Direito do Agronegócio

Hedge e aspectos fiscais

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

3 de junho de 2022, 8h03

Como é de conhecimento, diante da volatilidade do mercado, a realização de operações com derivativos assume de longa data relevante papel na gestão financeira das companhias, sobretudo, a fim de obter cobertura ou proteção quanto à variação de preços.

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Isto fica evidente no segmento do agronegócio por sua relação com commodities e vocação exportadora, com riscos inatos relacionados à produção e preço.

Bem por isso, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, apresentaremos algumas ponderações a respeito de aspectos fiscais do uso de derivativos com finalidade de "hedge".

As operações de hedge, no formato que hoje conhecemos, têm sua origem nos Estados Unidos, onde Alfred W. Jones, economista de Harvard, em 1949, criou um "hedge fund", por meio do qual este instrumento seria uma forma de "utilizar-se de ferramentas especulativas para fins conservadores" [1].

Em verdade, hedge, expressão que em inglês significa "cerca, muro, barreira, limite", consiste em uma "proteção ou cobertura de risco", sobretudo, em razão da variação normal de preços. Daí se qualificar tal operação como um contrato de cobertura [2].

Ele surge, portanto, com a finalidade efetiva de afastar riscos relacionados às operações de compra e venda para entrega futura de mercadorias ("commodities"), moeda, ações, ativos financeiros, entre outros.

Sendo assim, do ponto de vista econômico, pode ser reconhecido como um "seguro de preços" [3]. Já, na perspectiva jurídica, como, inclusive, veremos mais adiante à luz do direito positivo, o hedge é assim qualificado por sua finalidade e não pelos instrumentos em si, que poderão ter diversas estruturas e formas.

Aliás, do ponto de vista legal, é possível notar que, no direito brasileiro, sobretudo, a legislação tributária, reconhece o hedge por sua finalidade, uma vez que enuncia o artigo 77, inciso V, § 1º, da Lei n. 8.981/95:

"Artigo 77. O regime de tributação previsto neste Capítulo não se aplica aos rendimentos ou ganhos líquidos:

(…)

V – em operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadoria e de futuros ou no mercado de balcão.

§ 1º. Para efeito do disposto no inciso V, consideram-se de cobertura (hedge) as operações destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado:

a) estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica;

b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.

§ 2º. O Poder Executivo poderá definir requisitos adicionais para a caracterização das operações de que trata o parágrafo anterior, bem como estabelecer procedimentos para registro e apuração dos ajustes diários incorridos nessas operações."

Vê-se, assim, que à luz do direito positivo, o hedge consiste em uma operação de cobertura realizada em bolsa de valores, de mercadorias e futuros ou no mercado de balcão, quando tiverem por destinação a proteção contra riscos relacionados às oscilações de preço ou taxas, tendo o objeto do contrato negociado vínculo com a atividade operacional da empresa e finalidade de proteção de direitos ou obrigações desta.

Se a operação de hedge, portanto, será caracterizada por sua finalidade voltada à proteção de riscos, os instrumentos ou negócios jurídicos que podem ser celebrados possuem diversos formatos ou espécies.

Podemos identificar trêsespécies ou instrumentos utilizados com pretensão de proteção ou cobertura (hedge): (1) — swap [4]; (2) — NDF ("non deliverable Forward"); e (3) — opções.

Ainda a respeito da legislação, temos a Instrução Normativa nº 1.700/2017, que em seu artigo 39 explicita:

"Artigo 39. Serão acrescidos às bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, no mês em que forem auferidos, os ganhos de capital, as demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não compreendidas na receita bruta definida no art. 26, inclusive: (…)

II – os ganhos auferidos em operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsas de valores, de mercadorias e de futuros ou no mercado de balcão organizado;"

Por sua vez, a Subseção Única da Instrução Normativa nº 1.700/2017, quanto às "Operações Realizadas para fins de Hedge", enuncia no artigo 107:

"Artigo 107. Consideram-se operações realizadas para fins de hedge as operações com derivativos destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado: (…)

I – estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; e

II – destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.

(…) § 1º. O disposto no caput aplica-se também às operações de hedge realizadas nos mercados financeiro ou de liquidação futura de taxas de juros, de preços de título ou valor mobiliário, de mercadoria, de taxa de câmbio e de índices, desde que objetivem a proteção de negócios relacionados com a atividade operacional da empresa e se destinem à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica. (…)

§ 2º. A limitação de dedutibilidade de perdas prevista no art. 106 não se aplica às perdas incorridas nas operações de que trata este artigo.

§ 3º. Será adicionalmente admitida a dedutibilidade de perdas em operações para hedge registradas no mercado de balcão organizado ou em sistemas de registro administrados por entidades autorizadas nos termos da legislação vigente.

§ 4º. As variações no valor justo do instrumento de hedge e do item objeto de hedge, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, devem ser computadas no mesmo período de apuração, observado o disposto no art. 105.

Art. 108. Sem prejuízo do disposto no art. 107, as operações com instrumentos financeiros derivativos destinadas a hedge devem atender, cumulativamente, às seguintes condições:

I – ter comprovada a necessidade do hedge por meio de controles que mostrem os valores de exposição ao risco relativo aos bens, direitos, obrigações e outros itens objeto de hedge, destacados o processo de gerenciamento de risco e a metodologia utilizada na apuração desses valores; e

II – ter demonstrada a adequação do hedge por meio de controles que comprovem a existência de correlação, na data da contratação da operação, entre as variações de preço do instrumento de hedge e os retornos esperados pelos bens, direitos, obrigações e outros itens objeto de hedge.

II – ter demonstrada a adequação do hedge por meio de controles que comprovem a existência de correlação, na data da contratação da operação, entre as variações de preço do instrumento de hedge e os retornos esperados pelos bens, direitos, obrigações e outros itens objeto de hedge.

Parágrafo único. No caso de não atendimento, a qualquer tempo, das exigências previstas no art. 107 ou na falta de comprovação da efetividade do hedge, a operação será tributada na forma prevista no art. 105 e a compensação de perdas na apuração do IRPJ e da CSLL fica limitada aos ganhos auferidos em outras operações de renda variável, conforme disposto no inciso II do caput do art. 106.

Art. 109. No caso de resultados líquidos, positivos ou negativos, obtidos em operações de hedge realizadas em mercados de liquidação futura, diretamente pela empresa brasileira, em bolsas no exterior, deverá ser observado o disposto no art. 17 da Lei nº 9.430, de 1996, e em regulamentação específica."

Diante de referida legislação, para fins fiscais, notadamente, IRPJ e CSLL, podemos enumerar como requisitos visando a configuração da operação como de "hedge":

(1) — finalidade exclusiva de proteção;

(2) — operações com derivativos destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas como também mercados financeiro ou de liquidação futura de taxas de juros, de preços de título ou valor mobiliário, de mercadoria, de taxa de câmbio e de índices;

(3) — objeto do contrato ou negócio:

(3.a) — estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; e

(3. b) — destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.

(4) — prova do contribuinte:

(4.a) — necessidade do hedge por meio de controles que mostrem os valores de exposição ao risco relativo aos bens, direitos, obrigações e outros itens objeto de hedge, destacados o processo de gerenciamento de risco e a metodologia utilizada na apuração desses valores; e

(4. b) — adequação do hedge por meio de controles que comprovem a existência de correlação, na data da contratação da operação, entre as variações de preço do instrumento de hedge e os retornos esperados pelos bens, direitos, obrigações e outros itens objeto de hedge.

Havendo o cumprimento de tais condições ou requisitos, uma das consequências relevantes a ser apontada diz respeito à dedutibilidade das perdas, sem limitações.

Importante, porém, trazer precedentes do Carf que cuidam do tema e enfrentam exatamente a relevância do cumprimento de tais condições ou requisitos à luz do caso concreto e provas produzidas:

"INSTRUMENTOS FINANCEIROS COBERTOS POR MEIO DE HEDGE. INAPLICAÇÃO DE LIMITE DE DEDUÇÃO DE PERDA. Se há comprovação de que a contratação de instrumentos financeiros derivativos com cobertura cambial por meio de hedge teve o propósito de neutralizar os efeitos decorrentes da variação cambial a que estavam sujeitas as operações da empresa, correto é o entendimento de que a regra específica do art. 76, §4º da Lei 8.981/1995 (base legal do inciso X do art. 249 do RIR/1999) não se aplica a estes casos, cabendo a dedução integral de eventual perda incorrida na operação. Lançamento que se afasta" (CARF, AC. 1401-002.352).

"PERDAS. APLICAÇÕES FINANCEIRAS. HEDGE. DEDUTIBILIDADE. REGISTRO CETIP. Demonstrado efetivo registro na CETIP, são dedutíveis as perdas. São plenamente dedutíveis na determinação do lucro real as perdas verificadas pela pessoa jurídica em aplicações financeiras em bolsa e em swap quando tais aplicações tiverem como finalidade o hedge. São plenamente dedutíveis na determinação do lucro real as perdas verificadas pela pessoa jurídica em aplicações financeiras em bolsa e em swap quando tais aplicações tiverem como finalidade o hedge (…)."

"APLICAÇÃO FINANCEIRA “SWAP” PARA FINS DE HEDGE. DEDUÇÃO DE PERDAS. Os lançamentos fiscais aqui controvertidos partem da premissa errônea de que as perdas em operações de Swap para Hedge teriam finalidade especulativa, o que não se comprovou. Assim, dedutíveis todas as perdas e não somente até o limite dos ganhos, fato que também não é só aplicável às instituições financeiras, nos termos do inciso V do art. 77 da Lei n. 8.981/95, e art. 35, § 2°, da Instrução Normativa SRF n° 25/2001 razão pela qual é absolutamente insustentável o lançamento em destaque" (CARF, AC. '1301-002.915 ).

"APLICAÇÃO FINANCEIRA “SWAP” PARA FINS DE HEDGE. DEDUÇÃO DE PERDAS. Os lançamentos fiscais aqui controvertidos partem da premissa errônea de que as perdas em operações de Swap para Hedge teriam finalidade especulativa, o que não se comprovou. Assim, dedutíveis todas as perdas e não somente até o limite dos ganhos, fato que também não é só aplicável às instituições financeiras, nos termos do inciso V do art. 77 da Lei n. 8.981/95, e art. 35, § 2°, da Instrução Normativa SRF n° 25/2001 razão pela qual é absolutamente insustentável o lançamento em destaque" (CARF, AC. 1301-002.915).

"Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica — IRPJ Ano-calendário: 2009 LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA DE CONTRATOS NDF. MOTIVAÇÃO EXCLUSIVAMENTE FINANCEIRA. DESCARACTERIZAÇÃO DO HEDGE. INDEDUTIBILIDADE. A opção de liquidar antecipadamente os contratos NDF com objetivo eminentemente financeiro de evitar aumento da perda já verificada pela valorização do Dólar, implica na descaracterização da função do hedge, que seria a de proteção contra oscilações da taxa de câmbio" (CARF, AC. 1402-002.415 ).

"Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ Data do fato gerador: 31/12/2008. GLOSA DE DESPESAS FINANCEIRAS. PERDAS COM SWAP. Quando não se prova que a operação no mercado de derivativos se relaciona à proteção dos direitos e obrigações da contribuinte, fica descaracterizado o propósito de cobertura de risco (hedge) da operação. Nesse caso, para fins de dedutibilidade na determinação do lucro real, impõe-se o reconhecimento das perdas apuradas em operações de swap somente até o limite dos ganhos auferidos nas operações de mesma natureza" (CARF, AC. 1402-002.181 ).

"GLOSA DE CUSTOS E DESPESAS – PERDAS EM CONTRATOS DE HEDGE – ART. 396 DO RIR/99 – APLICAÇÃO EM BOLSA Para fins do art. 396 do antigo RIR (aprovado pelo Decreto 3.000/99), as operações de hedge contratadas mediante emprego de intermediários, notadamente, os chamados prestadores de serviços de compensação e liquidação, adotando-se procedimentos para consolidar (compensar) posições diversas e opostas de variadas empresas, dentro destas câmaras de compensação, ainda serão consideradas realizadas “em bolsa”. GLOSA DE CUSTOS E DESPESAS – PERDAS E CONTRATO DE HEDGE – PROVA – DEDUTIBILIDADE Comprovada a efetiva contratação de operações para cobertura de riscos com a variação de preços de commodities fixados pelo mercado de valores, há que se reconhecer a dedutibilidade dos respectivos custas e das despesas que lhes são acessórias" (CARF, Ac. 1302-004.262).

"IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ) Ano-calendário: 2009 PERDAS. APLICAÇÕES FINANCEIRAS. HEDGE. São plenamente dedutíveis na determinação do lucro real as perdas verificadas pela pessoa jurídica em aplicações financeiras em bolsa e em swap quando tais aplicações tiverem como finalidade o hedge. GLOSA DE DESPESAS FINANCEIRAS. PERDAS COM DERIVATIVOS. Quando se prova que a operação no mercado de derivativos se relaciona à proteção dos direitos e obrigações da contribuinte, fica caracterizado o propósito de cobertura de risco (hedge) da operação. Nesse caso, para fins de dedutibilidade na determinação do lucro real, impõe-se o reconhecimento das perdas apuradas em operações com derivativos" (CARF, Ac. 1201-003.609).

São, portanto, algumas ponderações a respeito da dedutibilidade para fins de IRPJ e CSLL, quanto às operações de "hedge", altamente relevantes no setor do agronegócio.

 


[1] – GABELLI, Mario J. The history os hedge founds. "Apud" MOREIRA, André Mendes. PIS e COFINS. Incidência sobre operações do swap/Hedge e variações cambiais. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 111. Dez. 2004. P. 9.

[2] – CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda.- Operações de Hedge internacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 27. P. 153.

[3] – KEYNES, John Maynard. A treatise on Money. V. 2. Cap. XXIV. Londres, 1930.

[4] – Resolução nº 2138 – BACEN.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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