Público & Pragmático

Estímulo à regulamentação da arbitragem pelos entes públicos na Lei 14.133/21

Autores

  • Leila Cuéllar

    é mestre e doutora em Direito (UFPR) especialista em Regulação Econômica (Univ. de Coimbra) e em Mediação (educação executiva na Harvard Law School e na Pepperdine Law School) procuradora do Estado do Paraná atual chefe da Coordenadoria de Estudos Jurídicos e membro do GPT2 (Grupo Permanente de Trabalho sobre mediação conciliação e arbitragem) da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná.

  • Mariana Augusto Yazbek

    é estudante cursando o 5º semestre do Curso de Direito na PUC-PR e estagiária de Direito junto à Coordenadoria de Estudos Jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná.

12 de junho de 2022, 8h05

Os "Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias" ganharam capítulo próprio na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (artigos 151 a 154 da Lei nº 14.133/2021), que prevê a possibilidade de utilização de mediação, conciliação, arbitragem e comitê de resolução de disputas (dispute boards) para a prevenção e solução de controvérsias envolvendo a administração pública.

A inserção de dispositivos sobre os métodos "alternativos" [1] ou "adequados" [2] de prevenção e solução de conflitos acompanha o entendimento adotado em relação a outros diplomas aprovados nos últimos anos, como a Lei nº 13.867/2019 (lei que alterou o decreto que regulamenta desapropriação por utilidade pública) e o novo marco legal do saneamento (Lei nº 14.026/2020).

A norma é clara quanto ao caráter facultativo da utilização de tais métodos, esclarece que o rol é exemplificativo, como sugere a redação do caput do artigo 151 [3], e dispõe acerca da possibilidade de aditamento dos contratos para previsão de adoção dos métodos "alternativos" (artigo 153).

Ainda, em dispositivo de aplicação geral (artigo 151, parágrafo único), a lei em comento menciona que esses métodos poderão ser utilizados para a resolução de conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis. Não trata da noção de direitos patrimoniais disponíveis, mas exemplifica três hipóteses: o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e o cálculo de indenizações.

Como assinalado, a nova Lei de Licitações e Contratos contempla a arbitragem dentre os métodos alternativos de prevenção e solução de conflitos.

É relevante ponderar que a nova lei, no que se refere à arbitragem, deve ser interpretada considerando-se outros dispositivos legais que versam sobre o tema, em especial a Lei nº 9.307/97 (Lei de Arbitragem), atualizada pela Lei nº 13.129/2015.

Observe-se, por outro lado, que há apenas dois dispositivos que versam especificamente sobre a arbitragem na Lei nº 14.133.

O primeiro, na mesma linha do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei de Arbitragem, prescreve que a arbitragem envolvendo as contratações regidas pela Lei nº 14.133 (1) será sempre de direito e que (2) será observada a publicidade [4].

O artigo 154, por sua vez, reporta-se a critérios que devem reger os processos de escolha dos "colegiados arbitrais" e dos comitês de resolução de disputas:

"Artigo 154. O processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes."

A Lei nº 14.133 não avança no tratamento da arbitragem (como também não o faz em relação aos outros métodos de resolução de conflitos que exemplifica), sendo necessário, como frisado, que sejam consultados outros diplomas legais que tratam do tema. Fica evidente, também, a necessidade de realização de estudo aprofundado pelos entes públicos e que seja avaliada a necessidade de uma regulamentação mais detalhada, inclusive para que o instituto da arbitragem possa ser utilizado nos moldes previstos na Lei nº 14.133.

Já existem diversos diplomas legais federais e estaduais dispondo com mais detalhamento sobre a arbitragem envolvendo conflitos com a administração pública. Citemos alguns deles: Decreto Federal nº 10.025/2019, Decreto Estadual nº 46.245/2018, do estado do Rio de Janeiro, Decreto nº 64.356/2019, do estado de São Paulo, Lei nº 19.477/2011, do estado de Minas Gerais e Decreto nº 55.996/2021, do estado do Rio Grande do Sul [5].

Além disso, especificamente a respeito dos dispositivos da Lei nº 14.133, começam a surgir regulamentações, inclusive no tocante aos dispositivos sobre os métodos alternativos de resolução de controvérsias.

Nesse sentido, cabe salientar que o estado do Paraná, pioneiro dentre os Estados-membros a regulamentar a nova lei, incorporou algumas previsões sobre a solução adequada de conflitos no Decreto Estadual nº 10.086/2022 [6].

No que tange à arbitragem, o decreto estadual, na mesma linha da Lei nº 14.133, afirma que a arbitragem (1) será sempre de direito e que (2) será observada a publicidade [7]. O decreto incluiu os seguintes tópicos: (1) previsão de adoção da legislação brasileira; (2) realização da arbitragem no Brasil e em língua portuguesa; (3) possibilidade de padronização pela Procuradoria-Geral do Estado do Paraná de cláusulas compromissórias, preferencialmente escalonadas, contemplando mediação prévia [8]; (4) preferência para a realização de arbitragem institucional; (5) realização de painel arbitral, sendo vedado árbitro único; (6) escolha e cadastramento de câmaras conforme orientação do procurador-geral do estado, (7) podendo a Procuradoria-Geral do Estado estabelecer outras condições para aplicação da arbitragem [9].

Ademais, o diploma estadual destaca a possibilidade de previsão de cláusulas compromissórias nos contratos de concessão de serviços públicos, as concessões patrocinadas e administrativas e em qualquer outro contrato ou ajuste cujo valor exceda o montante de R$ 20 milhões [10].

Essas breves reflexões buscaram destacar a relevância da nova Lei de Licitações e Contratos no que se refere à previsão e à utilização da arbitragem para a solução de conflitos relativos a contratos administrativos, sendo importante que os entes públicos e os advogados públicos se debrucem sobre o tema, inclusive para contribuir com eventuais regulamentações específicas no âmbito de suas atuações.

 


[1] Meios alternativos à solução judicial, autocompositivos (solução negociada pelas próprias partes, com ou sem auxílio de terceiro) ou heterocompositivos (solução proferida por terceiro).

[2] A adoção atual da denominação métodos/meios "adequados" de prevenção e solução de conflitos implica a reflexão sobre a adequação do método ao caso concreto, seja ele judicial ou extrajudicial, autocompositivo ou heterocompositivo.

[3] Art. 151. Nas contratações regidas por esta lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.

[4] Art. 152. A arbitragem será sempre de direito e observará o princípio da publicidade.

[5] No âmbito municipal, sabemos de previsão semelhante pelo menos no município de São Paulo (Decreto Municipal nº 59.963/2020).

[6] Arts. 716 a 727.

[7] Assim prescreve o inciso VI do artigo 727: "observará o princípio da publicidade, cabendo à instituição arbitral disponibilizar as peças e decisões proferidas nos processos arbitrais mediante a adequada solicitação e prévia ciência das partes, ressalvados os limites legais de compartilhamento de dados".

[8] Art. 716, § 2º e art. 726, §§ 2º, 3º e 4º.

[9] Art. 727, incisos I a VII, e parágrafo único.

[10] art. 726, caput e §1º.

Autores

  • é mestre e doutora em Direito (UFPR), especialista em Regulação Econômica (Univ. de Coimbra) e em Mediação (educação executiva na Harvard Law School e na Pepperdine Law School), procuradora do Estado do Paraná, atual chefe da Coordenadoria de Estudos Jurídicos e membro do GPT2 (Grupo Permanente de Trabalho sobre mediação, conciliação e arbitragem) da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná.

  • é estudante cursando o 5º semestre do Curso de Direito na PUC-PR e estagiária de Direito junto à Coordenadoria de Estudos Jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná.

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