ConJur, 25 anos

Um palco de ideias e de enriquecimento do debate do Direito

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25 de julho de 2022, 14h36

O conceito de doutrina observou no passado diferentes acepções. Houve época em que o termo veiculava a opinião de certos juristas delegatários de uma função normativa outorgada pelo soberano. Referida limitação, curiosamente, se deu em resposta a uma profusão anterior, em que havia uma "explosão de glosas e comentários a textos de leis, senatusconsultos, editos dos pretores e sentenças de grandes expoentes da jurisprudência clássica"[1].

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Como forma de maior apuro, a Lei Romana das Citações, de 426, restringiria o papel doutrinário a jurisconsultos como Ulpiano, Gaio e Papiniano, iniciativa essa replicada no Reino de Castela, na Idade Média, pela Lei das Citações de Madri, e em Portugal, no século 15, pelas Ordenações Manuelinas, que admitiam a glosa de Acúrsio, as opiniões de Bártolo e a vontade do rei como colmatadores de lacunas.[2]

Seja como for, alçada a fonte formal ou não, limitada contingencialmente ou livre, a doutrina, ao longo dos tempos — mais vigorosamente a partir do século 19 —, passou a apresentar como essência um "conjunto de opiniões postas pelos juristas sobre o Direito, seu fundamento, seus institutos, suas figuras e o modo de sua aplicação, com a finalidade de criá-lo e interpretá-lo"[3]: ora antes da lei, sugerindo-a; ora na lei, apoiando-a; ora depois da lei, vivificando-a.[4] Com essa essência, aliás, tornou-se natural constatar uma relação próxima entre doutrina e dogmática, com a primeira elaborando e desenvolvendo a segunda, ambas tornando-se parte de uma estrutura teorética sobre modelos jurídicos referenciais, buscando captá-los e atualizá-los.[5]

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O propósito da doutrina, pois, atualmente parece ser o de apoiar a dogmática na explicitação das significações, da linguagem e da estrutura normativa de um macromodelo do ordenamento jurídico. Enfim, auxiliar na construção de modelos dogmáticos como criações teórico-estruturantes capazes de fornecer "esquemas de solução para os casos não regulados (lacunas) ou mal regulados (insuficiência, deficiência, inadequação valorativa) pelos modelos jurídicos, possibilitando uma ordenada atividade de integração hermenêutica".[6]

Nessa esteira, a doutrina há de militar como verdadeira instância de orientação e de reflexão, fruto de um trabalho conjunto de juristas direcionado a "explicitar, confirmar, sistematizar, propor e corrigir os modelos prescritivos (legais, jurisprudenciais, costumeiros, negociais) em vigor".[7] Sua função é antecipar possibilidades de sentido e soluções para, ao prover a comunidade jurídica com representações, indicações e proposições de comportamentos, acabar por agir em defesa da sobrevivência de modelos jurídicos, na medida em que zela por sua principal função: garantir estabilidade, segurança.[8]

Este um ponto fundamental: a dogmática, bem assim a doutrina, não se encerra apenas na interpretação e sistematização dos modelos jurídicos, senão também se dedica, de modo prescritivo, a realçar os "princípios constitutivos na condicionalidade do ordenamento vigente"[9], contribuindo para a regulação do sistema jurídico e atuando como instância instrumental de sua viabilização.[10]

Ao longo dos últimos 25 anos, a ConJur tem funcionado como um mecenato do direito, emprestando prestigioso espaço para o exercício da doutrina e para a disseminação da informação. E isso não é algo cosmético. Em tempos de certezas líquidas e de complexidade e dinamismo crescentes, equilibrar fluidez na propagação de ideias com uma curadoria criteriosa que ateste qualidade mínima é tarefa das mais desafiadoras, e dela tem se havido com zelo e êxito a ConJur.

Fomentar um ambiente de enriquecimento do direito é fortalecer a democracia, cuja história, nos últimos vinte e cinco anos, acaba por se confundir com a história da própria ConJur. Que sigamos brindados por essa simbiose; e que a celebremos hoje e no porvir!


[1] RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais. v. 891, Jan./2010. p. 67.

[2] RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais. v. 891, Jan./2010. p. 67.

[3] RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais. v. 891, Jan./2010. p. 70.

[4] VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 276.

[5] REALE, Miguel. Vida e morte dos modelos jurídicos. In: REALE, Miguel. Estudos e filosofia e ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 16.

[6] REALE, Miguel. Vida e morte dos modelos jurídicos. In: REALE, Miguel. Estudos e filosofia e ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 27.

[7] MARTINS-COSTA, Judith. A autoridade e utilidade da doutrina: a construção dos modelos doutrinários. In: MARTINS-Costa Judith (coord.). Modelos de direito privado. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 19-20 e 32.

[8] MARTINS-COSTA, Judith. A autoridade e utilidade da doutrina: a construção dos modelos doutrinários. In: MARTINS-Costa Judith (coord.). Modelos de direito privado. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 19-20 e 32.

[9] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A função social da dogmática jurídica. São Paulo: Forense, 2015. p. 92.

[10] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A função social da dogmática jurídica. São Paulo: Forense, 2015. p. 122.

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