Tem de ir fundo

Mera indicação de déficit não comprova crime contra finanças públicas, diz STJ

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25 de julho de 2022, 17h46

Para que seja atribuído a um gestor público o crime de assunção de obrigação nos oito meses finais do mandato ou da legislatura, não basta indicar o déficit orçamentário existente. A acusação deve pormenorizar as condutas praticadas, para viabilizar o contraditório e a ampla defesa dos acusados.

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MP-SP baseou denúncia no fato de iliquidez municipal ter crescido nos fim do mandato
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Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a um recurso em Habeas Corpus e trancou ação penal contra o ex-deputado federal e ex-prefeito de Araraquara (SP) Marcelo Barbieri.

Ele foi denunciado pelo Ministério Público porque, como prefeito da cidade paulista (em duas gestões seguidas, de 2009 a 2016), aumentou os gastos durante os últimos oito meses de gestão, criando despesas que não poderiam ser pagas no mesmo exercício financeiro. A conduta é tipificada no artigo 359-C do Código Penal.

Na denúncia, porém, o MP-SP não foi específico sobre as condutas do ex-prefeito, citando apenas que, em abril de 2016, último mês em que ele poderia aumentar os gastos, o déficit municipal era de R$ 75,3 milhões, e que, em dezembro, a iliquidez havia saltado para R$ 84,7 milhões.

O órgão acusador ressaltou que o prefeito sabia das irregularidades, pois foi alertado pelo Tribunal de Contas estadual. Mesmo assim, contraiu dívidas sem a previsão de caixa para o pagamento no ano seguinte.

Ao STJ, a defesa de Barbieri apontou a ausência de fundamentação da denúncia, que teria se baseado em alegações genéricas. Isso porque o MP-SP não especificou se o denunciado ordenou ou se somente autorizou a assunção de obrigação, nem qual teria sido essa tal obrigação.

Relator do recurso, o ministro Sebastião Reis Júnior deu razão à defesa. Ele afirmou que a denúncia se limitou a citar o déficit nas contas baseando-se, ao que parece, exclusivamente nas conclusões do Tribunal de Contas estadual, o que prejudicou o exercício do contraditório e da ampla defesa.

"Ao se admitir a descrição dos fatos, conforme realizado pelo Parquet estadual, por meio de presunções decorrentes da apreciação da contas pelo órgão do Tribunal de Contas, estar-se-á abrindo espaço para a deflagração de ações penais presuntivas, por todo o país, sem que se tenha o cuidado em demonstrar o indispensável nexo causal entre os tipos penais e as condutas, em tese, realizadas pelo gestor municipal", alertou o ministro.

Reconhecida a inépcia da denúncia, a ação penal foi trancada, sem prejuízo de que outra seja oferecida, sanando-se os vícios apontados. A votação na 6ª Turma foi unânime.

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RHC 164.653

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