Opinião

MP que cria sistema eletrônico de registros públicos é risco ao patrimônio do cidadão

Autor

  • Edmar Araújo

    é presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (Aarb) MBA em transformação digital e futuro dos negócios jornalista consultor e membro titular do Comitê Gestor da ICP-Brasil.

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8 de junho de 2022, 9h04

O Congresso aprovou no último dia 31/5) a Medida Provisória 1.085/21, que tem por objetivo criar procedimentos para o registro de títulos em cartórios, além de normatizar o Sistema Eletrônico de Registros Públicos (Serp) que viabiliza que atos notariais e negócios jurídicos, inclusive títulos e certidões, sejam entregues em formato eletrônico e pela internet. A MP foi enviada à sanção presidencial.

Os oficiais de registros serão os operadores do sistema, que deverá estar em funcionamento até 23 de janeiro de 2023, conectando e compartilhando informações presentes em todos os tipos de cartório existentes no Brasil.

Porém, o texto da MP permite o uso de assinaturas eletrônicas avançadas. Já diziam os mais velhos que o diabo mora nos detalhes, e eis que o pormenor em questão é uma espécie de salvaguarda para estelionatários e outros tipos de criminosos.

É preciso entender a assinatura eletrônica avançada. Trata-se de uma manifestação de vontade produzida em meios digitais que garante que o signatário seja quem de fato ele diz ser. Utiliza elementos de segurança, como criptografia, e permite que outras evidências sejam utilizadas para verificar a autenticidade. Todavia, há algo de arriscado neste tipo de assinatura, como a inexistência de obrigatoriedade de processos claros e credenciamento de empresas certificadoras pelo Estado. Noutras palavras, qualquer empresa ou mesmo pessoa pode disponibilizar sistema de assinaturas eletrônicas avançadas.

É exatamente a ausência do estado brasileiro neste universo de assinaturas eletrônicas avançadas que põe em risco a celebração de negócios jurídicos complexos, como a transferência de veículos e a compra e venda de imóveis, muitas vezes os únicos patrimônios conquistados a duras penas pelo cidadão.

Os cartórios, que com a pretendida inovação talvez obtivessem simplificação dos processos, melhoria de produtividade de seus profissionais e maior conveniência para seus púbicos, parecem não estar confortáveis com a iniciativa.

Vejamos o que disse, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, a presidente do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil, Giselle Oliveira de Barros, que representa quase nove mil titulares de cartórios no Brasil.

"Eu acho que não haveria urgência, então deveria ter sido debatido através de um projeto de lei e não de uma Medida Provisória, passando por cima de todo o processo legislativo e dessa câmera também. E, assim, como representante dos quase nove mil notários do Brasil, eu gostaria de chamar atenção para um único ponto que foi tratado nessa MP e que nos preocupa muito, em especial, seria o debate sobre a possibilidade da assinatura avançada nos termos a serem regulamentados pelo CNJ para a prática dos atos de transferência e/ou oneração de bens imóveis. Este assunto envolve a segurança jurídica de bens imóveis, bens de raízes, bens de grande valor, e muitas vezes, o único bem de valor que o cidadão comum tem durante toda a sua vida. Trata-se de um tema de grande importância e relevância ao interesse público, o Estado, que deve sim garantir a estabilidade destas relações".

Segundo explicou a presidente do CNB, a Lei 14.063/20, também conhecida como lei das assinaturas eletrônicas, foi sancionada em 2020 quando consagrou que a assinatura eletrônica qualificada deve ser a única para celebração de negócios e transferência de imóveis em meios eletrônicos tendo em vista o modelo usado no mundo e, em especial, na Comunidade Europeia, bem como a garantia constitucional da propriedade.

Segundo a mandatária, essa assinatura "tem uma hierarquia estatal, ou seja, a hierarquia desta assinatura é baseada numa autarquia estatal, federal, o ITI, que credencia e audita todas as autoridades certificadoras desta hierarquia, desta cadeia, ou seja, temos a presença do Estado garantidor através da ICP-Brasil. Mas a MP, menos de dois anos depois, infelizmente, reedita o tema".

Se nem os cartórios, que em tese seriam super beneficiados, estão de acordo com o proposto, quem estaria?

Tomara que a Presidência da República tenha prudência e dê ouvidos ao que disse uma das maiores instituições representativas do Brasil.

Tomara.

Autores

  • é presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (Aarb), MBA em Transformação Digital e Futuro dos Negócios, jornalista e membro titular do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

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