Opinião

Uniprofissionais buscam Judiciário e afastam a indevida cobrança do ISS em SP

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19 de julho de 2022, 10h20

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) está previsto no artigo 156, inciso III, da CF, que outorga aos municípios a competência para sua instituição, cujo fato gerador é a prestação de serviços não compreendidos no artigo 155, inciso II e constantes de lista instituída por lei complementar.

Por sua vez, o artigo 146, III, da CF [1] atribui ao legislador complementar a competência para dispor sobre normas gerais em matéria tributária que devem, necessariamente, ser observadas pelos entes tributantes.

O Decreto-Lei 406/68, recepcionado como lei complementar pela Constituição de 1988 [2] instituiu no seu artigo 9, §§1º e 3º [3], tributação diferenciada do ISS para determinados serviços cuja profissão é regulamentada por lei, inclusive se prestados pelas respectivas sociedades, hipótese em que o tributo é calculado em razão do número de sócios e profissionais habilitados e não sobre o faturamento (preço do serviço), o que permanece vigente.

Contudo, a Lei Municipal de São Paulo nº 17.719, de 26.11. 2021 [4], que entrou em vigor a partir de 1º de janeiro de 2022, alterou o §12 do artigo 15 da Lei Municipal nº 13.701/03 que previa a cobrança do ISS das sociedades uniprofisssionais de acordo com o Decreto-Lei nº 406/68 e instituiu faixas de receita bruta mensal para a determinação do valor de imposto devido, em razão da quantidade de número de sócios.

Em outras palavras, quanto maior for a quantidade de profissionais habilitados na sociedade, maior será o valor previsto que deverá ser multiplicado por cada um deles para se aferir o ISS devido, em manifesta afronta ao Decreto-Lei 406/68 que não autoriza essa distinção entre o serviço prestado de forma autônoma ou por profissionais reunidos em sociedade, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal [5]

Portanto, a lei paulistana alterou a base de cálculo do ISS devido pelas sociedades de profissionais habilitados, em evidente violação ao artigo 146, III, a da CF.

No que se refere à sociedade de advogados, cujo item 88 consta do artigo 9º§3º do DL nº 406/68, o STF julgou o Recurso Extraordinário nº 940.769/RS para reconhecer a inconstitucionalidade da legislação do município de Porto Alegre que previu excludentes do regime diferenciado, oportunidade em que fixou o Tema 918, segundo o qual "é incabível lei municipal instituidora de ISSQN dispor de modo divergente sobre base de cálculo do tributo, por ofensa direta ao artigo 146, III, a, da Constituição da República".

Com base nesse precedente, as sociedades de advogados obtiveram sentença concedendo a segurança nos autos no Mandado de Segurança Coletivo [6] para reconhecer a ilegalidade e inconstitucionalidade da Lei Municipal de São Paulo nº 17.719/2021, afastar sua aplicação e assegurar o recolhimento do ISS nos termos do artigo 15 da Lei Municipal nº 13.701/03.

Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de São Paulo [7], manteve a liminar que afastou a cobrança do ISS progressivo para as sociedades de médicos no Mandado de Segurança Coletivo [8] impetrado pela Associação Paulista de Medicina (APM) mantendo o recolhimento do ISS calculado pelo número de sócios e profissionais habilitados, independentemente da sua quantidade.

Assim como é ilegal e inconstitucional a alteração perpetrada pela lei municipal de São Paulo para alguns dos segmentos elencados no §3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68 (sociedades de advogados e de médicos), também o é para os demais lá previstos.

Isso porque a tributação especial do artigo 9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei nº 406/68, recepcionado pelo STF como Lei Complementar, elege outros serviços de profissão regulamentada, como os prestados por contadores, economistas, engenheiros, arquitetos, dentistas, cujos profissionais possuem responsabilidade pessoal na prestação de serviço, independentemente de estarem reunidos em uma sociedade, para fins de tributação diferenciada de ISS.

Portanto, a indevida alteração perpetrada pela legislação do município de São Paulo que alterou a base de cálculo do ISS de todas as sociedades de profissionais constantes do artigo 9º, §3º do Decreto-Lei nº 406/68 deverá ser afastada pelo Poder Judiciário, sob pena de incorrer em manifesto tratamento anti-isonômico às demais sociedades que se encontram exatamente na mesma situação, e que tiveram sua base de cálculo alargada pela Lei 17.710/21, o que é vedado pelo artigo 150, II da Constituição Federal, na medida em que proíbe a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontram na mesma situação [9].

Portanto, as sociedades, cujo objeto social constam do §3ª do Decreto-lei 406/68 foram prejudicadas com a inconstitucional alteração legislativa paulistana razão pela qual devem se socorrer do Judiciário, a fim de obter tutela jurisdicional que suspenda a exigibilidade da diferença indevidamente majorada pela Lei Municipal de São Paulo nº 17.719/ 2021 que alterou a Lei Municipal nº 13.701/03.


[1] "Cabe à lei complementar: (…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;(…)"

[2] STF — Pleno RE 220.323 e 76723/SP.

[3] Artigo 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço §1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho. (…)

§3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do §1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.

[4] §12. As faixas de receita bruta mensal são:

I – R$ 1.995,26 (mil novecentos e noventa e cinco reais e vinte e seis centavos) multiplicados pelo número de profissionais habilitados, até cinco profissionais habilitados;

II – R$ 5.000 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar cinco, até dez profissionais habilitados;

III – R$ 10.000 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar dez, até vinte profissionais habilitados;

IV – R$ 20.000 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 20, até 30 profissionais habilitados;

V – R$ 30.000 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 30, até 50 profissionais habilitados;

VI – R$ 40.000 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 50, até 100 profissionais habilitados;

VII – R$ 60.000 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 100.

[5] "Também não há falar que as citadas disposições legais, §§1° e 3º, do artigo 9º, do DL 406/68, seriam ofensivas ao princípio da igualdade tributária, artigo 150, II, da C.F. Os §§1º e 3º, do artigo 9°, do DL. 406/68 cuidam de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte. E se os tais serviços forem prestados por sociedades o imposto será calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não". 26/05/99 — Recurso Extraordinário nº 236.604-7 PR

[6] Mandado de segurança coletivo nº 1005773-78.2022.8.26.0053 impetrado pela  Ordem dos Advogados do Brasil — Seção de São Paulo ("OAB/SP"), Centro de Estudos das Sociedades de Advogados ("Cesa"), e o Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro ("Sinsa").

[7] Agravo de Instrumento nº. 2127342-91.2022.8.26.0000

[8]  Processo nº 1024691-33.2022.8.26.0053.

[9] Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(…)
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

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