Prática Trabalhista

É possível a penhora de salário para pagamento de dívida trabalhista?

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

2 de junho de 2022, 8h01

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 foi introduzida uma novidade legislativa em observância ao disposto no artigo 833, inciso IV, § 2º [1]. E aqui surge o debate a respeito da legitimidade de ser autorizar a penhora, ainda que parcial, sobre salários, vencimento e proventos de aposentadoria para o pagamento de dívidas trabalhistas.

O assunto, por certo, não se encontra pacificado. Existem decisões divergentes nos Tribunais Regionais do Trabalho, verificando-se, inclusive, a instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas para uniformização da jurisprudência no âmbito do e. TRT da 18ª Região [2].

Frise-se, por oportuno, que o artigo 835 do Código de Processo Civil [3] enumera a ordem preferencial a ser observada na penhora, de forma que o dinheiro aparece na primeira posição, mantendo-se a logicidade outrora já existente no CPC de 1973.

Com efeito, em que pese a Justiça do Trabalho possua inúmeras ferramentas eletrônicas para a localização de bens do devedor, nem sempre se obtém um resultado positivo. Isto porque muitas vezes o devedor não possui recursos financeiros ou se utiliza de mecanismos para ocultar o seu patrimônio com o intuito de criar uma "blindagem patrimonial", e, por conseguinte, se esquivar da execução.

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Destarte, impende destacar que, uma vez constatado que o devedor esconde seus bens para não satisfazer o crédito trabalhista, tal conduta poderá ser considerada como ato atentatório à dignidade da justiça, e, portanto, passível de multa [4].

Não por outra razão que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, através de sua Corregedoria Regional, implantou o Programa "SOS Execução" [5], com o objetivo de dar uma maior efetividade à fase de cumprimento de sentença.

De igual modo, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região criou a Secretaria de Execução (Sexec) [6], centralizando, assim, as execuções para impulsioná-las e propiciar a cobrança judicial.

Dito isso, o Tribunal Superior do Trabalho também já foi provocado a emitir um juízo de valor quanto à possibilidade de se penhorar proventos do devedor para o pagamento da dívida existente [7]. Para os ministros da 7ª Turma, após as mudanças trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, é perfeitamente possível e legal o bloqueio de valores em conta-salário, proventos de aposentadoria ou pensão [8].

Nesse diapasão, oportunos são os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg [9]:

"É bem de ver que a proteção legal da impenhorabilidade do salário não pode constituir uma blindagem patrimonial do executado, notadamente quando este percebe a título de salário quantias significativas, devendo ser adotado o critério da proporcionalidade, de modo a manter o devedor a quantia suficiente para a manutenção de sua subsistência e ao mesmo tempo permitir, ao menos, a quitação, ainda que parcial, da dívida trabalhista, de natureza alimentar, mediante penhora de parte do salário.
Assim, como em decorrência da observância do direito fundamental à tutela efetiva e da razoabilidade, e observando a natureza alimentar do crédito trabalhista, é possível a penhora de determinado percentual do salário que não comprometa a subsistência digna do devedor — que não inclui uma vida luxuosa — até, por que a parcela do rendimento que excede às despesas mensais da subsistência vai ser destinado a investimentos (aplicações, aquisições de bens etc.), não se justificando a impenhorabilidade de tal parcela, assim como a penhora de valores mais elevados para aqueles que auferem renda muito acima da média da população e que se recusam a cumprir a sentença judicial".

À época de vigência do CPC de 1973, havia posição contrária dos Ministros integrantes da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho. Na opinião do então relator, que entendia não ser possível tal bloqueio, "a forma do orientador jurisprudencial, tem-se que os créditos deferidos em reclamação trabalhista não se incluem na definição de prestação alimentícia, o que afasta a interpretação ampliativa do preceito legal (CPC/73, artigo 649, § 2º; NCPC, artigo 833)" [10].

Entrementes, em setembro de 2017, o Tribunal Superior do Trabalho, revisou a redação da Orientação Jurisprudencial nº 153, da SBDI-2, limitando a incidência do verbete a situações ocorridas na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Desde então, a própria SBDI-2 do TST passou a autorizar a penhora de salários para fins de pagamento de verbas trabalhistas.

Noutro giro, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça foi instada a se pronunciar sobre a possibilidade de penhora de salário para o pagamento de honorários de sucumbência [11]. O Tema Repetitivo nº 1.153 [12], submetido a julgamento, definirá se os honorários de sucumbência, por força de sua natureza alimentar, ajustam-se ou não na exceção prevista no §2º do artigo 833 do Código de Processo Civil.

Em arremate, vale dizer que se, por um lado, o devedor não pode ter a sua subsistência comprometida, por outro este direito não pode se sobrepor ao direito do credor, principalmente dada à natureza jurídica alimentar da verba trabalhista.


[1] Art. 833. São impenhoráveis: (…). IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º (…). § 2º. O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .

[2] Disponível em https://www.trt18.jus.br/portal/irdr-penhora-salario/. Acesso em 31/5/2022.

[3] Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV – veículos de via terrestre; V – bens imóveis; VI – bens móveis em geral;
VII – semoventes; VIII – navios e aeronaves; IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X – percentual do faturamento de empresa devedora; XI – pedras e metais preciosos; XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII – outros direitos.

[4] Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que: I – frauda a execução; II – se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III – dificulta ou embaraça a realização da penhora; IV – resiste injustificadamente às ordens judiciais; V – intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus. Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material.

[9] Execução Trabalhista na prática. – Leme, SP: Mizuno, 2021. Página 224 e 225

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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