Opinião

Prescrição intercorrente no processo administrativo

Autor

  • Rinaldo Maciel de Freitas

    é graduado em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia mestre em Filosofia Moral graduado em Direito pelas Faculdades Integradas do Oeste de Minas advogado autor do livro ICMS — do Imposto sobre o Consumo à Guerra Fiscal (Reuters 2011) e membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet) e da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica.

12 de junho de 2022, 6h38

A Constituição estabelece nos incisos XLVII, "be LXXVIII do artigo 5º concomitantemente, que não haverá pena de caráter perpétuo, assegurando a razoável duração do processo nos âmbitos administrativo e judicial, traduzidas nos artigos e do Código de Processo Civil, impedindo assim a eternização de exigências fiscais.

"Artigo 4º  As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Artigo 6º  Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

Prescrição é  pax publica que assegura segurança jurídica ao Pagador de Impostos, irmã gêmea do interesse público, afinal, o preâmbulo constitucional  assegura "o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos" ao cidadão, para que tenha paz e prosperidade, como na pax romana ocorrida no Império Romano de 27 a.C até 180 d.C. onde, para a manutenção do poder sobre as regiões conquistadas, habitadas por diferentes povos, das mais variadas culturas, a pax romana foi uma forma de garantir produtividade na economia aliada ao controle das regiões conquistadas.

A exoneração de Adriana Gomes do Rêgo da presidência do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), em razão da greve dos auditores, que deixou processos estagnados por mais de três anos, § do artigo 1º da Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, às vezes sequer distribuídos, proporcionou insegurança jurídica, reduzindo a paz e a prosperidade garantida ao cidadão no preâmbulo constitucional e, nos incisos XLVII, "b" e LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, in verbis:

"Artigo 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso".

Em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) firmou entendimento de que, o §1º do artigo 1º da Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999 trata da prescrição intercorrente, não se aplicando às ações administrativas punitivas de estados e municípios, na medida em que, o âmbito espacial aplicativo da aludida lei limita-se ao plano federal, termos de seu artigo ; nesse contexto, diante da impossibilidade de conferir interpretação extensiva ou analógica às regras atinentes à prescrição e estrita aplicabilidade, comportando exame à luz das disposições contidas na Lei nº 9.873:

Processual Civil. Administrativo. Multa. Administrativa. Prescrição intercorrente. Lei nº 9.783/99. Inaplicabilidade aos entes estaduais e municipais. Prescrição afastada. I – Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial repetitivo nº 1.115.078/RS (relator ministro Castro Meira, Dje de 24/3/2010), processado nos moldes do artigo 543-C do CPC/73, consignou no bojo do voto a inaplicabilidade da Lei nº 9.873/1999 às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal, nos termos de seu artigo 1º. II – Entendimento firmado consolidado no julgamento do recurso especial repetitivo 1.115.078/RS que não se restringe aos procedimentos de apuração de infrações ambientais. III – Agravo interno improvido (STJ – Superior Tribunal de Justiça – Agravo Interno em Recurso Especial – AgInt no REsp nº 1.608.710/PR – Processo nº 2016/0162744-3 – Segunda Turma – relator: ministro Francisco Falcão – 22/08/2017).

Fato que, a Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999 não se aplica aos processos administrativos no âmbito do Carf, em razão do disposto no seu artigo 5º e, a Súmula nº 11 do próprio tribunal administrativo trata o tema:

"Súmula 11: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal (vinculante, conforme Portaria MF nº 277, de 07/06/2018, no Diário Oficial da União de 08/06/2018)".

O uso de súmulas administrativas imprime caráter de deformação da própria lei, implicando subversão às diretrizes legais cuja interpretação fomenta consequências desfavoráveis à segurança jurídica, desafiando o contexto do direito público de princípios fundamentais constantes dos artigos , caput; 37 e, 146, III da Constituição Federal, e artigo 15 do Código de Processo Civil, desafiando ainda a interpretação do conceito de multas:

"Embargos à Execução de dívida ativa. Multa administrativa. Prescrição intercorrente incidente no processo administrativo. Redirecionamento. Sucessão de atividades. 1. Nos termos do artigo § do art. da Lei 9.873 de 1999, “Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho”. 2. Os atos que interrompem a prescrição intercorrente no processo administrativo de apuração de infração são as decisões, os atos de instrução do processo e os atos de comunicação ao infrator. Tais atos evidenciam o esforço da Administração Pública na apuração da infração e na eventual aplicação da sanção. Os despachos de mero encaminhamento ou de certificação do estado do processo administrativo não obstam o curso do prazo prescricional" (TRF4ª – Tribunal Regional Federal da 4ª  Região – Apelação Cível nº 5003868-42.20174.04.7117 – Segunda Turma – relator: desembargador Rômulo Pizzolatti – 15/09/2020).

A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que incide a prescrição intercorrente quando o procedimento administrativo instaurado para apurar fato passível de punição permanece paralisado por mais de três anos, termos do §1º do artigo 1º da Lei nº 9.873 de 1999, prazo que se interrompe com a prática de qualquer ato para o impulsionamento do feito, tendente a apurar a infração, privilegiando os princípios constitucionais da eficiência, segurança jurídica e duração razoável do processo onde, a forma contrária ensejaria a conclusão no sentido de que a Administração não teria prazo para julgar recursos administrativos.

O fluxo do prazo prescricional, ressalvadas as interrupções, artigo 2º da Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, encontra precedentes na jurisprudência do STJ, ainda que diante da ausência de previsão regulando o prazo prescricional, diante do princípio da igualdade, corolário do princípio da isonomia, à "Administração Pública, na cobrança de seus créditos, deve-se impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às dívidas passivas daquele", como na lição do ministro João Otávio de Noronha, no Recurso Especial nº 444.646/RJ julgado em 23/05/2006.

"Processual Civil e Administrativo. Embargos à Execução Fiscal. Ressarcimento ao SUS. Prescrição intercorrente do processo administrativo. Acórdão com fundamento constitucional. Conhecimento do Recurso Especial inviável. Competência do STF. 1. Cuida-se, na origem, de Embargos à Execução Fiscal de débito relacionado a ressarcimento ao SUS de que trata o artigo 32 da Lei nº 9.656/1998. 2. A sentença extinguiu o processo com julgamento do mérito reconhecendo a prescrição intercorrente do processo administrativo de constituição do débito, aplicando o §1º do artigo 1º da Lei nº 9.873/1999. 3. O Tribunal de origem manteve a sentença sob os seguintes fundamentos (fl. 520, e-STJ): 'Embora o caso em análise diga respeito à cobrança de dívida de ressarcimento ao SUS, que se caracteriza por sua natureza não punitiva, entendo que também é aplicável o disposto no §1º do artigo 1º da Lei 9.873/1999, em homenagem aos princípios constitucionais da eficiência, segurança jurídica e duração razoável do processo. Entender de forma diversa ensejaria a conclusão no sentido de que a Administração não teria prazo para julgar recursos administrativos, de maneira que a demora excessiva nas decisões dos órgãos julgadores, sem qualquer justificativa plausível, causaria sérios transtornos a terceiros, a exemplo do acúmulo de juros. Com efeito, o fato de não existir uma norma dispondo especificamente acerca do prazo prescricional, cm determinada hipótese, não confere a qualquer pretensão a nota de imprescritibilidade. Concluo, assim, que a previsão contida no §1º do artigo 1º da Lei nº 9.873/1999 é aplicável ao Processo Administrativo de ressarcimento ao SUS'. 4. Em atenção ao teor do aresto impugnado, observa-se que o Tribunal a quo decidiu a questão com fundamentos eminentemente constitucionais. Com efeito, analisada a matéria sob o prisma exclusivamente constitucional, é inviável ao STJ rever o entendimento consignado na origem, sob pena de usurpação da competência do STF. 5. Recurso Especial não conhecido" (STJ – Recurso Especial nº 1.821.421/AL – Processo nº 2019/0160356-1 – 2ª Turma – Relator: Ministro Herman Benjamin – 05/11/2019).

"Processual Civil. Agravo interno no Recurso Especial. Remessa necessária. Apelação. Embargos à execução. Enunciados administrativo 3/STJ. Artigos 489 e 1.022 do CPC/2015. Indevida inovação recursal nos embargos opostos na origem. Inexistência de vícios. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Violação de Súmula. Súmula 518/STJ. Fundamentação recursal deficiente. Súmula 284/STF. Processo administrativo. Ausência de paralisação do feito por mais de três anos. Prescrição intercorrente. Não ocorrência. Revisão do juízo. Reexame de premissas fáticas. Súmula 7/STJ. Dissídio jurisprudencial prejudicado. 8. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que incide a prescrição intercorrente quando o procedimento administrativo instaurado para apurar o fato passível de punição permanece paralisado por mais de três anos, nos termos do artigo 1º, §1º da Lei 9.873/1999. Todavia, interrompe a prescrição a prática de qualquer ato para o impulsionamento do feito, tendente a apurar a infração. Precedentes" (STJ – Agravo Interno no Recurso Especial – AgInt no REsp nº 1.938.680/RJ – Processo nº 2021/0023218-8 – 1ª Turma – relator: ministro Benedito Gonçalves – 14/03/2022).

Admite-se que a Súmula nº 11, de 7 de junho de 2018, do Carf, impede a prescrição intercorrente prevista no §4º do artigo 40 da Lei nº 6.830, com a redação dada pela Lei 11.051, de 29 de dezembro de 2004 e, artigo 921, § do Código de Processo Civil, porque, hipótese de não localização de bens penhoráveis, inexistente no Processo Administrativo, que difere do caso, Súmula 314, de 12 de dezembro de 2005 – STJ, no entanto, deve-se admitir a isonomia de situações jurídicas ímpares, artigo 59, §1º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 combinado com o artigo  do Decreto 20.910, de 6 de janeiro de 1932.

Ainda que se tenha de enfrentar o artigo  da Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999 que estabelece não se aplicar a lei "aos processos e procedimentos de natureza tributária", deve-se admitir que os processos em trâmite no Carf, forma do Decreto 70.235, de 6 de dezembro de 1972, não prevê prazo indefinido e, as multas na forma do artigo 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, são punitivas, porque, remetem a lançamento de ofício, assim aplicável a Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999, ainda que em isonomia, artigo 5º, caput da Constituição e, natureza de multas:

"No direito tributário, existem basicamente três tipos de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício. As multas moratórias são devidas em decorrência da impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas punitivas visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária. Se o ilícito é relativo a um dever instrumental, sem que ocorra repercussão no montante do tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do tributo devido. Nesse caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício. Esta é a multa mais comum, aplicada nos casos de sonegação" (STF – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 727.872/RS – 1ª Turma – Relator: Ministro Roberto – 28/04/2015).

O ministro Luís Roberto Barroso entendeu no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 727.872/RS de 28 de abril de 2015 que "as multas punitivas, por sua vez, revelam um caráter mais gravoso, mostrando-se como verdadeiras reprimendas. Não é razoável punir em igual medida o desestímulo e a reprimenda", portanto, as multas prevista no artigo 44 caput, e §1º da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não são de natureza tributária, mas, punitivas, em lançamentos de ofício, sujeitas à prescrição intercorrente prevista no artigo 1º, §1º da Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999.

Sendo pacífica a hipótese de que cabe à Autoridade Administrativa impulsionar de ofício os feitos administrativos, corolário da razoável duração do processo; oficialidade, o princípio da eficiência é norte na Administração Pública, sendo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, criado pelo artigo 25 da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, com julgamentos realizados na forma do Ricarf (Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), conforme artigo 37 do Decreto 70.235, de 6 de março de 1972, o impulsionado de ofício é feito pela própria Administração.

O Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972 não tratou de prescrição intercorrente ou, de prazo de julgamento no âmbito do Carf, não se podendo admitir [1] "conclusão no sentido de que a Administração não teria prazo para julgar recursos administrativos, de maneira que a demora excessiva nas decisões dos órgãos julgadores, sem qualquer justificativa plausível, causaria sérios transtornos a terceiros, a exemplo do acúmulo de juros", devendo-se aplicar o disposto no artigo 59, §1º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, combinado com o artigo 5º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, por isonomia e analogia.

Autores

  • Brave

    é advogado, mestre em Filosofia Moral pelas Faculdades Integradas do Oeste de Minas (Fadom), mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade de Itaúna (UIT) e membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet).

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