Opinião

Créditos de PIS e Cofins e insumos vinculados à obrigação legal

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7 de julho de 2022, 21h26

Com a introdução da sistemática de apuração não cumulativa das contribuições ao PIS e à Cofins, pelas Leis 10.637/02 e 10.833/03, e o direito dos contribuintes ao aproveitamento de créditos fiscais referentes à aquisição de bens e serviços utilizados como insumo na produção de produtos destinados à venda ou prestação de serviços, iniciou-se controvérsia jurídica com relação à sua extensão.

Isso porque a Receita Federal, por meio das Instruções Normativas 247/02 e 404/04, buscou restringir o alcance do conceito de "insumo", ao transplantar o conceito de crédito do IPI, notadamente o de produto intermediário, para o PIS/Cofins.

Em face dessa ilegal restrição ao seu direito de crédito, os contribuintes buscaram nas esferas administrativa e judicial o reconhecimento de que o conceito de insumo se vincula à parâmetros de necessidade/relevância do bem ou serviço adquirido em face da atividade econômica geradora da receita tributada.

A polêmica foi dirimida pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, com a aprovação da seguinte tese: "Sob o rito do artigo 543-C do CPC/1973 (artigos 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF  247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte".

O entendimento do STJ foi fortemente influenciado pela jurisprudência pretérita do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que já tinha sólido entendimento vinculando o conceito de insumo ao critério da essencialidade do item ao processo produtivo do contribuinte.

Contudo, a tese do repetitivo trouxe um elemento interpretativo novo, ao consignar que o critério da relevância, que se apresenta no caso de item adquirido que embora não seja indispensável à produção ou prestação de serviço, integre a atividade econômica ou a cadeia produtiva por força de imposição legal.

O ministro Mauro Campbell, em aditamento do seu voto, absorveu o entendimento de que deve ser acrescido o critério da relevância para abarcar as situações nas quais há imposição legal para a aquisição do insumo. Vide: "Contudo, após ouvir atentamente ao voto da min. Regina Helena, sensibilizei-me com a tese de que a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há imposição legal para a aquisição dos insumos (v.g., aquisição de equipamentos de proteção individual – EPI). Nesse sentido, considero que deve aqui ser adicionado o critério da relevância para abarcar tais situações, isto porque se a empresa não adquirir determinados insumos, incidirá em infração à lei. Desse modo, incorporo ao meu as observações feitas no voto da ministra Regina Helena especificamente quanto ao ponto, realinhando o meu voto ao por ela proposto. Observo que isso em nada infirma o meu raciocínio de aplicação do 'teste de subtração', até porque o descumprimento de uma obrigação legal obsta a própria atividade da empresa como ela deveria ser regularmente exercida. Registro que o 'teste de subtração' é a própria objetivação segura da tese aplicável a revelar a imprescindibilidade e a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte."

Sobre o critério definidor de insumo decorrente de imposição da legislação, a Receita Federal exteriorizou o seu entendimento através do Parecer Normativo nº 5, de 17/12/18. Destaque-se o seguinte trecho: "52. Nada obstante, nem mesmo em relação aos itens impostos à pessoa jurídica pela legislação se afasta a exigência de que sejam utilizados no processo de produção de bens ou de prestação de serviços para que possam ser considerados insumos para fins de creditamento das contribuições, pois esta exigência se encontra na noção mais elementar do conceito de insumo e foi reiterada diversas vezes nos votos dos ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça colacionados acima. 53. São exemplos de itens utilizados no processo de produção de bens ou de prestação de serviços pela pessoa jurídica por exigência da legislação que podem ser considerados insumos para fins de creditamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins: a) no caso de indústrias, os testes de qualidade de produtos produzidos exigidos pela legislação 4; b) tratamento de efluentes do processo produtivo exigido pela legislação c) no caso de produtores rurais, as vacinas aplicadas em seus rebanhos exigidas pela legislação5, etc. 54. Por outro lado, não podem ser considerados para fins de creditamento das contribuições: a) itens exigidos pela legislação relativos à pessoa jurídica como um todo, como alvarás de funcionamento, etc; b) itens relativos a atividades diversas da produção de bens ou prestação de serviços."

A interpretação dada pela Receita ao que decidiu o STJ é abusivamente restritiva, no sentido de que somente imposições legais diretamente vinculadas ao processo de produção ou prestação de serviços gerariam direito de créditos para as aquisições de insumos vinculadas ao seu cumprimento. O que excluiria o cumprimento de obrigações referentes à empresa como um todo ou vinculadas a fases pré ou pós-produção ou prestação de serviços.

A decisão da 1ª Seção se encontra assentada no voto da ministra Regina Helena, complementado pelas ponderações do ministro Mauro Campbell, no qual se encontra explicitada a compreensão de que o conceito de insumo é mais amplo do que aquele vinculados à itens diretamente vinculados ao processo produtivo ou prestação de serviços. Já que abarca todas as mercadorias e serviços que são essenciais ou relevantes à atividade econômica ou à consecução da cadeia de produção da empresa.

Cite-se, nesse sentido, trecho do voto da ministra Regina Helena no qual explicita que o critério da relevância é mais amplo do que o de pertinência: "(…) Demarcadas tais premissas, tem-se que o critério da essencialidade diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução dos serviços ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência. Por sua vez, a relevância, considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de produção individual – EPI), distanciando-se, nessa medida, da acepção de pertinência, caracterizada, nos termos propostos, pelo emprego da aquisição na produção ou na execução do serviço. Desse modo, sob essa perspectiva, o critério da relevância revela-se mais abrangente do que o da pertinência".

A ministra Regina Helena explicitou ainda, de forma correta, que a aplicação dos critérios da essencialidade e relevância, inclusive quando vinculados ao cumprimento de obrigação legal, é tarefa casuística que demanda a análise específica do item considerado em face à realidade da atividade produtiva do contribuinte.

Campbell, por sua vez, ao absorver o conceito de insumo por imposição legal e compatibilizá-lo com o "teste da subtração" foi enfático ao reconhecer a sua pertinência, consignando que "o descumprimento de uma obrigação legal obsta a própria atividade da empresa como ela deveria ser regularmente exercida".

Tem-se, dessa forma, um critério objetivo que deve ser aplicado, a identificação de que se o item adquirido está vinculado objetivamente ao exercício regular da atividade econômica, garantindo ou contribuindo para o cumprimento de uma determinação legal.

A jurisprudência, principalmente do Carf, tem efetuado a análise de controvérsias envolvendo o creditamento de PIS e Cofins e aplicado o entendimento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR para dirimi-los.

Caso do Acordão 3301­005.605, exarado pela 1ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara da 3ª Seção do Carf, no qual se reconheceu que os dispêndios de contribuinte com aquisições de terraplanagem e destinação final de resíduos sólidos, monitoramento do ar e outros serviços necessários a recuperação do meio ambiente, vinculados ao cumprimento de obrigação legal (no caso concreto, decorrentes de Acordo Judicial de Conduta e dos Termos de Ajuste de Conduta celebrados com o Poder Público), geram o direito ao creditamento de PIS e Cofins.

Nesse julgado, a conselheira relatora Liziane Angelotti Meira destacou, com acerto, que se tratam de dispêndios obrigatórios para o contribuinte, já que necessários à regularidade normativa que viabiliza a consecução da sua atividade produtiva. "As despesas com a proteção do meio ambiente são geradas em função de uma imposição do Poder Público e neste caso é inexigível conduta diversa por parte do contribuinte. Além do que, é verdade que sem cumprir ao rígido controle ambiental, por certo que a empresa não estaria autorizada a extrair o carvão mineral, ou seja, estaria impossibilitada de realizar o seu processo produtivo".

Infelizmente, a Receita continua com o seu posicionamento restritivo, que nega a natureza de insumo decorrente de imposição legal a aquisições que não estejam diretamente vinculadas ao processo produtivo ou à prestação de serviço, desconsiderando a interpretação jurídica efetuada pelo STJ e a teleologia que informa a tese do repetitivo.

O STJ considerou em sua decisão a forma como se operacionaliza a não-cumulatividade do PIS e da Cofins, através do sistema base x base, implicando que todos os custos com insumos essenciais ou relevantes à atividade econômica produtora da receita tributável sejam geradores do direito de creditamento. Sob pena de violação tanto à coerência lógica da não-cumulatividade, que tem guarida constitucional, como ao próprio princípio da capacidade contributiva.

Um exemplo flagrante do equívoco do Fisco é o posicionamento externando através da Solução de Consulta COSIT nº 215, de 20 de dezembro de 2021, que negou direito de crédito de PIS e Cofins em face dos dispêndios com logística reversa. No caso, a Receita considera que, apesar de se tratar de uma imposição legal, não há vinculação direta ao processo produtivo. Vide: "O dispêndio relativo à estruturação e à implementação de sistemas de logística reversa por fabricantes e importadores de lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista e seus componentes, embora advenha de uma imposição legal, não é inerente ao processo de produção dos bens, sendo assumido com o intuito de garantir a destinação final ambientalmente adequada dos produtos já consumidos e que estão no fim da sua vida útil. Portanto, não pode ser considerado como insumo para fins de creditamento da Contribuição para o PIS/Pasep".

A logística reversa é constituída de procedimentos, meios e instrumentos destinados ao recolhimento e encaminhamento de produtos, embalagens e resíduos pelas empresas, normalmente pós-consumo, para reaproveitamento ou destinação correta dos produtos ou resíduos.

Encontra-se positivada na Lei nº 12.305/10, que instituí a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê a atuação órgãos públicos e empresas privadas na promoção de ações de redução no volume de resíduos sólidos e rejeitos, visando a redução dos impactos à saúde humana e ao meio ambiente. Setores como o de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneu, óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista e produtos eletroeletrônicos e seus componentes, estão legalmente obrigados a promover a logística reversa de seus produtos.

O descumprimento das obrigações referentes à logística reversa traz o risco às empresas e seus gestores a penalidades pecuniárias, administrativas e mesmo penais, podendo impedir a manutenção da atividade empresarial, via cassação das autorizações ambientais de funcionamento e embargo de estabelecimentos.

Considerando-se o entendimento do STJ e o "teste da subtração" é inequívoco que se trata de despesa obrigatória, diretamente vinculada à atividade produtiva, sendo que o seu não cumprimento implica na impossibilidade de funcionamento regular da empresa e a sua sujeição à graves penalidades.

A lógica interpretativa não pode ser diversa daquela formalizada na Solução Cosit nº 01, de 6 de janeiro de 2021, no sentido de que "gastos relativos a tratamento de efluentes, resíduos industriais e águas residuais, considerados indispensáveis à viabilização da atividade empresarial em virtude de integrarem o processo de produção por imposição da legislação específica do setor, geram direito à apuração de créditos a serem descontados da Cofins" [1].

Em ambos os casos se têm obrigações vinculadas à proteção do meio-ambiente e diretamente vinculadas à atividade produtiva, não sendo possível dissociar o custo vinculado ao cumprimento dessas determinações legais da manutenção da regularidade e, mesmo, viabilidade da atividade produtiva.

O tratamento de efluentes é uma forma de gestão de resíduos da atividade industrial, visando impedir a contaminação da atmosfera, solo e água. A sua execução é uma obrigação que decorre da atividade produtiva, sendo um custo que agrega ao preço do produto e, consequentemente, estará refletido na receita bruta decorrente, tributada pelo PIS e pela Cofins.

Da mesma natureza é o custo do contribuinte com a logística reversa, normalmente com a contratação de empresas especializadas nesse tipo de gestão de embalagens ou produtos consumidos, evitando-se que haja a sua incorreta destinação e o risco de se tornarem elementos poluentes. Também nesse caso existe a repercussão no custo de produção, contrapartida no preço dos produtos e agregação à receita bruta tributável.

A atividade administrativa tributária é intrinsecamente vinculada e limitada pela lei, não cabendo à autoridade fiscal fazer juízos de conveniência e concordância em face do conteúdo da legislação tributária. Sendo que no caso do conceito de insumo como gerador do direito ao creditamento do PIS e Cofins, o seu conteúdo foi delimitado pelo Superior Tribunal de Justiça, com base em critérios de essencialidade e relevância do item para a atividade econômica do contribuinte (conforme expresso texto da tese aprovada), não sendo legalmente válido que a Receita Federal pretendo limitar o alcance da decisão vinculante do Poder Judiciário.

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