Nem sim, nem não

MP-MG "rechaça" notícia sobre Brumadinho e MPF não comenta

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22 de julho de 2022, 12h12

Sem negar diretamente as informações constantes da notícia publicada pela ConJur, o Ministério Público de Minas Gerais enviou manifestação ao site rechaçando "as maldosas referências feitas no artigo de opinião, muitas delas pautadas em dados imprecisos", em referência ao texto "MP de Minas redireciona processo para forçar júri em Brumadinho".

Presidência da Republica
Em extensa nota, os procuradores expuseram os argumentos jurídicos levantados no processo, afirmando, por exemplo, que a denúncia oferecida no caso de Brumadinho "encontra-se lastreada em robustos indícios da prática de homicídios e crimes ambientais cometidos por dolo eventual".

Segundo o MP, a questão da competência para julgamento é "estritamente jurídica". Também não se optou pelo Tribunal do Júri por ser via que não precisa valorar provas, afirmou o órgão, uma vez que a admissibilidade da acusação passa por um juiz de Direito.

O Ministério Público Federal, por sua vez, informou que "não haverá manifestação do MPF a respeito de matéria que inclusive foi publicada antes de nos ouvir".

Leia a íntegra da manifestação do MP-MG:

Em relação ao artigo de opinião sem autoria definida, publicado na revista eletrônica “Conjur” em 21/07/2022, sob o título “Truque de mestre: MP de Minas redireciona processo para forçar júri em Brumadinho”, o Ministério Público de Minas Gerais esclarece que a denúncia criminal formulada em decorrência do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, encontra-se lastreada em robustos indícios da prática de homicídios e crimes ambientais cometidos por dolo eventual, quando os agentes deliberadamente assumem o risco de causar o resultado. Isso porque documentos internos da Vale apontaram que os executivos da companhia sabiam da probabilidade acima do limite de aceitação”, referindo-se ao alto risco de comprometimento da estrutura e, mesmo assim, tomaram a decisão corporativa de continuar a operação ao invés de adotar as medidas emergenciais de prevenção e segurança. Além disso, para dar ares de normalidade, omitiram da sociedade e do Estado informações relevantes sobre a precariedade da barragem.

Diante desse quadro, ao formular a opinio deilicti, o MPMG entendeu que os acusados concorreram dolosamente para manutenção de um risco qualificado, risco este que culminou nos homicídios e crimes ambientais imputados.

A defesa dos acusados, por sua vez, na quadra constitucional de instituição indispensável à administração da justiça, suscitou primeiro no juízo de Brumadinho, depois no Tribunal de Justiça e, por último, no Superior Tribunal de Justiça (CC 171.066 STJ), discussões acerca da competência para processar e julgar a causa, ao entendimento de que haveria crime federal autônomo, tanto na conduta meio de omitir informações ao então Departamento Nacional de Produção Mineral, hoje Agência Nacional de Mineração, quanto em relação aos danos provocados a sítios arqueológicos, entretanto nas três esferas foi mantida a competência estadual, diante da distinção em relação à tragédia da Samarco, em Mariana.

Não satisfeita, a defesa interpôs recurso ordinário constitucional, ao qual foi dado provimento pela 6ª Turma do STJ, ao entendimento de que havia interesse direto da União no julgamento do processo e, por força da Súmula 122 daquele Tribunal, toda a imputação deveria ser julgada pela Justiça Federal. O MPMG então interpôs recurso extraordinário argumentando, dentre outras coisas, que havia unidade delitiva e que a omissão de informações não tinha o objetivo de violar interesse direto da União, mas sim manter o risco qualificado, ou seja, a crítica barragem em operação.

No STF foi dado provimento ao recurso extraordinário do MPMG, tendo o relator, Ministro Luiz Edson Fachin, salientado:

Conforme se depreende da minuciosa pela acusatória, dentro do engenhoso sistema em que se desenrolou a trama operada pelos réus, incluindo o aqui recorrido, foram efetuadas uma série de condutas, complexas e intrincadas, no sentido de escamotear o fator de segurança da barragem e inviabilizar qualquer tipo de dano à imagem da empresa, de modo que o risco qualificado então assumido desaguou no fatídico desastre. No engendramento dessa estrutura, a emissão de Declarações de Condições de Estabilidade falsas, destinadas ao antigo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, hoje Agência Nacional de Mineração – ANM, “foi apenas uma conduta para escudar as decisões corporativas que deliberadamente desconsideravam o risco qualificado” (eDOC 94, p. 54). Nesse cenário, os fatos juridicamente relevantes dizem respeito aos diversos homicídios e crimes ambientais ocasionados pelo rompimento da barragem, na medida em que as condutas perpetradas pelos denunciados não tinham por objetivo final atingir interesse direto e específico da União. A omissão de informações em documentos destinados a Órgão Federal está a demonstrar que o prejuízo da União, no caso, foi meramente indireto. (Ministro Luiz Edson Fachin, RE 137854/MG)

Atualmente estão pendentes de julgamento os agravos regimentais interpostos pela defesa.

Portanto, a questão é estritamente jurídica e envolve a discussão sobre a existência de crime federal autônomo apto a atrair o julgamento de 270 homicídios e um volume massivo de crimes ambientais para a Justiça Federal. No entender da defesa, a omissão de informações a órgão federal e a existência de danos a sítios arqueológicos seriam suficientes para alterar a competência. Para o Ministério Público, porém, os acusados ao omitirem informações apenas estavam escudando a manutenção do risco qualificado, não havendo conduta autônoma apta a alterar a competência do Tribunal do Júri, como garantia fundamental da sociedade brasileira. Sobre os danos a sítios arqueológicos, o MPMG informa que sequer foram imputados na denúncia por ausência de materialidade naquele momento processual. Além disso, recentemente, o MPF promoveu o arquivamento do indiciamento por danos a sítios arqueológicos por entender não restar demonstrado dolo naquela conduta, o que também foi submetido à homologação pelo Poder Judiciário.

Aliás, é tecnicamente equivocada a inferência de que o MPMG força a realização do Júri em Brumadinho por ser uma via que "não precisa valorar provas". O procedimento do Júri, como qualquer estudante de direito bem sabe, é um procedimento bifásico, no qual a admissibilidade da acusação é primeiro submetida ao crivo do Juiz de Direito. Assim, apenas quando restar provada a existência do crime doloso contra a vida e de indícios suficientes de autoria, que o Judiciário togado pronúncia os réus e os encaminha ao julgamento pelo Tribunal do Júri, com nova possibilidade de produção e valoração das provas, desta vez pelo Conselho de Sentença.

Diante desse quadro, o MPMG rechaça em absoluto as maldosas referências feitas no artigo de opinião, muitas delas pautadas em dados imprecisos, e ressalta mais uma vez o seu compromisso com a ordem jurídica, em especial com a bicentenária instituição do Júri no Brasil, que é uma garantia do acusado, mas também da vítima e de toda a sociedade.

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