Opinião

Costa Rica é o mais novo membro da OCDE. E o Brasil deve entrar?

Autor

  • Thiago Ferreira Almeida

    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

3 de julho de 2022, 13h22

A OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento) consiste em uma organização internacional dedicada a proporcionar cooperação nas áreas econômicas, além de ser importante centro de análise de dados sócio-econômicos e instrumentos de governança para os seus estados-membros.

Antes de sua criação, havia sido criada a Organização para a Cooperação Econômica Europeia  (Organisation for European Economic Co-operation — OEEC), em 1948, com o objetivo de coordenar a aplicação dos recursos norte-americanos do Plano Marshal na reconstrução da Europa Ocidental pós-2ª Guerra Mundial. Somente em 1961, a organização de cooperação europeia foi substituída pela OCDE, com a entrada de Estados Unidos e Canadá [1].

Em 25 de maio de 2022, a Costa Rica depositou o instrumento de ratificação da convenção da organização, tornando-se o 38º membro. Dentre os países membros da América Latina, encontram-se o México, membro desde 1994, o Chile, desde 2010, e a Colômbia, desde 2020. Dessa forma, Costa Rica é o quarto membro latino-americano a integrar a OCDE [2].

Dentre os países que não se encontram na organização, observa-se um fato importante: todos os países que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não são membros da OCDE. Haveria alguma explicação para essa questão?

Assim como a OCDE, outros agrupamentos internacionais como o G7 foram criados em um período histórico de grande predomínio econômico dos Estados Unidos e, posteriormente, pelos países da Europa Ocidental e Japão. Com a ascensão das economias emergentes no início do século 21, bem como com a crise financeira de 2008, observa-se uma crescente demanda por maior representatividade nas estruturas de decisões internacionais.

Em 2010, o Conselho Executivo do FMI (Fundo Monetário Internacional) aprovou a maior redistribuição de quotas, com aumento do percentual para emergentes [3], principalmente para os países do Brics [4]. Apesar da aprovação da reforma das divisão das quotas percentuais do FMI ocorrer em 2010, no contexto da crise de 2008, somente em 2016 que foram efetivadas, após a aprovação do Congresso dos Estados Unidos. Com a reforma, a China torna-se o terceiro maior país com poder de voto, sendo que todos os países do Bric inserem-se dentre os dez maiores membros com poder de voto.

A China aumentou o seu percentual de voto de 3,8% a 6,08%, enquanto que o Brasil possui após a reforma 2,22%, a Índia 2,63%, e a Rússia 2,59%. A reforma significou um crescimento do papel das economias emergentes, principalmente da China. Juntos, os Brics somam 13,52% dos votos. Incluindo o percentual do poder de voto da África do Sul no FMI (0,64%), apesar de não ter sido contemplado com aumento na reforma de 2010, os Brics correspondem a 14,16%.

Na reforma de 2010, os Estados Unidos reduziram o seu percentual de 16,7% a 16,5%, mantendo ainda uma cota superior a qualquer outro país membro do fundo e poder de veto em decisões importantes do FMI, que exigem 85% dos percentuais de voto.

A título de comparação, a China possui um percentual um pouco superior ao da Itália, apesar de ser a segunda maior economia mundial. Os 27 países da União Europeia e o Reino Unido correspondem a 29,6% do poder de voto no FMI, apesar de aprestarem 16,7% do PIB mundial, enquanto que os Brics respondem por 31,4% (dados de 2017).

No Banco Mundial, cujas demandas por reformas não foram submetidas à aprovação, os Brics correspondem a 12,9% do poder de voto [5].

Ressalta-se que, ao contrário da Assembleia Geral das Nações Unidas, em que cada um dos 193 estados membros possuem um voto, no FMI, Banco Mundial e em outras organizações de cooperação financeira tradicionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da Ásia (ADB). Cada país possui um percentual de votos (quota), estipulado conforme seu desempenho econômico e importância política.

A crise financeira de 2008 demonstra que os países emergentes se configuram como uma coletividade de grande importância para o sistema financeiro internacional, tendo o G20 assumido a liderança nas discussões sobre a estabilidade financeira internacional desde então. Por outro lado, pode-se inferir que a redistribuição de quotas, um pedido de longa data dos emergentes, somente foi contemplado em uma situação de grande fragilidade das economias desenvolvidas, o que demonstra a pouca abertura de tais países em buscar reduzir as disparidades de representação internacional entre as nações.

A configuração do FMI e das tradicionais organizações de cooperação financeira, tais como Banco Mundial ou Banco Interamericano de Desenvolvimento (IDB), ainda mantêm uma divisão de votos baseada em percentual definido na época de sua criação, que envolvia critérios de desempenho econômico e geopolítico, em um contexto de pós-2ª Guerra Mundial.

Dessa forma, o século 21 inicia-se marcado por duas transformações importantes na relações econômicas internacionais: o Brics e o G20. Esses dois fóruns provocaram a substituição do G7 e a necessidade de maior representação das economias emergentes em fóruns e organizações internacionais. Apesar do G20 Financeiro ter sido criado em 1999, somente com a crise de 2008, ganhou proeminência internacional como o principal foro de discussões sobre estabilidade econômica, a substituir o G7.

Outra relevante alteração promovida pelos países emergentes integrantes do Brics é a criação em 2014 do Novo Banco de Desenvolvimento  — New Development Bank (NDB) —, também conhecido como o Banco dos Brics [6]. Trata-se de uma organização internacional para a cooperação financeira cujos países membros dividem por igual o poder de voto. Em síntese, o banco destina recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável.

Apesar do Brasil ser considerado um parceiro importante para a OCDE desde 1994, somente em 2007 que a organização elevou-o à condição de parceiro-chave, juntamente com a China, Índia, Indonésia e África do Sul [7].

Em 25 de janeiro de 2022, a OCDE iniciou o processo para discussão da adesão de seis novas candidaturas: Brasil, Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia. Com essa decisão, o Brasil pode ser o primeiro país do Brics a integrar a OCDE [8].

Portanto, observa-se que a OCDE, juntamente com outras organizações internacionais financeiras, como FMI, Banco Mundial, além de fóruns internacionais como o G7, ainda mantêm estruturas rígidas, demandando processos de reformas a acompanhar o cenário internacional econômico a partir do século 21, marcado por uma maior multipolaridade de potências econômicas e pluralidade de investimentos e comércio.

Os efeitos da pandemia do Covid-19 e da Guerra na Ucrânia, principalmente nas cadeias de alimentos e energia, são fatores de grande importância para a configuração do sistema nas próximas décadas, cujo papel dos países emergentes é essencial na dinâmica econômica global.

Acrescenta-se que é necessário um debate doméstico sobre qual seria os benefícios do Brasil em aderir à OCDE. A sua adesão como membro demanda a ratificação de diferentes acordos internacionais e, dentre eles, a existência de liberalização de medidas de proteção de determinados setores econômicos. A exemplo, o Brasil deve aderir os códigos de liberalização de movimento de capital e de serviços [9].

[1] ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. Organisation for European Economic Co-operation. Disponível em: https://www.oecd.org/general/organisationforeuropeaneconomicco-operation.htm;. Acesso em:
23 jun. 2022.

[2] ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. OECD
welcomes Costa Rica as its 38th Member. Disponível em:
https://www.oecd.org/newsroom/oecd-welcomes-costa-rica-as-its-38th-member.htm;. Acesso em: 23 jun. 2022.

[3] Conforme a nota de imprensa do FMI (nº 10/418): "'This historic agreement is the most fundamental governance overhaul in the Fund's 65-year history and the biggest ever shift of influence in favor of emerging market and developing countries to recognize their growing role in
the global economy'; IMF Managing Director Dominique Strauss-Kahn said after the Executive Board’s decision."
(INTERNATIONAL MONETARY FUND – IMF. IMF Executive Board Approves
Major Overhaul of Quotas and Governance. Press Release. nº 10/418. 5 de novembro de 2010. Disponível em: www.imf.org/en/News/Articles/2015/09/14/01/49/pr10418. Acesso em: 29 mar. 2021).

[4] Observa-se que os membros do BRIC assumiram a posição dos 10 maiores detentores de quotas no FMI, tendo a China assumido a terceira posição. Essa decisão ocorreu na 14ª Revisão Geral das Quotas do Fundo (INTERNATIONAL MONETARY FUND. IMF Member’s Quotas and
Voting power, and IMF Board of Governors. Disponível em:
www.imf.org/external/np/sec/memdir/members.aspx. Acesso em: 29 mar. 2021).

[5] CHITENDERU, Tafadzwa Thelmah. Integration of the New Development Bank into the International Financial Architecture. Faculdade de Negócios e Ciências Econômicas da Universidade Nelson Mandela. Orientador Professor R. Ncwadi (Doutorado) – Universidade Nelson
Mandela, 2018, p. 120, 126; SUCHODOLSKI, Sergio Gusmão; DEMEULEMEESTER, Julien Marcel. The BRICS Coming of Age and the New Development Bank. v. 9, issue 4. Global Policy. University of Durham e John Wiley & Sons, 2018, p. 3-4.

[6] NEW DEVELOPMENT BANK – NDB. Disponível em: https://www.ndb.int;. Acesso em: 23 jun.
2022.

[7] ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. A OCDE e
o Brasil: Uma relação mutuamente benéfica. Disponível em: https://www.oecd.org/latin-america/paises/brasil-portugues/. Acesso em: 23 jun. 2022;

[8] ORGANIZATION FOR ECONOMIC
CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. Key Partners. Disponível em:
https://www.oecd.org/global-relations/keypartners/#d.en.194387. Acesso em: 23 jun. 2022. ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. OECD takes first step in accession discussions with Argentina, Brazil, Bulgaria, Croatia, Peru and
Romania. Disponível em: https://www.oecd.org/latin-america/paises/brasil-portugues/. Acesso em: 23 jun. 2022.

[9] ALMEIDA, Thiago Ferreira; FERRAZ, Luciano. Compras governamentais na perspectiva das organizações internacionais: adesão do Brasil aos acordos da OMC e da OCDE. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 18, n. 72, p. 159-173, out./dez. 2020. ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. OECD Code of Liberalisation of Capital Movements. Disponível em: https://www.oecd.org/investment/investment-policy/Code-capital-movements-EN.pdf. Acesso
em: 23 jun. 2022; BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brazil takes another step towards the accession to the OECD. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/en/pressdetail/2438/nota. Acesso em: 23 jun. 2022.

Autores

  • é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige), doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin)

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!