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Alan Bousso: Decisão sobre rol taxativo deve aumentar judicialização

22 de julho de 2022, 14h18

Por Alan Bousso

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Um dos argumentos para se aprovar o rol taxativo tem sido a redução da judicialização da saúde. A ideia é que, uma vez definida a gama de tratamentos que compete à operadoras dos planos de saúde, os questionamentos na Justiça seriam reduzidos. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2015 e 2020, 2,5 milhões de processos referentes à saúde tramitaram no Brasil. E, ao menos inicialmente, não parece se desenhar um cenário de redução de ações após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre qual deve ser o rol de atendimento.

Logo após a decisão da corte superior, diversas organizações têm se mobilizado para prosseguir o debate sobre o tema na Justiça. O caso já foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo partido Rede Sustentabilidade na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 986. O Legislativo também se movimentou e pelo menos 28 parlamentares apresentaram projetos de lei relacionados ao tema. Enquanto os mesmos tramitam, a insegurança jurídica deve predominar.

Além das ações movidas contra a decisão como um todo, cidadãos seguirão indo ao Judiciário solicitar seus tratamentos específicos. E isso ocorre porque, mesmo que a decisão mais recente seja validada, a mesma abre uma brecha para que os pedidos continuem sendo levados à Justiça.

"Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (1) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (2) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (3) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (4) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS", definiu o STJ.

Ainda que a excepcionalidade tenha sido expressa, todos esses itens podem levar a questionamentos no Judiciário e dar margem para o surgimento de diversas teses. Por óbvio que pessoas com a própria vida ou de algum ente querido no limite vão buscar todas as alternativas possíveis para conseguir o tratamento de que precisam. Do mesmo modo, advogados aguerridos que atuam em relação ao tema, seja para a parte de usuários ou das operadoras seguirão buscando fixar a jurisprudência a favor de suas causas ou ao menos conseguir vitórias pontuais.

O fato é que o posicionamento sobre o rol taxativo pode ser analisado sob muitos pontos. Além dos direitos constitucionais à saúde e à vida, também estão em questão itens do direito consumerista. O artigo 6º do Código de Direito do Consumidor prevê no inciso VII a inversão do ônus da prova a favor do hipossuficiente. A decisão do STJ afasta essa possibilidade, uma vez que necessariamente seria do segurado a obrigação demonstrar a necessidade de determinado medicamento ou procedimento.

A sobrecarga do Judiciário não é, por certo, o cenário ideal nem almejado por juristas, operadores da saúde e muito menos pelos cidadãos. Por outro lado, o acesso à Justiça, que vem sendo crescente desde o advento da Constituição de 1988, garante aos cidadãos a possibilidade de irem a todas as instâncias batalharem por seus direitos, especialmente quando se trata da saúde e da vida.

O complexo contexto apresentado não tem soluções fáceis, mas traz algumas reflexões, como a necessidade de definições por via legislativa antes que a insegurança jurídica faça com que uma enxurrada de ações cheguem à Justiça. Também seria de bom tom a razoabilidade de todos os envolvidos para evitar abusos. Enquanto isso não se concretiza, a via mais estável ainda é a judicial. Aguardemos os próximos índices de judicialização do CNJ.