Prática Trabalhista

Jornada semanal de quatro dias de trabalho: realidade ou utopia?

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

28 de julho de 2022, 8h03

Está cada vez mais em alta a temática em torno do modelo de trabalho que consiste na redução da jornada de trabalho para quatro dias na semana, sem que haja desconto do salário do trabalhador. E a pergunta que fica é se, de fato, seria possível obter resultados positivos com este novo padrão que se iniciou na Europa e está chegando no Brasil?

No Reino Unido, por exemplo, milhares de trabalhadores já iniciaram o teste em um projeto piloto, que terá duração de seis meses, de modo que o empregado recebe 100% de seu salário, mas trabalha 80% de sua jornada habitual [1]. Outros países, no mesmo sentido, têm adotado este novo formato de trabalho, como são os casos da Bélgica, Escócia, Espanha, Japão, Islândia e Emirados Árabes [2].

No Brasil, por sua vez, algumas empresas já passaram a praticar a jornada reduzida de quatro dias de trabalho por semana [3]. Frise-se, para que não fique nenhuma dúvida, que em contrapartida há o comprometimento de o trabalhador manter 100% de sua produtividade. Afinal, a redução da duração da carga horária de trabalho pode trazer impactos diretos não só saúde física e mental do trabalhador, mas também no seu convívio social.

Em recente caso divulgado pela mídia, uma empresa sediada na cidade de Franca, interior de São Paulo, iniciou a redução da jornada semanal para quatro dias, e, mais, os trabalhadores passaram ganhar um valor extra para gastar em show, cinema e teatro. Segundo a reportagem, após o período de experimentação do novo modelo, a diretoria da companhia avaliará a possibilidade de manutenção desta jornada em definitivo [4].

Spacca
Do ponto de vista normativo brasileiro, a Constituição traz no seu capítulo dos direitos sociais o limite de duração do trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 semanais [5], além de outros direitos essenciais para o ser humano, tais como a saúde e o lazer [6].

De outro norte, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) através da Recomendação nº 116 [7], indica a jornada de 40 horas semanais como norma social a ser alcançada.

Nesse desiderato, impende destacar que existe em trâmite uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 231/1995 que tem por objetivo alterar a carga horária, de modo que, caso seja aprovada, a jornada seria reduzida para 40 horas semanais para dos os brasileiros [8]. Ocorre que a referida proposta apresentada no ano de 1995, ou seja, há quase 30 anos, ainda se encontra aguardando a votação pelo Congresso.

Nesse panorama, a redução da jornada de trabalho, sem a diminuição do salário, pode ser um instrumento a ser utilizado para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana esculpido na Carta Magna [9]. E, mais, testes realizados indicam que tal redução de jornada além aumentar a produtividade do trabalhador, incrementa melhorias à saúde física e mental para se evitar a síndrome do esgotamento profissional, conhecida como Síndrome de Burnout.

Outrossim, vale lembrar que as questões atinentes a jornada de trabalho possui relação com normas de medicina e segurança do trabalho, que, além de serem regras de ordem pública, detêm aspectos biológicos, sociais e econômicos. Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Magno Luiz Barbosa [10]:

"A preservação da dignidade trata-se de um direito fundamental, a ser resguardado pelo Estado e pela sociedade em geral. O empregado enquanto criatura humana e sujeito de direitos, deve ter garantido tratamento com respeito e fomentação de sua dignidade.

(…) Destarte, a redução da duração do trabalho sem a redução de salários pode ser um dos elementos para a efetivação da dignidade da pessoa humana, desde que complementada pelos demais direitos fundamentais do indivíduo, previstos na Carta Soberana.

Entretanto, em um país onde grande parte da população vive sem sequer saber como irá se alimentar diariamente, é extremamente complexo tratar dos temas da dignidade da pessoa humana e justiça social. Apesar disso, há que se reconhecer que somente com um novo pensar social e a participação da sociedade poderá haver a efetivação dos direitos previstos na Constituição Federal".

Com efeito, a temática da redução da jornada sempre provocou discussões calorosas, sobretudo pela dificuldade em se encontrar o equilíbrio entre conceder um maior descanso ao trabalhador sem que isso afete a rentabilidade do empregador. Se é verdade que a empresa pode ter abalada a sua lucratividade com a jornada reduzida, de igual modo o trabalhador submetido a condições de estresse pode produzir menos e, ainda, se tornar mais vulnerável a acidentes de trabalho.

Aliás, uma pesquisa apontou que o Brasil é o país que menos apoia a semana de quatro dias, apesar de ser o que mais faz referência ao trabalho flexível que possibilite desmembrar a jornada ao longo do dia [11].

De mais a mais, do ponto de vista ambiental, alguns defendem que a jornada de quatro dias de trabalho trará benefícios para o meio ambiente, com a redução da emissão de carbono em decorrência da atenuação do tempo de deslocamento e uso de energia nos estabelecimentos [12]. Logo, torna-se imprescindível a existência de um planejamento antecipado, a fim de evitar afronta à legislação e aos direitos humanos fundamentais.

Bem por isso, se faz necessário que as empresas realizem testes para a implementação da jornada reduzida de quatro dias, de forma que, gradativamente, se possa criar uma nova cultura organizacional e, por conseguinte, obter os resultados positivos almejados.

Em arremate, a redução da jornada de trabalho é, por certo, de suma importância para a garantia de uma vida mais digna, de sorte que é indispensável um estudo mais atento para este assunto complexo, em particular para que se encontre o necessário equilíbrio e a efetivação dos direitos sociais, principalmente o direito à felicidade.


[5] Art. 7º — São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…). XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

[6] Art. 6º — São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[9] Art. 1º — A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…). III – a dignidade da pessoa humana;

[10] Redução da duração do trabalho: aspectos sociais, jurídicos, econômicos e possibilidades de empregabilidade sob perspectivas contemporâneas — São Paulo: LTr, 2014, páginas 106 e 107.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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