Opinião

Exonerando o devedor de alimentos à prestação de verbas alimentícias

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1 de junho de 2022, 13h01

A 3ª  Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de firmar acordo a fim de exonerar o devedor de alimentos devidos e não pagos, com fundamentação do artigo 1.707 do Código Civil.

Cingiu a controvérsia com relação à (im)possibilidade de homologação de acordo firmado em sede de ação de alimentos, visando exonerar o devedor com relação aos alimentos devidos e não pagos, haja vista o caráter irrenunciável e personalíssimo da obrigação alimentar.

Nesse sentido, o STJ aclarou pela possibilidade de celebração de acordo em ação de alimentos, com relação às verbas pretéritas, pois, interpretando-se os dizeres do artigo 1.707 do Código Civil [1], o credor poderá deixar de exercer os direitos aos alimentos, sendo-lhe vedada a renúncia aos alimentos.

Afinal, é preciso diferenciar o direito aos alimentos, que é indisponível e personalíssimo, do efetivo exercício do credor de pleitear pelo recebimento das verbas alimentícias, o qual é passível de renúncia, tendo-se em vista que não se pode obrigar o beneficiário a exercer esse direito.

De tal modo, a irrenunciabilidade e a vedação à transação estão limitadas aos alimentos presentes e futuros, visto que ligados intrinsicamente ao direito de alimentos, hipótese essa que não impossibilita a transação com relação aos alimentos pretéritos.

Neste sentido, o STJ exarou que "a extinção da execução em virtude da celebração de acordo em que o débito foi exonerado não resultou em prejuízo, pois não houve renúncia aos alimentos vincendos e que são indispensáveis ao sustento das alimentandas. As partes transacionaram somente o crédito das parcelas específicas dos alimentos executados, em relação aos quais inexiste óbice legal. (…) Além disso, o recorrente não apontou concretamente a efetiva existência de prejuízos decorrentes da transação do débito alimentar vencido. Nesse contexto, os alimentos pretéritos perdem relevância, não havendo motivo para impor às partes integrantes da relação alimentar empecilho à sua transação, tendo em vista que, como assinalado, não decorreram prejuízos ao sustento das alimentadas" [2].

Assim, exceto quando se comprove a efetiva ocorrência de prejuízos ao alimentado, poderão as partes transacionarem com relação à prestação dos alimentos pretéritos, hipótese essa que não configura renúncia aos alimentos futuros, preservando-se os direitos do alimentado, bem como resguardando a possibilidade de autocomposição e manutenção dos vínculos afetivos entre as partes.

Para a doutrina, ainda existe certa resistência e discussão com relação à temática. Para Flávio Tartuce, a natureza da obrigação de alimentos é especial, não sendo passível de transação:

"(…) a obrigação alimentar não pode ser objeto de transação, ou seja, de um contrato pelo qual a dívida é extinta, por concessões mútuas ou recíprocas (artigos 840 a 850 do CC). Como é notório, apenas quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação (artigo 841 do CC). Como outrora exposto, a natureza da obrigação de alimentos é especial, fundada na dignidade humana e em direitos da personalidade" [3].

Sob outra perspectiva, Maria Berenice Dias assinala pela possibilidade de celebração de acordo entre as partes:

"(…) A irrenunciabilidade atinge o direito, não seu exercício. Se de um lado, não é possível a renúncia ao direito a alimentos, de outro não se pode obrigar o beneficiário a exercer esse direito. (…) A irrenunciabilidade diz com o direito a alimentos e não com as prestações vencidas e não pagas. Não alcança o débito alimentar. Mesmo quando o credor é incapaz, é admissível transação reduzindo o valor da dívida. Ou seja, o credor não pode renunciar ao direito de pleitear alimentos. Mas, em sede de cobrança, a transação perdoando ou reduzindo débitos pretéritos pode ser homologado judicialmente" [4].

Apesar das ainda atuais discussões, no julgamento do REsp nº 1.529.532/DF, a 3º Turma do STJ negou provimento recurso interposto pelo Ministério Público  buscando a decretação da impossibilidade de renúncia pelo genitor às verbas alimentícias devidas ao menor — mantendo-se a decisão de primeiro grau que julgou extinta a ação de alimentos após a transação firmada, a qual exonerou o alimentante com relação ao pagamento dos créditos pretéritos.


[1] "Artigo 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora".

[2] Recurso Especial nº REsp nº 1.529.532/DF (2015/0100156-2)  Superior Tribunal de Justiça.

[3] Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único, 9ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2019, p. 1274

[4] DIAS, Maria Berenice. Alimentos: direito, ação, eficácia e execução. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, págs. 38-39.

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