Público & Pragmático

Cobrança pela exploração de faixas de domínio em concessões rodoviárias

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5 de junho de 2022, 8h02

Faixas de domínio são as áreas laterais e adjacentes às rodovias. Naquelas concedidas à iniciativa privada, é comum que sua exploração seja facultada a terceiros, mediante o pagamento de uma contrapartida financeira. É uma forma de obtenção de receita acessória que, se bem utilizada, reverte em favor da modicidade tarifária. Seu fundamento legal é o artigo 11 da Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões). Assim, em regra, não há óbice para a sua exploração pelas concessionárias.

Há uma exceção particular a essa regra. Não é possível afirmar, com certeza, que concessionárias rodoviárias podem cobrar, de concessionárias do setor elétrico, pelo uso das faixas de domínio. Essa insegurança não decorre, diretamente, da lei, mas de um desencontro jurisprudencial entre as duas principais cortes do país.

O Supremo Tribunal Federal (STF) [1] em julgados recentes, considerou inconstitucional a autorização, por lei estadual ou municipal, da autorização de cobrança pelo uso de faixas de domínio de rodovias. A partir da interpretação dos artigos 21, XII, b e 22, IV, da Constituição Federal, formou-se o entendimento de que a competência para legislar sobre a prestação de serviços públicos no setor de energia é exclusiva da União e, por isso, não poderia ser exercida pelos demais entes federados.

Ademais, a jurisprudência do STF se consolidou no sentido de que foi recepcionado, pela Constituição Federal de 1988, o artigo 151 do Decreto nº 24.634/1934 (Código de Águas). Ele garante, às concessionárias de energia elétrica, o direito de usar, gratuitamente, bens públicos (como as faixas de domínio das rodovias) para o desempenho de atividades atreladas à prestação dos serviços a ela delegadas.

O STF entende, assim, que a matéria já foi regulamentada pela União, de forma que lei promulgada por ente federativo diverso não pode autorizar as concessionárias a cobrarem taxa pelo uso de faixas de domínio de rodovias. Em sentido diverso, e por fundamentos distintos, consolidou-se no Superior Tribunal de Justiça (STJ) jurisprudência que autoriza a cobrança do uso da faixa marginal de rodovias [2].

O fundamento apontado é o artigo 11 da Lei de Concessões, que autoriza a previsão, no edital de licitação, a possibilidade de a concessionária obter renda proveniente de receitas alternativas, de modo a favorecer a modicidade tarifária. O STJ, assim, consolidou o entendimento de que, desde que previsto no edital e no contrato de concessão, é possível a cobrança pela exploração de faixas de domínio em rodovias, ainda que por parte de concessionárias prestadoras de serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica.

A dissonância entre as cortes tem origem em olhares distintos obre o tema: (1) sob o prisma constitucional, o STF enxerga um conflito de competências, no qual vem decidindo em favor da União; ao passo que (2) o STJ, julgando casos individuais, enxerga na Lei de Concessões um permissivo genérico e autoriza a cobrança pelo uso das faixas de domínio, desde que previstas no Contrato. Inobstante a validade de ambos os fundamentos, esta divergência é causa de insegurança jurídica grave nos setores de energia e rodoviário.

Basta recordar que o artigo 11, §1º, da Lei de Concessões determina que a possibilidade de exploração de receita acessória deve ser levada em consideração ao se auferir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Sem estabilidade na jurisprudência, a modelagem das concessões fica comprometida. No limite, mesmo os pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro podem ser afetados.

Do Poder Judiciário, o que se espera é a pacificação da jurisprudência. A incerteza, mais do que a prevalência de qualquer um dos entendimentos debatidos neste artigo, causa danos ao mercado, gera incertezas aos investidores e cria obstáculos para o pleno desenvolvimento dos setores por ela afetados. Pensando o Direito em termos pragmáticos, a consonância de decisões, qualquer que seja o sentido, é mais favorável aos investidores do que o cenário atual.

 


[1] São exemplos dessa tendência ADI 3.763, rel. min. Carmen Lúcia, j. 8/4/2021, DJe 14/5/2021; ADI 4.925/SP, rel. min. Teori Zavascki, j. 12/2/2015, DJe 10/3/2015; e RE 581.947, rel. min. Eros Grau, j. 27/5/2010, DJe 27/8/2010.

[2] Conferir EREsp 985.965/RJ, rel. min. Humberto Martins, j. 26/11/2014; DJe 12/12/2014; REsp 975.097/SP, rel. min. Denise Arruda, rel. p/ acórdão min. Humberto Martins, j. 9/12/2009, DJe 14/5/2010; e AREsp 1.989.609/SP, rel. min. Mauro Campbell Marques, j. 25/4/2022, DJe 28/4/2022.

Autores

  • Brave

    é pós-doutorando pela Universidade de São Paulo, doutor em Direito, Tecnologia e Regulação pela UnB, mestre em Direito Privado pela PUC-SP e sócio de Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

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    é doutorando em Direito Administrativo pela USP, mestre em Direito Administrativo pela FGV Direito Rio, bacharel em Direito pela PUC-Rio e advogado de Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

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