Opinião

Telemarketing: moderar, jamais censurar

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22 de julho de 2022, 11h04

Nesta semana o mercado foi surpreendido por despacho da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), determinando a suspensão dos serviços de telemarketing ativo em todo o território nacional que não se baseiem no consentimento expresso dos consumidores.

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Diante da relevância e do impacto da decisão, houve ampla cobertura da mídia, mas algumas questões de extrema relevância acabaram ficado de fora do debate: será que decisões como esta não ferem um dos pilares da própria atividade de imprensa, que é a liberdade de comunicação? Não seria o caso de moderação em vez de censura do telemarketing?

Sem falar na liberdade de iniciativa, fundamento constitucional da atividade econômica, a medida praticamente bane a atividade de telemarketing no país, notadamente aquela que almeja a conquista de novos clientes, por exigir prévio consentimento expresso dos indivíduos.

Ao fazê-lo pode interferir precipitada e radicalmente em atividade de comunicação e informação, que, segundo a Constituição de 1988 (CF88), somente pode ter restrições quando previsto e no modo previsto pela própria Carta Magna.

Claro que a abordagem inadvertida pode ser inoportuna e ninguém gosta de ser assediado, mas, corretamente, a CF88, em nenhuma hipótese, admite o banimento a qualquer forma de comunicação pelo Estado, dentre as quais se inclui a publicidade.

Cabe ao Estado jamais censurar, mas sim "oferecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem". Mesmo com relação à publicidade de tabaco, por exemplo, cuja restrição é prevista na própria constituição, não houve supressão, mas apenas um conjunto de restrições, como a limitação  de horário, e obrigações de informação ao consumidor sobre os efeitos maléficos do tabagismo.

Ou seja, é temerário que o Estado assuma tamanha postura paternalista ao censurar atividade de comunicação de conteúdo lícito, ignorando as importantes e necessárias medidas que estão sendo adotadas para melhorar os serviços de telemarketing.

Um dos próprios fundamentos da decisão, que é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), ao exigir o consentimento para o telemarketing, deixa de considerar que a nova legislação trouxe justamente outras bases legais que autorizam o tratamento de dados, em particular o legítimo interesse quanto à atividade de publicidade.

No Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, não há previsão explícita de telemarketing como prática abusiva. A fundamentação da decisão adotada pela Senacon pauta-se na proibição geral de propaganda enganosa ou abusiva, dentre às quais, a chamada propaganda coercitiva. A hipótese de enganosidade exigiria a análise do conteúdo de cada mensagem em relação ao produto ou serviço oferecido, o que não se aplica ao caso e nem foi objeto de análise.

A propaganda coercitiva, por sua vez, seria aquela que se aproveita da vulnerabilidade do consumidor, ou seja, que se prevalece de sua fraqueza, considerando sua idade, saúde conhecimento ou condição social. Também não aparenta ser o caso em questão e nem poderia ter levado a um banimento genérico.

Quanto a previsão de crime contra as relações de consumo prevista no artigo 71 do CDC, no caso de assédio e perturbação do sossego do consumidor, a interpretação deve ser restritiva, pois consiste em proteção ao consumidor contra formas de cobrança de dívidas que possam lhe causar constrangimento. Não caberia o uso dessa hipótese para condenar a atividade publicitária.

A proposta de intervenção existente na decisão contra telemarketing pode também trazer distorção competitiva com outras mídias utilizadas para publicidade, abrindo margem para discussão sobre o princípio da neutralidade concorrencial do Estado, sedimentado no artigo 146-A da CF88, que, embora previsto para o campo da tributação, já teve se espectro ampliado pela jurisprudência.

A restrição aqui discutida, portanto, dependeria de previsão legal (inclusive há aceno na decisão da Senacon ao Projeto de Lei 8.195/2017) e não poderia implicar banimento da atividade de publicidade, apenas sua moderação.

E já existem medidas de autorregulação (inclusive, homologada) da atividade de telemarketing, recentemente implantadas, que trazem mecanismos para prevalecer a vontade livre dos indivíduos, de modo bem mais congênere ao desenho constitucional.

Nesse sentido, criou-se a base de dados centralizada para coletar as informações dos usuários que não possuem interesse em receber telemarketing, batizado de "Não Me Perturbe". Por este mecanismo, o usuário que não deseja receber chamadas de telemarketing realiza cadastro em website, informando o número de telefone que deseja realizar o bloqueio e a prestadora participante para a qual não deseja receber chamadas.

Essa iniciativa foi acolhida e formalizada pela Anatel para implantação a partir de 16/7/2019. Como resultado, em 2021, os serviços de Telecom deixaram de integrar a listagem dos líderes de ligações de telemarketing. Para aperfeiçoar o atendimento aos clientes na oferta do consignado, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) em conjunto com a ABBC (Associação Brasileira de Bancos), instituíram a Autorregulação para o Consignado, com medidas de boas práticas a serem seguidas pelas instituições financeiras e, dentre outras medidas, passaram a adotar o "Não Me Perturbe", mantendo à disposição do consumidor serviço centralizado de bloqueio do recebimento de ligações para oferta de operações de consignado.

Já há também obrigatoriedade de adoção do prefixo "0303" para serviços de telemarketing ativo em chamadas de celular e para ligações feitas por telefones fixos.

Ademais, a Anatel adotou medida para coibir ligações realizadas por robôs, as chamadas robocalls, quando realizadas para mais de 100 mil chamadas diárias (ou mais) e com duração de até três segundos, pois o objetivo dessas ligações é confirmar se a linha está ativa para posteriormente receber outras chamadas. O telefone fica mudo ou dá sinal de ocupado.

Por isso, o caminho ideal é apurar os efeitos dessas iniciativas adotadas e, sendo o caso, refletir sobre aperfeiçoamentos ou expandi-las, em cooperação com os atores de mercado, para alcançar efetividade de modo célere e sem solavancos. Ou seja, reduzir o volume de ligações inoportunas, sem impedir a prestação dos serviços de telemarketing éticos e responsáveis, que fazem uso adequado dos recursos de telecomunicações.

Assim, decisões como a ora discutida, além de ofenderem direitos fundamentais, podem ser contraproducentes e geram insegurança jurídica. O caminho deve ser da moderação e não da censura, privilegiando-se sempre o diálogo entre regulador e normatizado de modo a evitar surpresas de alto impacto à sociedade como um todo.

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