Opinião

Relevância como instituto em construção: necessidade e importância da futura

Autor

  • Vinicius Silva Lemos

    é pós-doutorando em Processo Civil pela Uerj doutor em Processo Civil pela Unicap mestre em Sociologia e Direito pela UFF especialista em Processo Civil pela Faro professor de Processo Civil na Faro e na Uniron advogado presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR) e membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep) do Centro de Estudos Avançados em Processo (Ceapro) da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC) da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

29 de julho de 2022, 13h16

A relevância das questões federais objeto de recurso especial é um novo instituto do processo civil brasileiro, porém com poucas informações sobre os limites do próprio instituto e de sua aplicabilidade, pelo fato da Emenda Constitucional no 125/22 instituir a necessidade de uma lei regulamentadora do instituto da relevância.

Sabe-se que a relevância deve ser cobrada no recurso especial e, sem a sua presença, impede a apreciação do mérito do referido recurso. A relevância da questão federal do recurso especial é um requisito de admissibilidade, como dito, mas será somente isso? Esse é um ponto de crucial construção na futura lei regulamentadora.

O processo legislativo futuro definirá, diante de diversas hipóteses, os limites conceituais da relevância, concedendo-lhe um tamanho ainda não visível para o seu impacto no processo civil e na própria atuação do STJ a partir de sua aplicabilidade.

O tamanho e impacto do instituto da relevância serão complementados quando sobrevier a lei regulamentadora, com dois caminhos já conhecidos no direito brasileiro e nos Tribunais Superiores, com a escolha necessária a ser realizada: 1) como filtro de admissibilidade recursal individual e discricionário; ou 2) meio de formação de precedente vinculante.

Analisaremos essas 2 hipóteses possíveis do que pode vir a ser a relevância quando a lei  debruçar-se sobre a matéria.

Relevância como filtro de admissibilidade individual
Numa perspectiva do que pode ser a relevância, uma escolha legislativa pode levar a relevância a ser um mero filtro de admissibilidade, um requisito de admissibilidade inerente a cada recurso especial, a ser analisado de maneira meramente individualizada.

O que seria essa escolha? Não se pode retirar da relevância e sua arguição o fato de ser um requisito de admissibilidade do recurso especial, com a obrigatoriedade que o recorrente argumente que a questão federal suscitada no recurso é relevante, a partir do que a lei determine ser a relevância.

No entanto, a relevância pode ser delimitada com um filtro individual, com a possibilidade que relator (apesar da emenda já prever a negativa por 2/3 do colegiado) ou o colegiado aprecie a matéria como não relevante, com a consequente inadmissibilidade daquele recurso especial, com impacto somente individualizado, gerando, independentemente de outra inadmissibilidade recursal, um não conhecimento recursal.

Se for assim delimitada a relevância, a análise e o resultado do relator/colegiado não impactará outros processos, sendo um filtro somente individualizado, sem notadamente proceder qualquer efeito cascata nos recursos conhecidos como relevantes ou não conhecidos pela irrelevância.

A relevância pode ser um requisito de admissibilidade individualizado e totalmente discricionário. Se esta for a opção futura legislativa, a relevância seria basicamente mais um requisito de admissibilidade para cada caso, sem impacto claro e automático nos demais recursos de idêntica matéria.

Obviamente que a relevância de uma matéria, a ser considerada por um colegiado, formaria uma jurisprudência persuasiva e notória para que outros recursos especiais que versem sobre a mesma matéria tivessem maior facilidade de serem igualmente relevantes, mesmo que fosse considerada como meramente individualizada. O mesmo ocorrerá ao inverso, com a apreciação do requisito e a declaração da irrelevância daquela matéria, se for realmente somente individualizada, a negativa não geraria impacto aos demais recursos especiais sobre aquela matéria, não de maneira automatizada, somente servindo como jurisprudência persuasiva e negativa a ser aplicada.

Em qualquer dos casos, a escolha legislativa levaria a relevância mais próxima à transcendência do recurso de revista no TST e um pouco mais distante da repercussão geral no recurso extraordinário no STF.

Se esse for o caminho escolhido, não seria um filtro recursal sobre a relevância e sua admissibilidade, com a matéria sempre tendo relevância caso assim fosse decidido, tampouco que a irrelevância refutasse todos os recursos automaticamente. A construção de uma relevância ou irrelevância seria aos poucos, de maneira diária, construindo uma jurisprudência individualizada e paulatina, não abrupta, não de uma só analise.

Esse ponto seria interessante por possibilitar claramente que cada uma das quatro turmas do STJ (direito público e privado) que dialogarão com a relevância tenham competência para analisar caso a caso sobre a presença ou não da relevância da questão federal do recurso especial, sem a necessidade que fosse de competência deslocada para a seção (ou corte especial), concedendo maior dinamismo ao próprio instituto.

Claramente seria um filtro de admissibilidade com discricionariedade, com a possibilidade de alteração da jurisprudência de uma matéria ser relevante hoje e deixar de ser posteriormente por perder a sua importância ou transcendência, tornando-se irrelevante ou ao inverso, a alteração para deixar de ser irrelevante e passar a ter uma relevância maior. Não seria uma alteração fácil, mas como não seria vinculante, essa virada jurisprudencial poderia acontecer.

Essa é uma visão possível a ser considerada na lei que regulamentará o conceito, limites e alcance da própria relevância. Dessa maneira, seria somente um filtro de admissibilidade, como um requisito a mais a ser analisado, com um ar de discricionariedade, sem impacto nos demais meios formadores de precedentes vinculantes (repetitivos/IAC), dialogando com estes e até melhorando a sua análise, minorando as matérias para se julgar e formar precedentes, trazendo uma melhoria na própria atuação do STJ.

O julgamento do recurso especial com questão federal relevante não mudaria o peso do recurso especial dos dias atuais e o impacto do julgamento por uma das turmas, sem ter vinculação, mas sendo um precedente persuasivo de grande impacto.

Essa é a melhor visão do que seria o conceito de relevância, por dialogar de maneira mais adequada com o que seria relevância para todas as turmas e seções, uma vez que as ações penais já terão relevância presumida e objetiva, sem conceder a elas uma alteração grandiosa na atuação do STJ, impedindo que se entenda, ao menos para estas turmas penais, que a relevância fosse um meio de formação de precedentes judiciais vinculantes.

O problema dessa delimitação é a própria intenção do projeto da Emenda ser mais próxima à repercussão geral e se esperar que o impacto seja maior quando se julga uma matéria relevante, com alguns reflexos em efeito cascata, impedindo subida de recurso, recorribilidade ou outras consequências. Nessa proposta da relevância como um filtro de admissibilidade individual, o impacto da melhoria de atuação do STJ seria aos poucos, sem uma alteração rápida, contudo com uma atuação mais condizente a médio prazo.

Relevância como meio de formação de precedente vinculante
De outro modo, a relevância pode ser regulamentada como um meio de formação de precedente vinculante, com uma análise da sua incidência para que seja julgado o recurso já num procedimento com autoridade para formar uma decisão paradigmática, nos moldes do que ocorre nos recursos repetitivos ou no IAC.

Todavia, pode-se imaginar duas hipóteses nessa escolha, dependendo do que se pode escolher como conceito da relevância: 1) a relevância como um meio de formação de precedente vinculante positivo e negativo; ou 2) a irrelevância como um meio de precedente vinculante negativo.

Na primeira hipótese, a relevância se aproximará da repercussão geral, sendo ao mesmo tempo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário e um meio de formação de precedentes vinculantes.

Nessa construção, uma vez admitido o recurso especial como relevante, a matéria seria tratada como um tema relevante, num procedimento a ser criado, com um colegiado que detenha autoridade judicante para formação de precedente vinculante, além de um contraditório ampliado e o julgamento da tese relevante, vinculando aquele ponto material para os casos análogos, presentes e futuros, gerindo o estoque que existe no STJ e demais Tribunais e formando um precedente para os casos futuros.

A relevância impactaria os próprios mecanismos já existentes dos repetitivos e do IAC, de maneira que os recursos especiais em sua grande maioria seriam para julgar questões de direito relevantes e aptas a formar precedentes vinculantes, sem uma grande diferenciação entre os repetitivos/IAC e o julgamento em um incidente de relevância.

Nesse caso, o STJ realmente fixaria a prioridade em julgar recursos especiais com matéria relevante para formar precedentes, com uma atuação sempre voltada a essa função, geralmente pela seção ou corte especial e relegando às turmas as devidas adequações ou as matérias relevantes que seriam objetivas ou que não seriam possíveis de formar precedentes, com na esfera penal, por todas as ações penais estarem enquadradas na relevância presumidamente na emenda.

Numa hipótese como esta, as turmas (direito público e privado) passariam a julgar cada vez mais somente descumprimentos a precedentes vinculantes e outras inadmissibilidades, sem ater-se a julgar realmente o mérito dos recursos especiais em si, uma vez que a relevância significaria a alteração e deslocamento da competência para a seção ou para a corte especial, numa instauração de um incidente de formação de precedente vinculante pela relevância constatada.

A lei regulamentadora teria que readequar não somente este novo instituto, mas remodelar toda a atuação de julgamento do STJ, dialogando com os demais institutos e até revogando/alterando/modificando estes para formar um só incidente de precedentes judiciais vinculantes a partir da relevância, se for o caso. Esse é o pensamento que deve seguir de base para o debate legislativo, caso a relevância tenha o intuito de ser um meio de formação de precedentes vinculantes.

Se a opção for somente por acrescer um novo instituto, com um novo incidente, sem dialogar com os demais, seria relegada à prática cotidiano e ao impacto paulatino a remodelação do agir judicante do STJ e a devida adequação da relevância e dos demais meios de formação de precedentes já existentes, como outrora já ocorreu no STF com a interligação prática do incidente de repercussão geral e os repetitivos nos recursos extraordinários.

De qualquer maneira, se a opção for por um meio de formação de precedentes vinculantes, o que se julgar a partir do recurso especial relevante sobre aquela questão federal, o precedente deverá ser observado pelo próprio STJ, deve obstar novos recursos e ser aplicado pelas instâncias inferiores, como ocorre no repetitivo/IAC no STJ e na repercussão geral no STF.

Além disso, há um problema se o caminho for este, a diferenciação dos recursos especiais em duas classes, os recursos especiais penais, os quais não seriam em formação de precedente vinculante, por todas as ações penais e seus recursos especiais terem relevância automática e, assim, teoricamente, não julgar teses e sim cada caso e, de outro lado, teriam os recursos especiais relevantes das demais matérias, mais próximos ao que o STF faz na repercussão geral, com formação de tema, julgamento em colegiado maior, contraditório ampliado e formação de um precedente vinculante.

A mesma situação ocorreria nas hipóteses presumidas de relevância como ações de improbidade administrativa, ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos e ações que possam gerar inelegibilidade, uma vez que não há uma matéria determinada, sendo qualquer ação que se enquadre nestes pontos considerados presumidamente como relevante o seu recurso especial admitido também por outros requisitos. Logo, como imaginar que todas as matérias dessas ações, quaisquer que forem, já seriam julgadas para formar um precedente vinculante? Não há como e a lei deve diferenciar, para ser mais clara possível, a tramitação de um recurso especial com matéria relevante com formação ou sem formação de precedente vinculante, caso essa seja a escolha de relevância.

Sobre o ponto consequente, não somente a matéria relevante do recurso especial julgado em seu mérito tornar-se-á vinculante, mas igualmente sua negativa de incidência, quando o colegiado declarar com a irrelevância daquela questão federal, nos moldes quantitativos de 2/3 dos membros do colegiado, conforme a Emenda já dispõe.

Ou seja, a declaração de irrelevância pode ser considerada, se assim a lei regulamentadora dispuser, como um precedente vinculante negativo, impossibilitando que o STJ julgue a matéria irrelevante e obstando recursos para este Tribunal Superior. Afinal, se todas as matérias que forem relevantes formarem precedentes vinculantes, as matérias tidas como irrelevantes igualmente formarão um precedente vinculante, contudo de maneira a definir-se que não são aptas a serem julgadas pelo STJ, nem no recurso que teve negada a relevância e nem em outros de idêntica matéria, ressalvando em caso de pedido de revisão de tese, o que seria possível, mas difícil.

No entanto, a futura lei pode trabalhar numa segunda hipótese, se assim entender viável, dispondo que somente a irrelevância e sua declaração formam um precedente vinculante, sem a formação de um precedente a partir do julgamento do mérito do recurso especial que se considerou relevante.

Essa escolha possibilitaria que o STJ descartasse as matérias que se entendesse como irrelevante, funcionando como um filtro de inadmissibilidade e formação de um precedente negativo, obstando recursos especiais e agravos em recurso especiais em matérias idênticas, mas concedendo à relevância somente um caráter discricionário individual para o recurso, tratando-o, no mérito, como se fosse dentro da sistemática atual, formando jurisprudência persuasiva nos julgados das turmas do STJ.

Se a escolha da lei regulamentadora for essa, o STJ pode conseguir o seu objetivo de minorar a quantidade de recursos especiais que não merecem conhecimento, obstar agravos em recursos especiais, diminuir o acervo, controlando o estoque, sem modificar a própria função do recurso especial, somente incluindo um requisito a mais, com subjetividade, ao recurso especial, sem atrelá-lo, em seu mérito a um incidente ou meio de formação de precedentes vinculantes.

Esse ponto é grande valia e de imensa prudência, pelo fato de que não alteraria os meios  existentes de formação de precedentes vinculantes e impactaria menos na atual conjuntura judicante do STJ, somente adequando os detalhes a serem definidos ao que se tem de atuação e, ainda, não dividiria em duas relevâncias diferentes.

Autores

  • Brave

    é pós-doutorando em Processo Civil pela Uerj, doutor em Processo Civil pela Unicap, mestre em Sociologia e Direito pela UFF, especialista em Processo Civil pela Faro, professor de Processo Civil na Faro e na Uniron, advogado, presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR) e membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep), do Centro de Estudos Avançados em Processo (Ceapro), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!