Abusos em série

Juiz condena União a indenizar delegado perseguido pela "lava jato"

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1 de junho de 2022, 8h22

Por entender que houve evidente abuso de direito no comportamento das autoridades que promoveram medidas disciplinares contra o delegado da Polícia Federal Mário Renato Castanheira Fanton, o juiz Cláudio Roberto Canata, da 1ª Vara do Juizado Especial Federal de Bauru (SP), condenou a União a indenizá-lo em R$ 66 mil por danos morais.

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Após denunciar irregularidades do consórcio da "lava jato", delegado sofreu perseguição

Antes de atuar na finada "lava jato", Fanton era um delegado em ascensão na corporação. Ele caiu em desgraça, contudo, ao questionar os métodos do consórcio, que atualmente passam pelo escrutínio público e por investigações — inclusive pelo Tribunal de Contas da União.

Na ação que resultou na condenação da União, o delegado elencou uma série de irregularidades que presenciou no intervalo de 71 dias, entre fevereiro e maio de 2015, em que atuou na autodenominada força-tarefa, como práticas de falsa perícia, fraude processual, prevaricação, condescendência criminosa, falso testemunho, denunciação caluniosa e associação criminosa.

Ao analisar o caso, o magistrado citou o princípio da impessoalidade na interpretação do ministro aposentado do STF e jurista Celso de Mello, que prega que "simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie".

Fanton sustenta que durante a investigação do inquérito da escuta ambiental foi pressionado por parte dos delegados a destruir provas que foram posteriormente periciadas e anexadas a processo administrativo.

Na decisão, o magistrado aponta que "impressiona o número de processos administrativos e ações penais instaurados contra o autor, em seguida ao episódio em que foi denunciada a existência de interceptação ambiental na carceragem da Polícia Federal em Curitiba".

O juiz lembrou que nesses processos administrativos o delegado teve de recorrer ao Poder Judiciário para ter reconhecidos direitos constitucionais. Ele ponderou que a própria necessidade de ter de contratador advogado e recorrer às vias judiciais para ter satisfeito a um direito claríssimo já é em si desgastante.

No caso abordado pelo julgador, Fanton teve negado pedido para acompanhar por videoconferência processo administrativo disciplinar, tendo de se deslocar de Bauru até Curitiba para participar de uma mera audiência. No mesmo período, há registros de outros processos administrativos, envolvendo outros servidores do DPF, em que foi utilizada normalmente a videoconferência.

"Qual o motivo, então, para que essa prerrogativa não fosse estendida ao autor? Qual a razão para não se deferir a ele o mesmo tratamento dado a outros servidores do mesmo departamento?", questionou o juiz ao apontar que o fato leva a crer que existem "motivos pessoais inconfessáveis" no tratamento dispensado ao delegado.

Danos psicológicos
O juiz afirmou que o desgaste psicológico causado a Fanton é comprovado por documentação médica anexada aos autos — não impugnada pelos réus —, que indica que ele ficou incapacitado para o exercício de atividades laborais por "transtornos de adaptação".

"O demandante experimentou ainda o distanciamento de seus colegas de trabalho, os quais, diante de todas as acusações que contra ele pairavam, expressaram 'temor/receio' de trabalhar em sua companhia, visto que o seu retorno às atividades, na visão deles, causaria um 'impacto negativo' (sic), conforme ofício enviado à Superintendência da Polícia Federal", apontou o magistrado ao condenar a União a indenizar o delegado.

Representante de Fanton na esfera criminal, o advogado José Augusto Marcondes de Moura Jr. afirmou à ConJur que as barbaridades cometidas pela "lava jato", estão vindo à tona. “Certamente esse episódio de perseguição ao delegado federal Mário Fanton é a mostra mais visível das barbáries cometidas na condução de uma investigação".

Ônus lavajatista
Reportagem publicada pela Conjur o último dia 23 de abril já havia apontado que anulações de decisões da finada "lava jato" e seus desdobramentos têm feito com que cresça um movimento de vítimas para pedir indenização pelos danos causados pela autodenominada força-tarefa.

Em artigo publicado na ConJur, o advogado Gilberto Vieira afirmou que a "lava jato" foi encerrada, mas a Justiça ainda terá de se pronunciar sobre os erros judiciais, as condutas processuais adotadas e, posteriormente, apurar os danos que foram causados, talvez ilicitamente e propositadamente, a todo o setor de construção pesada do país.

Vieira lembrou o caso de Zuleido Veras, dono da empreiteira Gautama. "Zuleido Veras foi destroçado como pessoa e como profissional por atos judiciais e por condutas não judiciais, mas propositais, oriundas de agentes públicos, a exemplo da espetacularização midiática da prisão dos investigados na operação 'navalha', ou mesmo de vazamento de dados sigilosos, ou ainda através de diversas entrevistas de acusadores e de juízes, como a então ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça".

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0002480-31.2021.4.03.6325

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