Opinião

Sobre o marco inicial da prescrição executória no processo penal

Autores

  • Felipe Giacomolli

    é advogado sócio do escritório Giacomolli Advocacia e Consultoria e mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

  • Marcos Pippi

    é mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS e sócio do Marcos Eberhardt Advogados Associados.

6 de junho de 2022, 18h07

O primeiro semestre de 2022 vem sendo movimentado nas turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça e marcado por decisões importantes, como o papel do magistrado durante audiência de instrução nos termos do artigo 212 do CPP, e o requisito da "fundada suspeita" para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, previsto no artigo 244 do CPP. Desta vez, o controvertido tema do marco inicial da prescrição executória estatal ocupa os bancos da Corte Superior.

Na praxis penal, a prescrição é sem sombra de dúvidas a causa de extinção da punibilidade mais aplicada pelos Tribunais ao redor do Brasil e encontra-se regulada nos artigos 109 a 119 do Código Penal. Entende-se por prescrição a "perda do poder-dever de punir do Estado pela não-satisfação da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo" [1]. Há dois momentos em que a inércia estatal e o decurso de tempo podem ocasionar sua ocorrência: antes de transitar em julgado sentença final condenatória (prescrição da pretensão punitiva) ou após o trânsito em julgado de condenação penal (prescrição da pretensão executória).

O busílis gira em torno da segunda, a prescrição da pretensão executória, que surge a partir da satisfação da pretensão punitiva pelo Estado com a obtenção de uma decisão condenatória definitiva, momento em que surge para o Estado o interesse jurídico em executar a pena aplicada nos prazos previstos nos artigos 110 e 112 do Código Penal [2] [3]. A controvérsia jurisprudencial, todavia, reside especificamente no marco inicial da contagem do prazo da prescrição executória estatal na hipótese em que o condenado recorra da decisão.

Diante deste cenário há dois possíveis posicionamentos. O primeiro, considera que o termo inicial da prescrição da pretensão executória contaria a partir do trânsito em julgado "para ambas as partes", sendo, nessa visão, considerado "ilógico" [4] que o Estado estará impedido de exercer o jus puniendi enquanto a defesa estiver fazendo uso das vias recursais em Tribunais Superiores, por exemplo. Em apertada síntese, os defensores dessa tese advogam decorrer de uma compreensão sistêmica entre o Código Penal e o Código de Processo Penal, uma vez que o título condenatório só seria exequível após o julgamento de todos os recursos [5].

Nesse sentido, existem julgados do Superior Tribunal de Justiça que afirmam: "Não há que se falar em prescrição da pretensão executória, se ainda não houve o trânsito em julgado para ambas as partes"[6].

De outro lado, há o segundo posicionamento, aplicando a literalidade do dispositivo constante no Código Penal: "a redação do artigo 112 do Código Penal é expressa no sentido de que o termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível começa a correr 'do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional'" [7]. Atualmente, essa é a posição majoritária do Superior Tribunal de Justiça, como se verifica de quatro recentes julgados nessa vertente: AgRg no AgRg no HC nº 669.494/SP [8], HC nº 723.211/SP [9], EDcl no AgRg no REsp nº 1.943.199/PR [10] e EDcl no AgRg no AREsp nº 1.767.425/RJ [11]. A interpretação literal do artigo 112, I, do CP, além de mais benéfica ao acusado, continua plenamente aplicável uma vez que o dispositivo não foi revogado, declarado inconstitucional ou não recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de modo que permanece sendo a exegese mais adequada sobre o tema.

O Supremo Tribunal Federal, a seu turno, já proferiu decisões endossando a posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça, como no HC n.º 115.269 [12], no Ag em RExt n. 682.013/SP [13]. Atualmente, inclusive, revela-se o Tema n° 788, em sede de Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal em trâmite desde o ano de 2014. Conforme veiculado recentemente, o relator da matéria, ministro Dias Toffoli, apresentou a seguinte tese para discussão pela Corte na sistemática da repercussão geral: "o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes, momento em que nasce para o Estado a pretensão executória da pena", sendo a interpretação semelhante à do ministro Gilson Dipp, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no ano de 2000 [14].

Destarte, até que o Tema de Repercussão Geral nº 788 não chegue a termo, soa pacífico na jurisprudência dos Tribunais Superiores o entendimento de que o marco inicial da contagem do prazo da prescrição executória no processo penal inicia com o trânsito em julgado para a acusação, prestigiando o disposto no artigo 112, inciso I, do Código Penal.


[1] GALVAO, Fernando. Direito penal: parte geral. 13 ed. Belo Horizonte: D`Plácido, 2020. P. 1063.

[2] Código Penal. Artigo 110 (…) §1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

[3]  Código Penal. Artigo 112 – No caso do artigo 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

[4] Agravo em Execução Penal n° 9003055-88.2016.8.26.0050, 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator desembargador Marcos Correa. Dje 05/05/2017.

[5] PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 10 ªed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 1442.

[6] REsp nº 252.403/PR, relator ministro Gilson Dipp. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma, DJe 03/06/2002.

[7] Habeas Corpus n° 406.512/SP. Relatora ministra Laurita Vaz. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. DJe 03/08/2017.

[8] AgRg nos AgRg no HC n. 669.494/SP, Quinta Turma, relatora ministra Ribeiro Dantas, DJe de 01/04/2022

[9] HC nº 723.211, ministro Joel Ilan Paciornik, DJe 27/04/2022.

[10] EDcl no AgRg no REsp nº 1.943.199/PR, Quinta Turma, relator ministro João Otávio de Noronha, DJe 11/04/2022.

[11] EDcl no AgRg no AREsp n. 1.767.425/RJ, relator ministro Jesuíno Rissato (desembargador Convocado do TJ/DF), Quinta Turma, DJe 17/5/2022.

[12] Habeas Corpus nº 115.269, relatora ministra Rosa Weber. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma. DJe 19/9/13.

[13] Agravo em Recurso Extraordinário nº 682.013/SP, relatora ministra Rosa Weber. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma. DJe 06/02/2013.

[14] Recurso Especial n° 121349/SP, Quinta Turma. Relatora ministra Gilson Dipp. DJe em 28/02/2000.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório Giacomolli Advocacia e Consultoria, mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS e especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS.

  • é advogado, sócio do escritório Marcos Eberhardt Advogados Associados e especialista em Ciências Penais pela PUCRS.

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