civil estatal, sendo regido pela Lei 9.307/96", sustenta ele.

Lívia Bíscaro de Carvalho, advogada especialista em Direito Processual Civil e coordenadora da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados, tem entendimento parecido. Segundo ela, "a inexistência de norma expressa consagrando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil é a razão pela qual entendo ser inaplicável — a menos que previsto na convenção em sentido contrário".

Daniela de Castro Oliveira, advogada da área Comercial do SGMP+ Advogados, por sua vez, lembra que, apesar de não existir nenhum dispositivo na Lei de Arbitragem que determine a aplicação do CPC, ainda que de forma subsidiária, o legislador faz referência ao regramento em vários trechos da lei.

"Considerando o silêncio do legislador em dispor claramente sobre a aplicação do Código de Processo Civil nas arbitragens, entendo que este poderá ser aplicado subsidiariamente, desde que não contrarie as regras convencionadas pelas partes, não haja incompatibilidade com a lei arbitral e não haja violação aos bons costumes e à ordem pública, conforme determina o art. 2º, §1º, da Lei 9.307/96", sustenta ela. 

Ainda que o CPC possa ser aplicado se estabelecido pelas partes ou se o regulamento da câmara arbitral assim previr, a advogada Gabriela Lotufo, sócia da área de Resolução de Disputas do BBL Advogados, trata a possibilidade como excepcional. "Em essência, o Código de Processo Civil não se aplica a procedimentos arbitrais, na medida em que as partes afastam a jurisdição estatal ao optar pela arbitragem como forma de solução de conflito".

Para José Nantala Bádue Freire, especialista em Direito Civil e Arbitragem do Peixoto & Cury Advogados, a aplicação do CPC também pode neutralizar uma das grandes vantagens da arbitragem, que é justamente a possibilidade de as partes negociarem os prazos e as etapas do processo.

Marcos Manoel, sócio coordenador do Núcleo de Direito Empresarial do NWADV, também considera a prática inadequada. "Existem diversas normas do CPC que são incompatíveis com a arbitragem, como, por exemplo, a possibilidade de interposição de recurso contra a sentença".

Duplo grau de jurisdição
Uma das grandes vantagens da arbitragem é a previsibilidade do tempo necessário para a resolução do conflito. Assim, a possibilidade de interposição de recurso contra uma decisão arbitral não é bem vista pela maioria dos especialistas ouvidos pela ConJur.

Conforme explica Riccardo Torre, o artigo 18 da Lei de Arbitragem afirma que a sentença arbitral não fica sujeita a recurso, o que não impede as partes de preverem essa possibilidade na cláusula compromissória ou no compromisso arbitral. Entretanto, trata-se de uma prática extremamente incomum na arbitragem brasileira e internacional.

"Afinal, trata-se de manifestação da autonomia da vontade das partes, que é um dos pilares da arbitragem e se manifesta de várias formas, em especial no que toca à flexibilização e adaptação procedimental, como autorizam os artigos 2º, §1º, 11, IV, 19, parágrafo único, e 21, caput e §§1º e 2º, todos da Lei 9.307/96", afirma.

Livia Biscaro de Carvalho lembra que o objetivo do duplo grau de jurisdição é a revisão ou a confirmação de uma decisão proferida pelo Judiciário. "Na arbitragem, o que cabe é o controle da regularidade formal da decisão, o que não impede que as partes convencionem pela constituição de um conselho arbitral que exerça essa função".

Daniela de Castro Oliveira, por sua vez, sustenta que as partes podem prever algo próximo ao duplo grau na arbitragem, com a ressalva de que não se trate de um procedimento judicial e que também sejam acordadas as hipóteses de cabimento e limites de recursos. 

Esse tipo de previsão em arbitragem, contudo, encarece o procedimento e aumenta o seu tempo de duração. "A previsão de recursos em procedimentos arbitrais é pouco comum pelo fato de que os árbitros são escolhidos pelas partes e, em geral, são especialistas no tema em discussão, o que gera uma aceitação maior da sentença", argumenta Gabriela Lotufo. Esse é o mesmo entendimento de José Nantala Bádue Freire. 

Por fim, Marcos Manoel acredita que a possibilidade não deveria ser cogitada. "A arbitragem termina com a sentença — isto é, a regra é a irrecorribilidade das decisões. Proferida a sentença arbitral, será cabível, no entanto, pedido de correção de erros materiais e/ou esclarecimento de obscuridade, dúvidas ou contradições, no prazo de até cinco dias contados da ciência da decisão".

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