Opinião

Decreto nº 11.129 e o fomento da cultura da integridade

Autor

  • Rosa Malena Gehlen Peixoto de Oliveira

    é advogada pós-graduada em Direito Empresarial pelo Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba) em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (Emap) pós-graduanda em Compliance e Integridade Corporativa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) membro-relatora da Comissão de Estudos sobre Compliance e Anticorrupção Empresarial e membro efetivo da Comissão do Pacto Global ambas da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná.

25 de julho de 2022, 11h03

Com a entrada em vigor em 18 de julho e aplicação imediata a todos os processos em curso, o novo decreto que regulamenta a Lei 12.846/2013 é, como noticiou a Controladoria Geral da União, "fruto da experiência acumulada pelo Poder Executivo Federal na aplicação da Lei Anticorrupção ao longo de oito anos de sua vigência" [1].

Da breve leitura do ato normativo é notório que um dos objetivos claramente perseguidos é fomentar e difundir a cultura da integridade.

É o que se extrai, inicialmente, do artigo 32, § único, inciso III, que dispondo sobre o acordo de leniência passa a estabelecer como uma das suas diretrizes "o fomento da cultura da integridade no setor privado".

Não por outra razão manteve como cláusula obrigatória do acordo, como já previa o decreto anterior, a "adoção, a aplicação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade", mas, agora, estabeleceu que deve constar o "prazo e as condições do monitoramento" como se lê do inciso IV, parte final, do artigo 45 e, ainda, que o "monitoramento das obrigações da adoção, implementação e aperfeiçoamento do programa de integridade (…) será realizado direta ou indiretamente pela Controladoria Geral da União", embora possa ser dispensado a depender das particularidades do caso concreto e se conveniente ao interesse público, tal como dispôs o artigo 51.

Para alteração ou substituição de obrigações pactuadas no acordo de leniência, outra novidade do decreto, determina o § único, do artigo 54, que a análise do pedido considerará "o grau de adimplência da pessoa jurídica com as demais condições pactuadas, inclusive as de adoção ou de aperfeiçoamento do programa de integridade".

No mesmo sentido, o artigo 56, inciso II, ao tratar especificamente do programa de integridade incluiu como novo desiderato "fomentar e manter a cultura da integridade no ambiente organizacional" ao lado do já familiar "prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública nacional ou estrangeira" outrora previsto pelo Decreto 8.420/2015 no caput do artigo 41 e agora insertado no inciso I, do artigo 56, do Decreto 11.129/2022.

Os reflexos deste novo objetivo endereçado pela nova norma encontram-se evidenciados, sobretudo, em alguns dos incisos do importante artigo 57, que estabelece os parâmetros sobre os quais será avaliado, tanto em relação a existência quanto a aplicação, o programa de integridade.

O inciso I, do referido artigo, dispõe sobre o comprometimento da alta direção, que deve prestar apoio visível e inequívoco ao programa, determinando o novo decreto que "haja destinação de recursos adequados", afinal para que se possa implementar com eficiência os mecanismos que promovam a cultura da integridade e a difusão dos padrões éticos de conduta é necessário, além do tom da liderança, os recursos financeiros, humanos, operacionais para promoção das variadas ações que devam ser adotadas para atingir esse fim.

O inciso IV, por sua vez, ao tratar sobre os treinamentos incluiu a exigência de "ações de comunicação" que devem ser igualmente periódicas, pois para aculturar é preciso adotar variados recursos e metodologias a fim de introjetar o padrão de conduta escorreito esperado, porquanto como destaca Carvalho (2021, p. 119) "não há como garantir a aderência aos programas nas situações concretas mediante a mera ciência e leitura" dos códigos de ética e integridade ou como citado por Pereira, Carvalho e Giron (2021, p. 242) apenas contar com um "compliance ticking-box: a cultura do assine aqui".

Desta forma, tanto os treinamentos quanto os atos de comunicação (banners, fôlderes, cartazes, brindes, códigos de conduta e ética em locais sempre visíveis ao público, vídeos institucionais, e-mails, mensagens na intranet, entre outros), são imprescindíveis não somente na missão de atingir uma verdadeira cultura da integridade, mas também porque revelam o esforço institucional em aplicar o programa de integridade, contribuindo, por exemplo, como fator atenuante da multa fixada no âmbito do PAR, cujo percentual redutor foi elevado de 4% para 5%, conforme a redação atribuída ao artigo 23, inciso V, do Decreto 11.129/2022.

O inc. V, igualmente do art. 57, também sofreu uma alteração significativa em relação a redação anterior disposta no artigo 42, inciso V, do Decreto 8.420/2015, para dispor sobre a "gestão adequada dos riscos, incluindo a sua análise e reavaliação periódica, para a realização de adaptações necessárias ao programa e a alocação eficiente de recursos", de modo a deixar inequívoco a importância do gerenciamento de riscos, que consiste não apenas na análise, mas também na adoção de ações efetivas e responsivas visando a preveni-los, corrigi-los, mitigá-los, ajustando os controles internos com a eficiente alocação de recursos para atingir esse escopo.

O inciso X, por sua vez, foi outro cuja redação foi aperfeiçoada pelo Decreto 11.129/2022 para prever que não só devem existir canais de denúncias de irregularidades abertos aos colaboradores e terceiros, mas igualmente "mecanismos destinados ao tratamento de denúncias", pois de nada adianta ter um canal de denúncias e medidas disciplinares previamente instituídas em caso de violação ao programa de integridade, como exige o inciso XI, se estas denúncias realizadas não são apuradas e investigadas de forma qualificada e tempestiva, dando resposta e real efetividade a todo o sistema de integridade.

Neste sentido, como apontou o IBGG (2017, p. 36) "é de extrema importância que a administração determine ações em respostas aos incidentes, pois a falta de providências cabíveis  ou mesmo a negligência em tomar conhecimento dos fatos  caracteriza falta de comprometimento com o compliance".

Outra modificação promovida pelo novo decreto em relação ao anterior concerne às diligências apropriadas, previstas no inciso XIII, ainda do artigo 57, agora baseadas em risco para, conforme a alínea "a", contratar e supervisionar terceiros incluindo, para além dos prestadores de serviços, agentes intermediários e associados, também os despachantes, consultores e representantes comerciais, e de acordo com a  alínea "b", de pessoas politicamente expostas (as PEPs) e outros a elas estreitamente vinculadas, porque todos estes sujeitos "podem em algum momento representar a instituição, sendo, portanto, necessária uma comunhão de princípios e valores" (RIZZO; ROSA, 2021, p. 438) especialmente considerando-se as implicações decorrentes do artigo 2º, da Lei 12.846/2013.

A alínea "c", ao seu turno, determinou adoção de diligências havendo patrocínios e doações. É certo que o novo decreto exclui a questão de doação a partidos políticos e candidatos como outrora previsto pelo inciso XVI, do artigo 42, do Decreto 8.420/2015, porquanto declarada inconstitucional pelo STF desde o julgamento da ADI 4.650, mas acertou na necessidade de se adotar prudência na escolha de terceiro beneficiário, tendo em vista o risco de configurar suborno, fraude, corrupção, entre outros.

Observa-se, por fim, que o novo Decreto 11.129/2022 fez substancial alteração no que se refere às microempresas e empresas de pequeno porte, porquanto no Decreto 8.420/2015 havia a expressa previsão de redução de variados parâmetros do programa de integridade para avaliação, dispensando-se alguns visando à redução de formalidades, como dispunha o §3º, do artigo 42. Agora, a previsão normativa é que para avaliação dos parâmetros adotados pela empresa em seu programa de integridade serão considerados o faturamento e o fato de qualificar-se como microempresa ou empresa de pequeno porte, sem, contudo, dispensar a adoção de qualquer dos parâmetros previstos pelo artigo 57, como se observa do novel §1º, inciso II, do artigo 57.

Não se ignora, no entanto, que o art. 67 atribuiu competência ao Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União para editar orientação, normas e procedimentos para "avaliação do programa de integridade, inclusive sobre a forma de avaliação simplificada no caso de microempresas e empresas de pequeno porte" a indicar que uma normativa específica possivelmente poderá tratar a temática. 

Para conhecer, na íntegra, o Decreto nº 11.129/2022, clique aqui.

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Referências
ALMEIDA, Luiz Eduardo de; VENTURINI, Otávio; GERCWOLF, Susana. Due diligence e compliance nos negócios com terceiros. Coleção Compliance. vol. IX. 1ª. ed. coords. NOHARA, Irene Patrícia Diom; ALMEIDA, Luiz Eduardo de. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

CARVALHO, André Castro. Compliance. In Manual de Compliance. 3a.ed. coords. CARVALHO, André Castro et al. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

IBGC – INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Compliance à luz da gestão corporativa. 1ª. ed. São Paulo: IBGC, 2017. Disponível em: <https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=23486>. Acesso em: 01/06/2021.

PEREIRA, Ana Flávia Azevedo; CARVALHO, André Castro; GIRON, Vinícius de Freitas. Cultura organizacional em Compliance. Coleção Compliance. vol. X. 1ª.ed. coords.NOHARA, Irene Patrícia Diom; ALMEIDA, Luiz Eduardo. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

RIZZO, Maria Balbina Martins; ROSA, Ludmila Volochein da. Prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLDFT). In Manual de Compliance. 3a.ed. coords. CARVALHO, André Castro et al. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

Autores

  • é advogada, pós-graduada lato sensu em Direito Processual Civil pela PUC-PR e em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná, pós-graduanda em Direito Empresarial pelo Centro Universitário de Curitiba (UniCuritiba) e em Compliance e Integridade Corporativa, pela PUC-MG, e membro da Comissão de Estudos sobre Compliance e Anticorrupção Empresarial e da Comissão do Pacto Global da OAB-PR.

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