Opinião

Sustentação oral no AgInt contra pronunciamento sobre o AREsp e o REsp

Autores

  • José Henrique Mouta Araújo

    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) doutor e mestre (Universidade Federal do Pará) professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) procurador do estado do Pará e advogado.

  • Rodrigo Nery

    é doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) (com ênfase em Direito Processual Civil) pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq/UnB Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC) integrante e orador da primeira equipe da UnB na 1ª Competição Brasileira de Processo (CBP) e advogado.

5 de julho de 2022, 6h32

Este artigo é uma homenagem ao
professor Jorge Amaury Maia Nunes.

O que vamos contar agora pode soar estranho para o leitor que não estiver familiarizado com a sistemática recursal dos tribunais superiores. O agravo em recurso especial (AREsp) e o agravo em recurso extraordinário (ARE) são, em regra, julgados monocraticamente pelos relatores [1]. Nas palavras de Araken de Assis, quando analisa o AREsp, "o relator sorteado tem a amplíssima competência do artigo 253, parágrafo único, I e II, do RISTJ, para julgar a admissibilidade ou o mérito do agravo, tal como acontece no recurso extraordinário" [2].

Sim, isso soa estranho. Quando falamos de recursos cíveis nos tribunais brasileiros, até mesmo aqueles que atacam decisões monocráticas, à exceção dos embargos de declaração e, como visto agora, dos agravos em recurso especial e recurso extraordinário, a maioria é julgada por órgãos colegiados. Essa é a regra. Os recursos que citamos são, portanto, exceções. Também há as exceções previstas no artigo 932, IV e V do CPC (cujos poderes aos relatores podem atingir apelações, agravos de instrumento etc.), ou até as previstas no RISTJ, todas que se pautam numa ideia de respeito a precedentes e mecanismos de decisão de demandas reiteradas e recursos inadmissíveis ou interpostos em discussão envolvendo força dos precedentes qualificados, mas isso ainda assim não infirma o fato de que, em regra, os recursos devem ser julgados por órgãos colegiados.

No que se refere ao AREsp, o caminho que ele segue pode variar no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a depender da presença ou não de seus requisitos de admissibilidade, bem como do mérito recursal. Também o recurso especial (REsp) pode ter seus caminhos entrelaçados ao destino do AREsp, por ser passível de julgamento monocratico. Isso gera uma gama de possibilidades, especialmente no que respeita ao cabimento (ou não) de sustentação oral no agravo interno (AgInt) interposto contra a decisão unipessoal do relator, à luz do previsto no artigo 2º, da recente Lei 14.365/2022 [3].

Por certo que o agravo em REsp pode ter como destino (1) o conhecimento; (2) o não conhecimento; (3) o parcial conhecimento; (4) o provimento, se for conhecido; (5) o improvimento, se for conhecido; (6) o parcial provimento, se for conhecido. Vale destacar, como mais uma opção, o parcial conhecimento com o parcial provimento do recurso. Ou seja: o recurso é parcialmente conhecido e, na matéria em que se analisa o seu mérito, é parcialmente provido. A dinâmica segue essa lógica, sendo desnecessário apontar outras possibilidades neste momento.

Há a possibilidade de conversão do AREsp em REsp, alterando a classe e passando a ser processado como este último recurso. No caso, havendo apreciação monocrática, o eventual AgInt poderá ensejar a sustentação oral, à luz do 2º-B, III, do Estatuto da Advocacia, com a redação oriunda da Lei 14.365/2022.

Aliás, fazendo a leitura deste novo dispositivo legal, na classe AREsp, em caso de apreciação unipessoal, o eventual AgInt não está sujeito à sustentação oral. Contudo, algumas variáveis importantes devem ser apresentadas neste texto.

Com efeito, quando o julgamento do AREsp é feito conjutamente com o REsp, é possível cogitar certas hipóteses de resultado, inclusive com a necessária ressalva de que, em alguns casos, é importante que haja a alteração da classe no STJ, a fim de permitir a sustentação oral nos respectivos agravos internos (AgInt).

Da simples análise do artigo 253 do RISTJ, indentificamos ao menos quatro destinos para o AREsp e para o REsp, quando julgados em um mesmo pronunciamento e sem qualquer conversão: a) o AREsp conhecido e o REsp não ser conhecido; b) o ARESp ser conhecido e o REsp ter seu provimento negado, monocraticamente, por ser contrário a tese de recurso repetitivo ou repercussão geral, a entendimento firmado em IAC , a súmula do STF ou do STJ, ou a jurisprudência dominante sobre o tema; c) o AREsp ser conhecido e o REsp ser provido monocraticamente, se o acórdão recorrido estiver contrariando as teses/entendimentos e súmulas citadas na letra "b" anterior; d) o AREsp ser conhecido e ser determinada a sua autuação como REsp, quando não verificada nenhuma das hipóteses previstas anteriormente, seguindo o procedimento do REsp.

Há, ainda, outras possibilidades, que variam a depender do mérito recursal. Uma delas, por exemplo, é a do AREsp que é conhecido, estando com razão nos seus argumentos meritórios, mas ainda assim o REsp não é conhecido, por outro fundamento. Diz-se, nesse caso, que o AREsp foi conhecido e provido, mas o REsp não foi conhecido. Também há a possibilidade de conhecimento parcial do AREsp para, nessa extensão, dar provimento ou negar provimento ao REsp.

Fixadas as premissas acima, vamos para o problema objeto do presente texto, que é a sustentação oral no julgamento do agravo interno (AgInt) interposto contra a decisão que analisa conjuntamente o agravo em REsp e o REsp.

Como já mencionado, a lei 14.365/2022 alterou o §2º-B do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). A modificação foi no sentido de estabelecer que "poderá o advogado realizar sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer" de, entre outros, "recurso especial". Com efeito, destacamos aqui que, nos termos do artigo 1.021 do CPC, o recurso cível cabível contra a decisão monocrática que não conhece ou julga o recurso especial é o agravo interno (AgInt).

Como dissemos, o AREsp e o REsp podem ser julgados monocraticamente em uma única decisão (rectius: pronunciamento jurisdicional), em determinadas situações. Daí que surge o problema objeto deste texto: como identificar quando que no AgInt interposto contra essa decisão única será cabível sustentação oral, e quando que não será, tendo como premissa que a classe originária no STJ é AREsp.

Uma coisa é certa: nem todo pronunciamento unipessoal no âmbito de AREsp está circunscrito aos limites cognitivos desse recurso. É possível, como vimos, que o relator ultrapasse a tese firmada no AREsp e aprecie o próprio REsp, o que deverá ensejar a garantia de sustentação oral no julgamento de eventual AgInt pelo respectivo órgão fracionário da Corte da Cidadania.

Por isso que, de plano, já podemos trazer a seguinte afirmação: indubitavelmente haverá hipóteses em que a sustentação oral deverá ser cabível no AgInt contra decisão única que envolve AREsp e o próprio REsp. Isso é fato.

Haverá hipóteses em que a sustentação será cabível, pois mesmo se tratando de uma decisão apenas, cada capítulo da decisão será autônomo (múltiplos capítulos em único pronunciamento). É a simples aplicação da teoria dos capítulos de sentença, tal como ensinada por Dinamarco [4], com inspiração no artigo de Liebman, "parte o 'capo' di sentenza" [5].

Pois bem, sabendo que haverá hipóteses em que a decisão monocrática ensejará AgInt com sustentação oral, a pergunta a ser feita é a seguinte: quais seriam essas hipóteses? A resposta para ela é uma só: toda vez que, independentemente da análise do recurso de AREsp, houver decisão sobre o mérito do REsp ou sobre o conhecimento do dele, que, nesse último caso, não tenha sido objeto de análise na decisão atacada pelo AREsp, será cabível sustentação oral no AgInt eventualmente interposto.

Sempre que na decisão única que analisar o AREsp e o próprio REsp houver capítulo atinente mérito do recurso especial, ou ao conhecimento desse recurso, nessa última hipótese sendo necessário que essa matéria não tenha sido o objeto de impugnação do AREsp, a sustentação oral será cabível no julgamento do AgInt que ataque esse(s) capítulo(s).

Por óbvio que o AgInt, nessas situações, pode versar sobre outros temas abordados na decisão única que analisou o AREsp e o REsp. Entretanto, a sustentação oral deverá ser limitada, conforme entendemos, à exposição dos argumentos atinentes à impugnação do capítulo da decisão que versa sobre o mérito do REsp, ou sobre o conhecimento (desse recurso) que não tenha sido objeto de impugnação pelo AREsp.

Claro que, na prática forense, será complicado controlar a sustentação oral na sessão de julgamento do AgInt (presencial ou virtual) para limitá-la ao capítulo da decisão unipessoal recorrida que analisou o REsp.

Imagine hipótese em que o AREsp for parcialmente conhecido e, nesta extensão, o REsp foi conhecido e improvido. No caso, mesmo se a classe, no âmbito do STJ, permanecer sendo AREsp, deve ser garantida a sustentação oral no AgInt tão-somente em relação ao capítulo decisório relacionado à apreciação do REsp.

Claro que, uma vez garantida a sustentação oral em sessão síncrona ou assíncrona, haverá uma grande dificuldade de se controlar o limite argumentativo a ser utilizado pelo advogado, mesmo com a clara restrição relacionada ao capítulo que apreciou o recurso de fundo.

Percebe-se, com isso, que se trata de tema complexo. Há muitas possibilidades. Isso se dá pelo fato de que o AREsp versa sobre matéria atinente ao conhecimento do REsp (que foi inadmitido na origem – art. 1.030, V, do CPC). Se o conhecimento do REsp for objeto de análise somente no STJ, tendo sido admitido na origem, será cabível AgInt com sustentação oral em face da decisão unipessoal do ministro relator – seja essa relativa à admissibilidade ou ao mérito.

Agora, se a matéria atinente ao conhecimento do REsp tiver sido analisada na origem, com juízo de admissibilidade negativo (inadmissão — artigo 1030, V, do CPC), e apenas chegar ao STJ por meio de AREsp, o julgamento do AgInt contra a decisão unipessoal que não ultrapassar os limites cognitivos do recurso previsto no art. 1.042, do CPC, não poderá ter sustentação oral, salvo se a corte estabelecer essa possibilidade em seu Regimento Interno no futuro.

Agora, ante toda a complexidade acima, como será possível evitar que a sustentação oral seja utilizada para argumentar sobre pontos que em tese não comportariam tal possibilidade?

Nesse caso, entedemos que a solução é relativamente simples, ainda que possa vir a aumentar a carga de trabalho dos ministros julgadores. A nosso ver, os ministros do STJ, com base no dever de esclarecimento [6], deverão explicar ao orador, pelo menos nos plenários presenciais (ou em despachos em caso de encaminhamento aos plenários virtuais) que as argumentações orais referentes a tópicos que extrapolem os temas que são passíveis de serem defendidos em sustentação oral não poderão ser proferidas, ante a ausência de previsão legal ou regimental para elas e, portanto, não serão conhecidas.

Os oradores, por sua vez, deverão se preparar para os novos limites e variáveis apresentados neste texto, devendo, obviamente, ocorrer uma presunção de boa-fé nessa situação, em caso de eventual equívoco, tendo em vista a indubitável complexidade desse assunto.

Uma importante observação, já nos aproximando do fim: em que pese a recente alteração não consagrar a possibilidade de sustentação oral em AgInt interposto em face de decisões monocráticas proferidas em AREsp, há a necessidade de reflexão quanto aos limites entre este recurso e o próprio REsp, pelo que, mesmo se a classe for mantida no âmbito da Corte da Cidadania, deve ser garantida a sustentação oral nos limites cognitivos da apreciação do REsp.

Esperamos, com isso, contribuir para o debate de tão importante tema, com duas sugestões: a) ao Poder Judiciário: a análise em cada caso concreto acerca dos limites cognitivos da decisão monocrática, tendo em vista o livre trânsito entre o AREsp e o REsp, inclusive com a alteração da classe, se for o caso; b) aos advogados (públicos e privados), defensores, membros do Ministério Público: em caso de interposição de AgInt em face de pronunciamento monocrático em AREsp, a cautela de analisar o teor do julgado, considerando esse mesmo livre trânsito, bem como a limitação da argumentação oral em caso de apreciação parcial do REsp.


[1] Há a exceção do art. 1.042, §5º, do CPC, no sentido de que "O agravo poderá ser julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário, assegurada, neste caso, sustentação oral, observando-se, ainda, o disposto no regimento interno do tribunal respectivo". Nessa situação, o recurso será julgado colegiadamente.

[2] ASSIS, Araken. Manual dos Recursos. 4ª ed. em e-book baseada na 10ª ed. impressa. São Paulo: Thomson Reuteres, 2021, p. RB-13.23.

[3] Que introduziu o §2º-B na Lei nº 8.906 de 1994 (Estatuto da Advocacia).

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 1ª ed. 2º tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 31 e seguintes. De maneira geral, essa teoria deve ser aplicada, com algumas ressalvas que não são cabíveis neste momento do texto.

[5] LIEBMAN, Enrico Tullio. <<PARTE>> O <<CAPO>> DI SENTENZA. In: Rivista di diritto processuale. Volume XIX, anno 1964, Padova: Cedam, 1964, p. 47-63.

[6] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 1ª ed. em e-book baseada na 3ª ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, tópico 2, subtópcio 2.1.1, n.p

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    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), doutor e mestre (Universidade Federal do Pará), professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), procurador do estado do Pará e advogado.

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    é doutorando e mestre em Direito pela UnB, com ênfase em Direito Processual Civil, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito, bacharel em Direito pela UnB, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Processual Civil da UnB (GEPC-UnB) e membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC).

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